A intervenção de governos autoritários em suas seleções
A união de futebol e política acontece de forma nociva na intervenção de governos no esporte
O uso do futebol como instrumento político é um fenômeno recorrente na história. Diversos governos, sejam democráticos ou autoritários, já utilizaram da grande paixão mundial para promoção dos seus projetos. Porém, esta relação tão evidente e de certa forma natural se torna muito perigosa quando ditaduras ou governos repressivos estão no poder.
Hungria de Orbán
Na Eurocopa 2020 a Hungria foi o maior exemplo de aproveitamento do palco esportivo para se obter fins políticos. O país é governado por Viktor Orbán, um aspirante a ditador de extrema direita, desde 2010 e vai passar por uma disputa eleitoral acirrada em 2022, pois uma frente ampla de esquerda e direita promete lançar candidatura única para a eleição. Assim, o primeiro-ministro aposta no futebol como forma de manter sua popularidade entre a população.
Não é por acaso que os únicos jogos da primeira fase realizados com 100% de público foram na Puskás Arena, em Budapeste. Com o estádio lotado, a torcida húngara saudou seus jogadores após os jogos contra Portugal e França numa demonstração exacerbada de nacionalismo. Além disso, teriam acontecido manifestações racistas e homofóbicas dentro e fora do estádio - a Uefa investiga os atos.
Vale lembrar ainda que, poucos dias antes do início da competição, o parlamento húngaro aprovou uma lei considerada anti-LGBTQIA+ pela cúpula da União Europeia. As manifestações no estádio reforçam como a torcida está alinhada com o governo de Orbán.
Apesar da não classificação às fases finais da Euro, é possível afirmar que o objetivo do governo foi alcançado. A seleção da Hungria estava no grupo da morte que contava com França, Alemanha e Portugal, e só perdeu um jogo, após segurar o resultado por mais de 80 minutos. Também ficou muito perto da classificação contra a Alemanha, e só foi eliminada depois de ceder o empate no fim do segundo tempo.
Essa partida contou com manifestações de apoio dos alemães à população LGBTQIA + da Hungria. Um empate com gosto de vitória para a empatia.
Itália de Mussolini
No século XX, a Europa viu a ascensão do nazifascismo. Nessa época, Itália e Alemanha se tornaram Estados autoritários que tomavam conta de vários setores da sociedade. Obviamente, num projeto de desenvolvimento nacional, os esportes não ficariam de fora, tanto que esses países foram a sede da Copa do Mundo de 1934 (Itália) e dos Jogos Olímpicos de 1936 (Alemanha).
Quando se especifica o tema ao redor do futebol, percebe-se que a Itália teve muito mais proveitos. O bicampeonato mundial conquistado em 34 e 38 serviu para Mussolini expor a ordem fascista como um modelo importante e necessário para a evolução do país. Para se ter noção da influência política nesse período, durante a Copa de 34, há suspeitas de que o próprio líder fascista escolheu os árbitros que apitariam os jogos da Azzurra.
Outro exemplo da obsessão de Mussolini com a seleção aconteceu na copa de 38. As cores da Itália são muito conhecidas: azul, branco e vermelho. Porém, a equipe jogou totalmente de preto contra a França, nas quartas de final. Isso aconteceu porque a seleção francesa também jogava de azul. Dessa forma, o governo fascista se aproveitou da situação e impôs que a equipe jogasse de preto em alusão aos camisas negras, o exército fascista.
Situação semelhante na América Latina
O futebol é o principal esporte da maioria dos países da América Latina. A região desfavorecida desde os princípios do colonialismo europeu também sofreu com governos autoritários no século XX. Essas ditaduras exploraram a paixão futebolística das massas a seu favor, principalmente no Brasil e na Argentina, que tiveram suas seleções como representação máxima dessa influência.
Brasil de 1970
O Esquadrão de 70, um dos maiores times da história do futebol, ajudou a esconder os podres da ditadura. A coroação de Pelé no México aconteceu enquanto o Brasil entrava no momento mais repressivo do período militar que durou mais de vinte anos.
No entanto, a interferência começou antes da Copa. Mesmo tendo garantido a classificação nas eliminatórias, João Saldanha, um declarado comunista, foi demitido após entrar em divergência com o ditador Médici. Outro ponto que demonstra a influência do regime é que o chefe de delegação da seleção era um militar, Gerônimo Bastos, e toda comissão técnica era composta por militares.
Depois da exaltação merecida por parte da Seleção, o governo usou a vitória para criar uma onda de euforia no país. A música tema da conquista, “Pra frente Brasil”, foi usada como propaganda do “Brasil do milagre” e embalou o sentimento ufanista do regime.
Argentina de 1978
A Copa de 1978, primeiro título mundial da Argentina, foi sediada no país durante o período mais sanguinário da ditadura. Para esconder os problemas do regime, a Junta militar limitou o trabalho da imprensa que ia cobrir o evento. Além de impedir o trabalho da imprensa livre, o governo argentino também investiu na agência Burson-Marsteller, que ajudou a difundir a “paz” do cotidiano argentino para o resto do mundo. Com esse cenário armado, só faltava o título mundial para o regime se estabelecer como algo positivo para a população argentina. Embalados pelo slogan “25 millones de argentinos, jugaremos el mundial”, a seleção comandada por Menotti conseguiu o título inédito para o país.
Por todo contexto que envolveu esse mundial, óbvio que não podia faltar uma história polêmica. Após fazer uma boa primeira fase, os argentinos sofreram para passar à final. No último jogo da segunda fase, os hermanos precisavam ganhar do Peru por uma diferença de quatro gols. O resultado da partida foi 6x0, e a Argentina foi disputar a final contra a Holanda. Algumas semanas depois, o governo argentino doou 35 mil toneladas de trigo para o Peru. Mesmo com a suspeita de fraude, nada nunca foi confirmado.