A importância da Democracia Corinthiana no final da Ditadura Militar

Detalhes de como efetuou-se o movimento que marcou a história do futebol brasileiro

Danilo Jordão
Mezzala
5 min readDec 15, 2020

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Foto: Divulgação/ Corinthians

Muitas pessoas que admiram o esporte bretão insistem em reforçar a separação completa entre futebol e política. Estes, contudo, não entendem que a criação e desenvolvimento do jogo passou por uma série de envolvimentos políticos, seja de cidadãos comuns, dirigentes ou governantes. No Brasil, temos vários casos que expõem o uso do futebol como mobilizador em causas de grupos desfavorecidos, e também como um processo de alienação das classes efetuados pelos mais poderosos. Desde atos progressistas, vide a luta do Vasco pela permissão de negros atuando dentro das quatro linhas, até atos repressores, como a intervenção dos militares na seleção da Copa do Mundo em 1970, podemos concluir que futebol é política. Seguindo essa perspectiva, é importantíssimo reconhecer um dos maiores movimentos de um clube na história do futebol brasileiro: a Democracia Corinthiana.

Em 1964, os militares promoveram um golpe de Estado depondo o presidente João Goulart do poder. A partir de então, práticas repressoras passaram a ser institucionalizadas, principalmente após o Ato Constitucional número 5, promulgado em 1968, que viabilizou a abertura de um período marcado por censura, torturas e assassinatos. Por parte da população, as manifestações eram tímidas, devido ao medo que assombrava todo o território brasileiro. Porém, a queda econômica após o início dos anos 70 e a pressão de muitas personalidades pela anistia de exilados e presos políticos manteve a esperança do povo por uma sociedade mais justa. Os militares não tinham mais a força que os levou a dominar o país.

Em 1982, o anseio da maioria das pessoas pela redemocratização do Brasil e o direito ao voto fez com que todos se mobilizassem, incluindo um clube de futebol. O Corinthians, time mais popular de São Paulo e segundo do país, iniciou internamente um processo igualitário em busca de expor ainda mais o quão importante era o fim da Ditadura.

Mas o que o Corinthians fez de fato? Como já disse, naquela época o brasileiro não possuía o direito de votar e, consequentemente, escolher seus representantes. A ideia do Alvinegro Paulista era que toda decisão, antes de ser concretizada, deveria exigir uma votação, de modo que todos os participantes, seja jogador, dirigente ou funcionário extracampo tenha contabilizado o direito de 1 voto. Assim, tanto o responsável pela limpeza quanto o presidente possuíam o mesmo valor na tomada de decisões para o Clube.

Os jogadores influenciaram diretamente na formação do movimento. Dentre as personalidades do elenco, Sócrates, Wladimir e Casagrande eram protagonistas tanto nos gramados quanto na hora de enfatizar a situação vivida pelo país. Desde o início de sua carreira, Sócrates entendia o tamanho da sua representatividade e lutava pelos direitos das minorias. Na hora de comemorar seus gols, levantava o braço e cerrava o punho, gesto símbolo dos “Panteras Negras", movimento criado nos Estados Unidos que combatia o racismo. Wladimir também não ficava para trás, apoiava os atos do Doutor e, até hoje, afirma que os jogadores precisam se opor a certas situações e enfrentar os problemas existentes na sociedade. O atleta ainda se tornaria o jogador que mais vestiu a camisa alvinegra, com 805 jogos disputados. Casagrande, mesmo jovem, seguia o mesmo caminho de suas inspirações. Rockeiro e um pouco rebelde, participava das ações do Timão e atualmente continua tendo uma postura perante às dificuldades do cidadão. Dependente químico, fala muito sobre a doença e se posiciona com firmeza na televisão, onde é comentarista da Rede Globo.

Sócrates, Casagrande e Wladimir foram essenciais na luta pela democracia (Foto: Divulgação)

A Democracia Corinthiana começou a ganhar força depois de uma péssima campanha no Campeonato Paulista de 1981. Vicente Matheus, presidente do clube na época, terminara seu mandato e deu lugar a Waldemar Pires. O novo dirigente colocou como gestor de futebol o sociólogo Adilson Monteiro Alves, que dialogava bastante com os jogadores sobre assuntos relacionados ao esporte e sociedade. Ele ouvia muito os representantes do elenco e concordava com a postura dos atletas que eram oposição ao regime. Assessorados por Washington Olivetto, o publicitário criou o termo Democracia Corinthiana. Assim, o Corinthians tornou-se uma grande arma política contra os militares: os dirigentes colocaram em prática a ideia de igualdade interna e iniciaram, junto dos jogadores, uma série de manifestações políticas nas partidas, como a utilização de camisetas por baixo das oficiais, com as famosas frases “Diretas Já” e “Eu quero votar para Presidente”. A torcida alvinegra comprou a ideia e, pouco depois das primeiras manifestações, estampava cartazes e faixas nos estádios apoiando a causa.

Foto: Reprodução

Com o projeto, o Timão quitou boa parte de suas dívidas e mostrou que é gigante dentro e fora de campo. Conseguiu o bicampeonato paulista (82 e 83) e chegou nas semifinais do Campeonato Brasileiro. Em 1984, o movimento viria a acabar por conta da formação do Clube dos 13, no qual seria necessário, para disputar as competições, um papel maior do presidente. Um ano depois do término do movimento, veio o Colégio Eleitoral, que finalizava o período militar no país, porém, com eleições indiretas. Em 1989, o povo votou pela primeira vez para presidente em 29 anos.

Esse é um dos grandes gols da história do Sport Club Corinthians Paulista. Sócrates e companhia mostraram que futebol e política andam lado a lado, e que o atleta precisa lutar pelo que é melhor pelo povo. “Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia”.

Obrigado, Doutor. O Brasil segue tentando, assim como boa parte dos países, seguir em pé. Na luta é que a gente se encontra.

Manifestação política em apoio ao povo mexicano: “Mexico sigue en pie” (Foto: Divulgação)

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O que veio primeiro: o sorriso ou o mundo? Na felicidade tudo se cria.