A forte relação entre parte dos Ultras Italianos, Hooligans ingleses e movimentos neonazistas.

O contexto político e social em que os principais modelos de torcidas na Europa foram criados

Jorge Alexandre
Mezzala
6 min readOct 31, 2019

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Os Ultras surgiram em meados dos anos 1970, numa Itália que ainda passava por um período de pós-guerra, e por conta disso, vivia numa fase de turbulência sócio-política. O que confirma tal afirmação são os mais de 2.000 homicídios atribuídos à violência política sob forma de atentados, assassinatos e guerras de rua entre facções militantes rivais durante os anos de 1960 a 1980. Foram os chamados “Anos de Chumbo (Anni di piombo)’’, que receberam tal nomenclatura, devido ao grande número de tiros disparados durante esses anos. Nesse contexto, os Ultras se espalharam pelo continente como um modelo europeu de Torcida Organizada como assim conhecemos aqui no Brasil, tendo forte participação entre os jovens Italianos e influências de viés político, até porque, futebol e política sempre andaram de mãos dadas. Paralelamente, um modelo de torcida semelhante que também acabava de surgir no velho continente foram os hooligans, mais especificamente na Inglaterra, mas irei falar deles posteriormente. Desde então, os torcedores italianos entram em confronto com as forças policiais por protagonizarem cenas de violência, fazendo com que o governo do país intensifique a repressão contra os mesmos nas ultimas duas décadas.

Se apenas apoiassem seus respectivos clubes, os Ultras muito provavelmente não iriam ter muitos problemas. O que ocorre, é que eles vão muito além de simples torcedores apaixonados. À exemplo da torcida da Lazio (Irriducibili), um dos mais tradicionais clubes Italianos, há um forte vínculo político com ideologias de extrema direita. Suásticas e cartazes manifestando o mais puro ódio contra imigrantes, muçulmanos, judeus e negros são comuns nos jogos do clube, além de cânticos racistas e bandeiras exaltando o ex governante e líder fascista Benito Mussolini, que era torcedor da Lazio. Em 1998, torcedores da Lazio protagonizaram uma das cenas mais tristes do futebol, levando para o estádio num jogo contra o seu maior rival (Roma), um cartaz escrito: ‘’Auschwitz la vostra patria, I forni le vostre case’’, que na tradução significa: ‘’Auschwitz seu país, o forno a sua casa.’’ Uma triste e repulsiva analogia com o campo de concentração polonês e o lugar de origem dos torcedores da Roma.

ESPN
(Foto: Reprodução/ESPN)

Recentemente numa operação antiterrorismo em Turim, foram apreendidos dezenas de armas, munição, além de artefatos nazistas e um MÍSSIL. Um verdadeiro arsenal de guerra encontrado num centro skinhead na cidade. Nessa operação, foram presos mais de 10 líderes de Ultras da Juventus, que foram acusados de formação de quadrilha, extorsão agravada, lavagem de dinheiro e violência privada. Entre os ultras da ‘’Vecchia Signora’’ atingidos estão o grupo Drughi, Tradizione-Antichi Valore, Viking, Nucleo 1985 e Quelli Di Via Filadelfia. Segundo a investigação, os líderes das ultras tinham formado uma quadrilha que chantageava o clube italiano para obter ingressos para os jogos.

(Foto: ansabrasil/IGesporte)

Se a Itália passou por um período de pós guerra na década de 1970, a Inglaterra na década de 1950 também. Os hooligans, famosos pelo seu fanatismo exagerado e por promoverem diversas brigas e até tragédias nos estádios de futebol, surgiram no final da década de 1950 num país em crise devido a guerra, tendo forte participação entre a classe operária e os jovens em geral. Desde então, confrontos entre a polícia e torcedores rivais são recorrentes na terra da rainha, tendo entre os confrontos mais famosos na época, o clássico entre os rivais Newcastle United e Millwall. Anos depois os hooligans passaram a receber influência do movimento skinhead, uma subcultura que surgiu em Londres no final dos anos 1960 entre os jovens ingleses brancos e negros de origem Jamaicana, insatisfeitos com as oportunidades econômicas e reunidos pela música (ska, reggae, rude boys, posteriormente o punk entre outros). Inicialmente, os skinheads não se baseavam na política ou em questões raciais, entretanto no final dos anos 1970, esses elementos passaram a ser fatores determinantes gerando divergências e divisões no movimento, fazendo com que o espectro político do mesmo abrangesse da extrema direita à extrema esquerda. A moda Skinhead que mais chamou atenção, devido às participações em confrontos nos estádios e sua relação com a extrema direita, adota um estilo peculiar com botas, suspensórios, cabeça raspada (obviamente), culto à virilidade, ao futebol e ao hábito de beber cerveja, além de forte influência musical do streetpunk/oi!, punk rock e hardcore punk. Além de se infiltrarem entre os hooligans, os cabeças peladas também proporcionavam diversos ataques contra imigrantes paquistaneses e asiáticos, influenciados pelo sensacionalismo xenofóbico das manchetes dos jornais ingleses na época. Nesse contexto a situação quanto ao hooliganismo se agravou na década de 1980, tendo em 1985 um estopim na tragédia de Heysel, um dos ocorridos mais tristes da história do futebol que ocorreu antes da final da Taça dos Campeões Europeus (atualmente conhecida como liga dos campeões) entre Liverpool (Inglaterra) e Juventus (Itália). Aproximadamente 40 pessoas morreram além de um número indeterminado de feridos. Os hooligans ingleses foram apontados como responsáveis pelo incidente, resultando no banimento de equipes inglesas em competições europeias num período de 5 anos.

(Foto: IGesporte)

Após o fatídico ocorrido, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a mão de ferro inglesa, tratou de lidar com o problema à sua maneira: forte repressão policial e isolamento dos hooligans. Para conter os arruaceiros, foram instaladas grades pontiagudas, eletrificadas e com arame farpado no topo. Engaiolados, os torcedores se apinhavam como se estivessem enjaulados. A situação foi se deteriorando até 1989, quando ocorreu a maior tragédia. Na semifinal da Copa da Inglaterra, uma massa de torcedores do Liverpool que tentava chegar ao estádio de Hillsborough, um dos mais modernos do país à época, foi forçando a entrada pelos portões. A superlotação, aliada à falta de sinalização, esmagou os torcedores contra a grade que separava o campo das arquibancadas. Cerca de 96 (NOVENTA E SEIS) pessoas morreram esmagadas.

(Foto: Reprodução/ESPN)

Essa tragédia fez com que em Janeiro de 1990, o magistrado Peter Murray Taylor propôs uma transformação radical no futebol inglês. “O comportamento e a segurança da multidão estão diretamente relacionados à qualidade das acomodações e instalações”, concluiu. Desde Hillsborough, trinta estádios foram construídos e centenas foram reformados. Aliada à reforma dos estádios, foi criada uma política de prevenção da violência. Em vez de tentar conter os baderneiros depois do início dos confrontos, a polícia passou a identificá-los previamente. Todos os times ingleses tiveram de instalar em seus estádios sistemas de monitoramento por câmeras. Com esse aparato, a polícia faz uma varredura virtual à procura de torcedores brigões. Assim que um hooligan é localizado, é retirado do estádio. O embate entre policiais e torcida foi substituído pelo trabalho discreto de inteligência. Há um oficial escalado para estudar o comportamento dos torcedores de cada clube profissional inglês. Ele informa à polícia a identidade daqueles potencialmente mais perigosos.

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