Da apreensão às semifinais: a catártica campanha da Dinamarca na Euro

Com apresentações de gala, dinamarqueses chegam entre os quatro melhores da competição depois de vivenciar um turbilhão de emoções

Kaio Sauaia
Mezzala
8 min readJul 7, 2021

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Semifinalistas comemoram um de seus quatro tentos diante de Gales (Foto: Reprodução/Twitter/UEFA EURO 2020)

Segundo o filósofo grego Aristóteles, a catarse é algo que se refere a purificação das almas por meio de uma descarga emocional decorrente de um drama. Apesar das diversas etimologias que este termo tem, a definição do pensador se encaixa perfeitamente para a Dinamarca nessa EURO 2020.

Isso porque a seleção escandinava vivenciou um momento apreensivo no início do torneio e transformou tal em uma motivação a mais para chegar a semifinal da competição.

Aliás, o trauma que estes jogadores passaram com Christian Eriksen foi inimaginável. Ninguém se prepara para presenciar uma morte súbita aos seus pés em quase nenhuma profissão, ainda mais de um companheiro de time, um líder e, para muitos deste elenco, um grande amigo.

Um destes que tem fortes laços com Christian é o zagueiro e capitão Simon Kjaer, que não só colaborou nos primeiros socorros do meia, como organizou a “parede” de jogadores em torno dele. Essa atitude foi para privar o astro e prevenir quem estava no entorno de ver aquelas fortes imagens.

Jogadores cercam e rezam por Eriksen durante atendimento (Foto: WOLFGANG RATTAY / AFP / POOL)

Além disso, Kjaer também foi um dos jogadores que confortaram a esposa de Eriksen, Sabrina Kvist Jensen, que entrava em campo desesperada após ver o que acontecia com o companheiro.

Outro que tem excelente relação com o craque é o treinador da seleção Kasper Hjulmand, que, emocionado em entrevista, disse:

“Christian é um dos melhores jogadores, mas é uma pessoa ainda melhor. Foi uma noite muito difícil onde todos nos lembramos o que é o mais importante da vida. Esses aqui são relacionamentos significativos. São pessoas que temos perto de nós. É família e amigos.”

O pós-trauma

Hjulmand após a heróica classificação para as fases eliminatórias da Euro (Foto: Reprodução/BeSoccer)

Depois de presenciar toda aquela situação, veio a notícia de que Eriksen estava bem. Assim, podendo pensar em futebol novamente, Hjulmand tinha uma complicada missão: voltar os olhos dos jogadores, ainda que minimamente, para o restante da EURO. Com a derrota para a Finlândia no primeiro jogo, a recuperação tinha que ser grande nos jogos seguintes da fase de grupos.

Para isso, a federação dinamarquesa forneceu psicólogos especialistas em traumas pós-guerra para examinar e conversar com o plantel, enquanto o treinador armava uma nova formação sem sua principal referência técnica.

Desta forma, a Dinamarca ia para Copenhague jogar contra a Bélgica, a mais forte seleção do grupo, migrando de uma 4–2–3–1, para uma 3–4–3, com o zagueiro Jannik Vestergaard e o atacante Mikkel Damsgaard entrando nos lugares de Eriksen e Jonas Wind, respectivamente.

Essa mudança foi feita com o intuito de obter o máximo de qualidade na troca de passes tão valorizada pelo time sem ter um meia cerebral. Além disso, a linha de três zagueiros também possibilitava a subida dos alas Joakim Maehle e Daniel Wass, que não só seriam importantes na construção ofensiva, como também para a pressão e recomposição sem bola.

Desse jeito, os dinamarqueses foram dominantes durante os 45 minutos, quando pressionaram a debilitada saída de bola belga que, com um meio de campo sem Kevin De Bruyne, pouco acionava Lukaku, Mertens e Carrasco. Assim, saíram na frente no placar logo no início de jogo, com um passe errado do belga Denayer e uma finalização precisa do dinamarquês Poulsen.

Depois de um primeiro tempo desastroso, o treinador dos belgas, Roberto Martínez, logo lançou o astro do Manchester City em campo. Em poucos minutos, conseguiu a converter o placar a favor dos visitantes, que se seguraram diante da forte pressão nórdica até o final da partida.

Hojbjerg e De Bruyne proporcionaram um dos grandes embates da Euro (Foto: EFE/EPA/Wolfgang Rattay)

A virada de chave

Yussuf Poulsen é um dos principais jogadores na recuperação da Dinamarca na Euro (Foto: Reprodução/Telecomasia)

Vendo que o rendimento do seu time chegou a ser superior ao de uma das grandes favoritas do torneio, Hjulmand manteve a ideia de pressão para a última partida da fase de grupos. Indo para o tudo ou nada diante da Rússia, novamente em Copenhague, os dinamarqueses precisavam do resultado, mas também dependiam de uma vitória da Bélgica sobre a Finlândia.

Novamente, a equipe dinamarquesa começava com amplo domínio, encaixotando os russos no campo de defesa. Os russos, inclusive, tiveram extrema dificuldade de executar a transição para o ataque já contra a Finlândia. Agora, contra um sistema muito melhor orquestrado, a Rússia mal respirava quando tinha a bola no pé, sendo facilmente induzida ao erro.

O trio Vestergaard, Christensen e Kjaer são os responsáveis pelo ótimo sistema defensivo dinamarquês (Foto: Reprodução/OGlobo/AFP/Reuters)

Sendo forçados ao chutão, os russos tiveram de tentar acionar apenas o experiente atacante Artem Dzyuba, de 1,97m. No entanto, marcado por outros gigantes como Kjaer, Christensen e Vestergaard, o atacante russo sequer gerava perigo ao gol de Schmeichel.

Se a marcação e o trio de zaga eram sólidos, o ataque não ficava atrás. Os grandes destaques, em especial, foram Damsgaard, Braithwaite e Poulsen, que criavam espaço para eles próprios e para seus outros companheiros. Isso porque, com uma intensa movimentação, eles desnorteavam a defesa dos comandados de Cherchesov.

Consequentemente, a Dinamarca goleou a Rússia por 4x1 (sofrendo um gol decorrente de uma penalidade bem polêmica) e se classificou para a fase mata-mata na segunda colocação.

Damsgaard comemora o golaço que abriu o placar do jogo (Foto: Reuters /Wolfgang Rattay)

Nas oitavas, nada diferente. A seleção de País de Gales pouco se distinguia dos russos. Os galeses necessitavam de bola longa para o atacante Kieffer Moore e, quando optavam pela saída pelo chão, necessitavam do recuo de Gareth Bale, principal referência técnica dos galeses. Dessa forma, se isolava ainda mais o atacante do Cardiff City.

Diante desse cenário, mais uma goleada para a Dinamarca, dessa vez pelo placar de 4x0. Nessa partida, o atacante Kasper Dolberg marcou dois gols e teve uma brilhante atuação, substituindo o lesionado Yussuf Poulsen.

Kasper Dolberg foi essencial para a Dinamarca na ausência do titular Yussuf Poulsen (Foto: Reprodução/NewsIn24)

Nas quartas, o confronto não foi fácil contra a organizada e surpreendente República Tcheca, apesar de um primeiro tempo sobrando tecnicamente. A principal dificuldade dos tchecos era a linha de defesa, quase tão limitada com a bola no pé quanto as de Rússia e Gales.

A exceção em um setor defensivo regular era o lateral-direito Vladimír Coufal, crucial na formatação do técnico Jaroslav Silhavý. Além de ser a válvula de escape dos tchecos na pressão feita pelo ataque dinamarquês, Coufal também foi a principal arma ofensiva nos cruzamentos para a meta escandinava.

Vydra e Kjaer em confronto entre República Tcheca e Dinamarca pelas quartas da Euro 2020 (Foto: Pool via REUTERS/Valentyn Ogirenko)

Com tudo isso, o segundo tempo da Dinamarca foi bem mais fraco do que o primeiro, com a República Tcheca diminuindo o placar com Patrik Schick, que fez o seu quinto gol no torneio — um dos artilheiros da competição.

Depois do tento que colocava em risco a classificação dinamarquesa para as semifinais, as tão perigosas bolas aéreas da República Tcheca foram completamente neutralizadas pelo poderoso trio de zaga dinamarquês, que, mais uma vez, foi de suma importância para a vitória.

Dolberg fez o segundo gol dinamarquês contra os tchecos (Foto: EFE/EPA/Wolfgang Rattay)

O duelo contra os ingleses

Harry Kane e Kasper Dolberg são as principais armas ofensivas de Inglaterra e Dinamarca para as semifinais da Euro 2020 (Foto: Reprodução/INews/Getty Images)

Poderíamos dizer que a Inglaterra era uma franca favorita para bater a Dinamarca na semifinal desta EURO 2020. Porém, com a campanha dinamarquesa de solidez no estilo de jogo faz com que o confronto seja bem mais equilibrado.

Apesar disso, será importante reparar em como funcionará a marca registrada dos daneses: a pressão sem bola. Muito disso se deve pelo fato da linha de defesa da Inglaterra ser bem mais capacitada do que as linhas da Rússia, País de Gales e República Tcheca.

Raheem Sterling e Jack Grealish estão em ótima fase com Southgate (Foto: Reprodução/GOAL/Getty Images)

Outro fator determinante da equipe inglesa é a transição ofensiva, que é uma das mais fatais de toda a competição. Com ótimas opções de jogadores como Jadon Sancho, Raheem Sterling, Jack Grealish, Marcus Rashford e Phil Foden, o treinador Gareth Southgate tem boas armas para explorar os espaços deixados pelos alas de Hjulmand.

Um dos grandes atrativos para essa semifinal é o embate entre o poderoso ataque dinamarquês contra a forte defesa britânica. A seleção da Dinamarca, até o momento, é a segunda equipe com mais gols na competição, com onze gols em cinco partidas. Do outro lado, a Inglaterra de Southgate sequer foi vazada nas cinco partidas disputadas no campeonato.

Atrás apenas dos doze gols da seleção da Espanha, a Dinamarca é um dos melhores ataques da Euro (Foto: Reprodução/ePrimeFeed)

Com esse duelo, a Inglaterra será a primeira grande seleção que os comandados de Kasper Hjulmand enfrentarão na fase eliminatória, o que pode ser um risco alto para o tão almejado título.

Com todo esse retrospecto favorável e momentos de superação na competição, essa atual seleção da Dinamarca já é tão marcante quanto a equipe da Euro de 92. Naquela oportunidade, Brian Laudrup & cia conquistaram o título.

Além de ser um orgulho não só para toda a torcida local, a equipe de Hjulmand também é um grande orgulho para o craque Christian Eriksen, que vê seus companheiros lutando jogo a jogo pelo país e, principalmente, por ele.

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