Caos no Chile envolve futebol e música

Semana é marcada por manifestações da população contra atitudes do governo

João Terra
Mezzala
4 min readOct 24, 2019

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A capital, Santiago, está paralisada pela povo (Foto: Guilherme Gandolfi)

Desde a última sexta-feira (18), quando o presidente chileno Sebastián Piñera anunciou o aumento das passagens de metrô em 30 pesos (R$ 0,17, aproximadamente), uma onda de protestos tomou as ruas da capital, Santiago. Iniciadas por estudantes, as manifestações começaram de forma pacífica. Porém, a população passou a demonstrar insatisfação não só com as tarifas do transporte, mas com o modelo neoliberal presente no Chile, e intensificou o movimento contra as atitudes do governo. Diversas linhas de metrô foram incendiadas, assim como o prédio da Enel, multinacional italiana. Atos de enorme rebeldia, para expressar o quão grave é a situação por lá.

Em resposta aos protestos da população, o governo autorizou a participação das Forças Armadas do Chile, com a justificativa de garantir a “paz social”. Como consequência lógica da atuação militar, porém, as manifestações passaram a ser reprimidas de formas desumanas, com o exército agindo diretamente contra as vontades do povo chileno. Segundo divulgado pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), já são 123 feridos por armas de fogo, 12 relatos de estupro e 18 mortos, com uma criança de quatro anos inclusa, números bastante expressivos e que retratam bem a atitude das autoridades. Além disso, o exército disparou tiros contra um jornalista da TeleSUR. Com a continuação das manifestações, Piñera, que cumpre seu segundo mandato desde março de 2018, recuou em relação ao preço das passagens, aumentou o valor do salário-mínimo e reduziu a jornada de trabalho (de 45 para 40 horas semanais) mas, mesmo assim, a maioria do povo chileno pede sua saída, em prol dos direitos de todo cidadão e da desprivatização dos setores fundamentais para a sociedade.

Faixa criticando a repressão feita pelos militares, com a frase “Piñera cheira a ditadura” (Foto: Imer Notícias)

Os acontecimentos dos últimos dias no Chile resultaram em uma greve geral na quarta-feira, inciada pelos sindicatos. Tudo parou, inclusive a principal competição nacional. A rodada desta semana da elite do Campeonato Chileno foi adiada, sem nova data, e todas as equipes cancelaram seus treinos, com exceção da Universidad Católica. A bola rolou apenas em divisões de acesso.

Outra grande preocupação relacionada ao futebol é a final da Libertadores, que está marcada para acontecer em 23 de novembro, no Estádio Nacional de Santiago. Com todo o caos presente no país, muito se discute a mudança da sede da decisão, entre River Plate e Flamengo. A CONMEBOL não cogita a alteração, mas está monitorando a situação, caso seja necessária uma troca.

Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, com capacidade para 47.000 torcedores (Foto: empesa Santiago Turismo)

Sempre que questionada a política de um país, a música tem papel fundamental no que diz respeito aos sentimentos do povo, e, no Chile, isso não é diferente. A banda local Los Prisioneros, que fez sucesso na década de 80 criticando a Ditadura Militar de Augusto Pinochet (a mais cruel da América do Sul, diga-se de passagem), é citada nas manifestações atuais, quando cantada a letra de “El baile de los que sobran”. A canção critica o falho sistema de educação, recém privatizado na época. Também como ato de resistência às autoridades chilenas, a barra brava Los de abajo, da Universidad de Chile, se manifestou xingando os militares, dizendo que a alegria do povo é uma consequência do fracasso dos de farda.

Barra brava “Los de abajo” presente nos protestos (Foto: Javier Vergara)

Alguns destacáveis jogadores da seleção chilena se manifestaram contra o governo do país. Como é o caso da melhor goleira do mundo, Cristiane Endler, e do craque Arturo Vidal, que pediram para o governo ouvir a população, dando razão aos descontentamentos. Claudio Bravo, goleiro da seleção, questionou o fato de muitos setores do país serem privatizados (água, eletricidade, gás, educação, transporte, aposentadoria, por exemplo). O capitão da La Roja, Gary Medel, enfatizou que o problema não é só com as tarifas de metrô, e sim com a dignidade do povo.

(Foto: Gary Medel/Instagram)

Outro futebolista, não muito conhecido, que se pronunciou, é Ignacio Saavedra, promessa de 20 anos da Universidad Católica. O jovem pediu voz e questionou a atitude de algumas pessoas, que criticam um atleta quando fala publicamente de um assunto não relacionado ao esporte. O meio-campista disse que vem de uma família engajada politicamente, e seu irmão participou de movimentos estudantis.

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