A inserção do negro no futebol brasileiro

Pedro Rosano
Mezzala
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4 min readNov 21, 2020

O 20 de novembro é marcado por ser o Dia da Consciência Negra. Muito embora ainda estejamos longe de vencer a batalha contra o racismo (inclusive no esporte), atualmente, nos clubes de futebol do Brasil, a presença de jogadores negros não só existe, como predomina. Mas para que chagássemos a esta realidade, um primeiro passo precisou acontecer.

Em 1900, apenas doze anos do fim da escravidão como atividade legal no Brasil, a Ponte Preta foi pioneira em abrir as portas para jogadores negros. Isso, porque um de seus fundadores, Miguel do Carmo, era negro, e atuava como dirigente e jogador, tornando-se o primeiro atleta profissional negro do futebol brasileiro. Outro exemplo vem do Riograndense, de Santa Maria-RS, que teve como fundador um negro, Francisco Rodrigues, pai do cantor gaúcho Lupicínio Rodrigues, que anos mais tarde compôs o hino do Grêmio.

O primeiro clube a ser campeão de torneio profissional com jogadores negros no elenco foi o Bangu-RJ, em 1911, quando venceu a Segunda Divisão do Campeonato Carioca. Um ano depois, era fundada a Associação Campo dos Goytacazes, que só aceitava jogadores negros.

A RESISTÊNCIA VASCAÍNA

Embora não tenha sido o primeiro clube do futebol nacional a admitir negros em seu elenco, o Vasco da Gama é reconhecido como instituição decisiva para a inclusão. Nos anos 1920, os clubes de destaque na elite (do futebol e econômica) carioca eram América, Botafogo, Fluminense e Flamengo. O Vasco não fazia parte do grupo e disputava a terceira divisão estadual — seu elenco era formado apenas por negros, operários e brancos de origem humildade.

Ao alcançar a Série A, em 1923, o club cruz-maltino conquistou o inédito título estadual, mas logo esbarrou em restrição impostas pelos então “quatro grandes” do Rio, que proibiam jogadores negros em seus plantéis. Negando-se a sequer enfrentar um clube que admitiam “pessoas de cor”, em 1924, América, Botafogo, Fla e Flu deixaram a Liga Metropolitana (que organizava os torneios do estado) e fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), não permitindo a filiação do Vasco sob a alegação de que o clube não tinha estádio próprio. Mas na verdade, o motivo era outro, a AMEA propôs ao Vasco mas dispensasse seus atletas negros e operários.

Campões Cariocas de 1923 / Centro de Memória / Vasco da Gama

O clube vascaíno negou a imposição e respondeu com a carta intitulada “Resposta Histórica”. Escrita pelo então presidente do clube, José Augusto Prestes, até hoje ela é vista como determinante para a aceitação do negro no futebol. Leia um trecho da carta:

“[…] quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias”.

Centro de Memória / Vasco da Gama

A recusa do Vasco estremeceu as lideranças políticas do futebol carioca, que até mantiveram a AMEA funcionando por cerca de um ano, mas com o pouco prestígio, perderam força e iniciou-se um processo de aceitação de negros e humildades, e por conseguinte, do próprio clube cruz-maltino, nas competições cariocas.

Por esses episódios, o Vasco da Gama é tido como um grande exemplo histórico de resistência ao racismo. Na atualidade, a grande maioria dos clubes do Brasil atua na luta antirracista, porém, o trabalho junto aos torcedores, incentivando a extinção de cânticos racistas e homofóbicos, e até na presença de negros entre dirigentes e treinadores, parece uma batalha distante do fim.

Neste quase um século passado, é inegável a evolução nas pautas antirracistas, mas se ainda precisamos escrever e falar sobre racismo, é porque ele ainda existe como um mal latente na sociedade. Precisa-se cada vez mais de representatividade, reconhecimento e respeito a todos os negros e negras que ajudaram e ajudam a construir e manter o Brasil.

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Pedro Rosano
Mezzala
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Jornalista diplomado pela UCS e pós-graduando em Ciência Política. Escrevo sobre futebol, política e amenidades.