Crise no Valencia: entenda o desmanche da equipe

Problemas extracampo começam a interferir negativamente dentro dos gramados

João Terra
Mezzala
6 min readSep 1, 2020

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Parejo é uma das principais perdas para a próxima temporada (Foto: Goal.com)

Em toda época de janela de transferências, como a atual, é interessante acompanhar os movimentos dos clubes no mercado em busca de melhorar seus elencos, contratando e/ou se desfazendo de jogadores. É até considerado algo normal uma grande reformulação em certas equipes, com o objetivo de rejuvenescer o time ou diminuir a folha salarial. O que acontece com o Valencia, porém, é um desmanche total de uma equipe que vinha se mostrando capaz de brigar por competições europeias nos últimos anos, o que vai se desfazendo por questões extracampo.

A venda de jogadores fundamentais, como Dani Parejo e Rodrigo Moreno, é o reflexo de uma má gestão que já vinha prejudicando o clube em alguns sentidos. Desde que o investidor Peter Lim se apropriou de 70% do clube do Mestalla, diversos casos de interferência em decisões da comissão técnica estiveram presentes na realidade dos morcegos.

Essa crise, que vem sendo cada vez mais notável, não é uma situação apenas de agora, e é preciso entender todo o contexto que levou ao caos vivido nos dias de hoje.

O bilionário comprou o clube em 2014, assumindo todas as dívidas (Foto: Manuel Queimadelas Alonso)

O MELHOR VALENCIA DA DÉCADA

No clube desde 2017, Marcelino García Toral foi um dos principais responsáveis por tornar o Valencia novamente capaz de estar na parte de cima da tabela de La Liga. De uma equipe que flertava com o rebaixamento, passou a figurar nas competições europeias, graças ao excelente trabalho do treinador, sendo considerada a melhor era pós início dos anos 2000, quando o Valencia foi bicampeão nacional e conquistou a Europa League.

Entretanto, o problema era sua relação com o dono do clube. Peter Lim queria dominar todas as ações, influenciando em questões que cabem ao treinador. Marcelino não gostava nem em pouco das atitudes do empresário cingapuriano, o que deixava a relação bastante desgastada.

Ao final da temporada 18–19, após ser campeão da Copa do Rei, Marcelino foi demitido de forma surpreendente. Apesar da delicada relação com Lim, não era esperado um desligamento do treinador recém campeão e que fazia um ótimo trabalho à frente da equipe. Isso deixou toda a torcida ainda mais contra o dono do clube, e até alguns jogadores se mostraram sensibilizados com seu ex-treinador, reconhecendo a péssima atitude do magnata.

Marcelino comandou a equipe por 110 jogos, com 56 vitórias, 29 empates e 25 derrotas (Foto: farodevigo.es)

Para a última temporada, o Valencia enunciou Albert Celades como treinador da equipe. O ex-auxiliar de Julen Lopetegui na Seleção Espanhola não conseguiu manter o mesmo nível alcançado com Marcelino, vivendo pouco menos de 10 meses irregulares no comando do time.

Em La Liga, terminou apenas em nono lugar, não se classificando para nenhuma competição continental — o que o antigo treinador alcançou em suas duas temporadas no Valencia. Na Copa do Rei, parou nas quartas de final para o Granada, quando foi derrotado por 2 a 1. Foi na Champions que a equipe demonstrou algo de positivo, ficando em primeiro lugar no grupo H, também composto por Chelsea, Ajax e Lille, com 11 pontos. Porém, foi eliminada nas oitavas para a forte equipe da Atalanta.

Com uma temporada abaixo do que antes era visto, foi anunciada a demissão de Celades. Uma troca de treinador, ainda mais alguém que só comandou o time por uma temporada, quase sempre é uma boa definição do ambiente do clube, e com o Valencia não é diferente: diversos problemas fora das quatro linhas, que estão causando enormes preocupações no desempenho do time e, agora, na montagem do elenco. Além de Celades, o diretor de futebol, César Sánchez, também deixou o clube.

Em 41 jogos, Celades acumulou 16 vitórias, 11 empates e 14 derrotas (Foto: Reprodução)

O DESMANCHE NA ATUAL JANELA

Durante as últimas semanas, diversos anúncios de vendas e rescisão de contrato de jogadores do time titular foram feitos. Peter Lim até justificou as negociações com o objetivo de fazer caixa dentro do clube. O preço das vendas, porém, é muito abaixo do que cada atleta realmente vale. Como melhor exemplo disso, o jovem Ferrán Torres, de 20 anos, foi vendido ao Manchester City por apenas 23 milhões de euros. Por mais que a transferência ainda possa chegar a 35 milhões, é pouco — dentro dos padrões do mundo do futebol — para o talento e o potencial do ponta espanhol.

A principal referência do Valencia nos últimos anos, camisa 10 e capitão da equipe, também não segue no clube. Dani Parejo, meio-campista controlador e líder técnico, foi negociado a custo zero com o rival Villarreal. Parejo seguirá acompanhado pelo volante Francis Coquelin, que também será comandado por Unai Emery. O francês foi negociado por, aproximadamente, 6,5 milhões de euros, tendo mais dois milhões em bônus.

A dupla de zaga também será desfeita. Ezequiel Garay rescindiu o contrato, e muito se fala em um possível retorno ao Benfica, equipe que defendeu de 2011 até 2014. O brasileiro Gabriel Paulista tem poucas chances de seguir no clube, sendo especulado no Lyon e no próprio Villarreal, onde se destacou nas temporadas 13–14 e 14–15.

O mais recente a deixar o clube foi Rodrigo Moreno. O brasileiro naturalizado espanhol viveu ótimos momentos na Espanha, marcando 65 gols em 219 jogos. Era a principal arma ofensiva do Valencia, mas já foi anunciado pelo Leeds United, em negociação que custou 30 milhões de euros. Outros atletas que estão cotados para sair são o goleiro holandês Jasper Cillessen e o volante Geoffrey Kondogbia.

Rodrigo deixa o clube após seis temporadas vestindo a camisa do Valencia (Foto: Reprodução)

EXPECTATIVAS PARA A PRÓXIMA TEMPORADA

Javi García, ex-treinador do Watford é o novo comandante dos morcegos e terá a difícil missão de dirigir um time totalmente diferente, sem as peças fundamentais que estavam presentes no clube. O clima não é nada bom, e será complicado tentar evitar que os problemas interferiram no desempenho da em campo. Até agora, nenhum reforço foi anunciado, e, além de não ter os melhores jogadores, o novo treinador parece que terá de trabalhar com um elenco mais curto.

A verdade é que a gestão de Peter Lim está destruindo um projeto que vinha demonstrando bons frutos dentro de campo, apenas por interesse. Em um post no Instagram, Kim Lim, filha do empresário, disse que “o time é nosso e fazemos o que quisermos”. Além disso, recentemente, um antigo conselheiro do clube acusou de corrupção o dono do Valencia e o empresário português Jorge Mendes, em negócios que conspirariam contra o clube.

O ambiente já está destruído, e as reais intenções da família Lim são explícitas. Se as coisas continuarem nesse caminho, o futuro do Valencia está seriamente ameaçado, o que é triste para um clube hexacampeão nacional e um dos mais tradicionais do continente europeu.

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