De união Brasil-Portugal: o que esperar de Ricardo Sá Pinto no Vasco

Após a demissão de Ramon Menezes, o treinador português chega para comandar o clube da Colina

Luan Fontes
Mezzala
8 min readOct 20, 2020

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Foto: Twitter/ Vasco da Gama

Após seis décadas, o Vasco volta a contar com um estrangeiro no comando do time principal. Na última quarta-feira, o Vasco anunciou a contratação do treinador português Ricardo Sá Pinto. O técnico de 48 anos de idade chega ao clube com contrato até o fim do Brasileirão e chega para ocupar o cargo deixado por Ramon Menezes, que foi demitido do clube após uma derrota por 3 a 0 para o Bahia. Sá Pinto não dirige uma equipe desde o ano passado, quando foi demitido do Braga, e disse estar muito honrado com a oportunidade de treinar o Vasco. Em um vídeo divulgado pelo clube nas redes sociais, Ricardo Sá Pinto se apresentou aos torcedores vestindo uma camisa do Vasco com o nome de Romário e lembrou do ex-jogador e sua relação com o clube.

TRAJETÓRIA

Como jogador, Sá Pinto passou por clubes como Sporting, Standard Liege e Real Sociedad e teve mais de 50 atuações pela seleção de Portugal. Quando defendia o Sporting, o ex-meia foi apelidado de “Coração de Leão” por sua entrega e raça dentro de campo.

Como treinador, Ricardo tem sete anos de carreira e apenas um título em seu currículo que foram a Copa da Bélgica em 2018 com o Standard de Liege. Sá Pinto nunca teve passagens tão longevas em sua carreira. Sua passagem mais duradoura foi pelo Standard de Liége, quando ficou 364 dias no cargo.

Trajetória completa como treinador:

Legenda: V: vitórias, E: empate, D: derrotas

Sporting(2012–2013): 30 jogos 15V 7E 8D

Estrela Vermelha(SER) (2013): 11 jogos 8V 0E 3D

Creta(GRE)(2013–2014): 34 jogos 15V 7E 12D

Atromitos (GRE) (2014–2015): 19 jogos 5V 4E 5D

Belenenses SAD (2015): 26 jogos 8V 8E 10D

AL Fateh(Arábia Saudita) (2016): 5 jogos 1V 1E 3D

Atromitos(GRE) (2017): 13 jogos 5V 2E 6D

Standard Liége(BEL) (2017–2018): 42 jogos 20V 13E 9D

Legia Varsóvia(POL) (2018): 28 jogos 16V 6E 6D

Braga (2019): 30 jogos 18V 5E 7D

UM PAVIO PRA LÁ DE CURTO

Sá Pinto é conhecido por não ser um cara muito paciente e não gostar nem um pouco que mandem no seu trabalho. Se seu estilo de jogo é intenso dentro de campo, o seu jeito de ser na área técnica não é muito diferente. Por ser muito exigente, Sá Pinto não costuma deixar broncas para o dia seguinte, quando um jogador não atende às suas ordens, a paciência costuma ir embora. Quando era diretor do Sporting, Sá Pinto ficou tão revoltado como atacante Liédson- com quem já brigou em seus tempos de jogador-, que literalmente bateu nele. Na Bélgica, quando treinava o Standard de Liége, Sá Pinto agrediu o treinador do Anderlecht. Parece que vai dar para ouvir muita bronca do trenador novo, a partir dos próximos jogos.

TÁTICAS

O estilo de jogo das equipes de Sá Pinto costuma ser extremamente ofensivo e intenso.. O treinador gosta de uma equipe que jogue os 90 minutos com o pé no acelerador e cobra muita entrega de seus atletas. Geralmente o esquema usado nas equipes do treinador lusitano é o 4–2–3–1, com o centroavante recuando para fazer a função de pivô, dois meias agudos e um centralizado, dois volantes centralizados para dar sustentação e os dois laterais bem abertos.

Braga de Ricardo Sá Pinto montado em um 4–2–3–1 (Foto: Luan Fontes via TacticalPad)

A saída de bola é costumeiramente feita dos zagueiros para os volantes, e depois o jogo é aberto para os laterais, o que muda muita coisa com relação ao que o Vasco fazia sob o comando de Ramon, visto que com o antecessor de Sá Pinto, um volante recuava para começar a transição no campo de defesa e quem dava amplitude pelos flancos do campo eram os pontas que ficavam muito abertos para segurar a defesa e abrir espaços por dentro para a aproximação dos meias centrais para finalizar ou tentar um passe vertical. No esquema de Ricardo Sá Pinto, os meias externos, ou pontas, cortam para dentro, ocupando a zona central do campo. Assim, estes pontas que viram meias de criação têm muito mais liberdade para flutuar pelo meio por trás do centroavante.

O Braga de Sá Pinto explorava muito o jogo aéreo e contava com Paulinho, que era um centroavante alto, mas não era um time que necessariamente ia até a linha de fundo, visto que por apoiarem bem, os laterais chegavam na intermediária e cruzavam mais para dentro da área. e os três meias da linha de meias-armadores chegavam em bloco na área para dar opção de cruzamento e suporte ao centroavante. Desta forma, o esquema ofensivo pode variar de um 4–2–3–1 para um 4–2–4 ou até mesmo um 2–4–4, com os laterais virando meias e os três meias de criação virando atacantes junto com o centroavante e os laterais virando meias, atuando ao lado do volante. Assim, podemos esperar que o time ataque muito pelas laterais.

Laterais circulados em preto, jogando abertos e meias circulados em amarelo, jogando por dentro, flutuando por trás dos centroavantes (Foto: Luan Fontes/Mezzala)

Porém, para que este jogo pelas laterais dê certo, o Vasco precisa de bons cruzadores. Pela lateral direita, Cayo Tenório até tem um pouco mais de qualidade do que Yago Pikachu neste fundamento, mas pela esquerda, Henrique não tem tanta qualidade no cruzamento e pode ser que o reserva Neto Borges ganhe a posição. Vale lembrar que os dois laterais reservas(Tenório e Neto Borges) possuem uma média mais alta de cruzamento do que os dois laterais titulares (Pikachu e Henrique).

Provável formação do Vasco com Ricardo Sá Pinto (Foto: Luan Fontes via TacticalPad)

Outro ponto que gera dúvida sobre o jogo pelas laterais que culmina em cruzamentos, é a baixa estatura do centroavante Germán Cano que é um ótimo finalizador que se movimenta e ataca bem a última linha, mas por não ser tão alto, não tem o jogo aéreo como ponto forte. Pode ser que Talles Magno que é um jogador mais alto leve vantagem nisso. Talvez possamos imaginar que ao compor a linha de três meias que chega na área, Talles pode atacar vindo de trás.

Defensivamente, talvez a característica mais forte e notável dos times de Sá Pinto é a pressão após a perda da posse de bola, o famigerado “perde-pressiona”. Não que os times de Sá Pinto se defendam exclusivamente em linha alta, porém sempre quando perde a posse da bola, o time responde de forma rápida e pressiona, colocando muitos jogadores em cima do portador da bola, para não dar espaço para que ele saia jogando, ou até mesmo para roubar a bola e sair para o ataque em velocidade. O Braga fez isso muitas vezes na temporada passada, não para tanto que entre os 10 jogadores com mais desarmes da Liga Portuguesa da última temporada, 3 são do Braga.

Braga fazendo marcação pressão com três jogadores em cima do portador da bola (Foto: Luan Fontes)

Caso pressione e não consiga roubar a bola, o time se fecha em um 4–4-2, no qual o meia-armador se aproxima do atacante para pressionar na frente ou em um 4–5–1, mas também depende muito de como o adversário joga. Os meias externos da linha de três meias se encarregam de fechar o espaço nas pontas e tentem uma recuperação rápida para contra-atacar em velocidade.

Braga se defendendo em um 4–4–2 em linha, fechando muito bem no meio (Foto :Luan Fontes/Mezzala)

Ainda há dúvidas sobre possível comportamento ofensivo e defensivo do Vasco. Como vimos, o Braga de Sá Pinto jogava muito pelas laterais, contando com cruzamentos da intermediária e acabou que a equipe foi muito dependente deste tipo de jogada. Dos 17 gols que o Braga fez sob seu comando na Liga NOS, 8 foram oriundos desse tipo de jogada e o time não foi efetivo quando jogava pelo meio. Não à toa que o Braga teve uma média de gols baixa na liga e após a saída de Sá Pinto, o time que tinha o oitavo melhor ataque passou a ter o terceiro melhor ataque da liga. Os problemas defensivos do Braga eram vistos na recomposição, visto que por começar fazendo uma pressão alta, o Braga sofria muitos gols de contra-ataque rápido em cima dos espaços gerados pela desordem na recomposição. No Vasco o problema defensivo que pode ser percebido na zaga que também é composta por jogadores que não são altos.

Assim, podemos ter uma ideia de um time ofensivo com e sem a bola, que prioriza uma posse de bola agressiva, que prioriza uma saída com passe curto sem precisar do recuo de um volante, e que é sobretudo intenso, sem deixar o jogo parar em nenhum instante. Se as características que analisamos, serão vistas no time, não sabemos, nos basta ver o que acontecerá quando Sá Pinto assumir o comando.

OS DESAFIOS DE RICARDO SÁ PINTO NO VASCO

Não serão poucos os problemas que Ricardo Sá Pinto terá no clube da colina. O treinador português afirmou não ter conhecimento das dificuldades financeiras pelas quais o clube da Barreira passa, o que já é um problema de anos. Sá Pinto esteve presente no último jogo do Vasco contra o Inter no Beira-Rio e o que se viu foi uma série de problemas de organização, postura, qualidade técnica e físicos. Especialmente no primeiro tempo, o Vasco se encontrava sonolento, com pouco gás e submisso, deixando o Inter ter 80% de posse de bola na etapa inicial, fora a desorganização defensiva. Quando o Vasco conseguiu dominar o jogo em um raro momento, se desorganizou na compactação defensiva, o que culminou nos dois gols da vitória do Inter. Na etapa complementar o Inter decidiu se recuar um pouco mais e o Vasco saiu mais pro jogo, dominando o segundo tempo, mas sem marcar gols.

Outro ponto a ser observado e desafiador para Pinto é que sobram pontas e faltam meias de qualidade na construção por dentro. Para um treinador habituado a usar o 4–2–3–1 como esquema tático, um meio-campo de qualidade é muito importante. Pelo menos, para resolver tal problema, o Vasco contratou o volante argentino Leonardo Gil, volante de características defensivas, especialista em bola parada que pode chegar para ocupar a posição de Felipe Bastos, como um volante defensivo e agregar em um setor que carece de jogadores regulares.

Hoje o Vasco carece em muitas coisas dentro das quatro linhas: elenco, qualidade, organização confiança etc.

Pelo visto, não serão poucos os problemas que o comandante lusitano terá para resolver no clube luso-brasileiro.

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Apenas um rapaz sul-americano que sonha em ser jornalista esportivo, quem sabe, narrador