Fla-Flu das diretas: quando a democracia vem das arquibancadas

Em meio a busca por eleições diretas, os torcedores de Flamengo e Fluminense fizeram suas manifestações no Maracanã

Rafael Bizarelo
Mezzala
4 min readOct 20, 2019

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Gol de Assis, camisa 10 do Fluminense, contra o Flamengo no Campeonato Carioca de 1984

Em 1984, o Brasil vivia os últimos dias da ditadura civil-militar que estava em vigor desde 1964. Os protestos pedindo eleições diretas para presidente haviam atraído 1,5 milhão de pessoas em São Paulo no dia 16 de abril e 1 milhão no Rio de Janeiro no dia 10 do mesmo mês. Mesmo sendo comandado pelo general João Batista Figueiredo, o Brasil vivia um lento processo de redemocratização, e tinha dois civis na campanha para presidente pela primeira vez desde 1960, quando Jânio Quadros foi eleito.

Os candidatos eram Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, e Tancredo Neves, que havia sido primeiro ministro do Brasil antes do golpe militar. Maluf foi vinculado ao partido criado para dar sustentabilidade política aos militares, a Aliança Renovadora Nacional, e era o nome que o governo militar apoiava. Tancredo, que representava a oposição aos ditadores, era apoiado pela Aliança Democrática e pela população que queria o fim do regime ditatorial.

O ano de 1984 foi marcado também pelo terceiro título brasileiro do Fluminense, quando 4 dias após a vitória por 1–0 com gol de Romerito contra o Vasco, os rivais fizeram o segundo jogo sem gols diante de 128.791 torcedores no Maracanã, para o delírio dos torcedores tricolores. O presidente da época, o general João Batista Figueiredo, era torcedor do Fluminense, e havia se aproximado do preparador físico Nazareno Tavares, que havia participado do processo de recuperação de um enfarto sofrido pelo ex-presidente em 1983. Figueiredo foi quem indicou Nazareno para trabalhar no Fluminense, e uma semana antes de um Fla-Flu que decidiria a Taça Guanabara de 1984, alguns jogadores do Fluminense viajaram para Brasília com o intuito de presentear o presidente. Nazareno influenciava no vestiário com uma forte campanha a favor de Paulo Maluf, e levou os jogadores que estavam na capital para visitar o candidato.

O Flamengo era da ala de Tancredo. Márcio Braga, presidente icônico do rubro-negro que chegou a ser secretário de Leonel Brizola e filiado ao PDT, fez campanha para Tancredo Neves e ajudou no crescimento da FlaDiretas, torcida criada por jovens estudantes ligados ao Partido Comunista Brasileiro, entre eles, Claudio Manoel e Bussunda, ambos humoristas do Casseta e Planeta, além de Henrique Brandão, que participou das gestões de Luís Augusto Veloso e de Patrícia Amorim.

Faixa de protesto da torcida rubro-negra (Foto: Veja Rio)

O domingo do Fla-Flu foi marcado por fortes protestos nas arquibancadas, onde os torcedores do Flamengo levantavam a faixa “O Fla não malufa” e os tricolores protestavam contra a atitude dos jogadores com as faixas “Maluf é corrupção, Tancredo é a solução” e “O Flu não vai malufar, diretas já!”. O clima estava instável para os tricolores, o que, segundo o treinador Luis Henrique de Menzes e o supervisor tricolor Newton Grauna, facilitou para que Adílio cabeceasse para marcar o gol da vitória do Flamengo na Taça Guanabara de 1984.

Protesto dos torcedores do Fluminense contra Maluf e a atitude dos jogadores (Foto: Folhapress)

O Fluminense conseguiu se reerguer após a derrota para o Flamengo e fez um ano mágico, conquistando o título do Campeonato Carioca em uma vitória por 1–0, também com gol de cabeça, mas dessa vez de Assis, em outro Fla-Flu. No ano seguinte, os tricolores venceram o estadual mais uma vez para completar o tricampeonato. Tancredo, candidato da população, foi eleito indiretamente, mas faleceu antes de tomar posse, deixando o cargo de presidente para seu vice, José Sarney.

Nazareno Tavares foi quem teve o destino mais curioso, já que articulou com o tráfico para que o ex-governador do Rio, Moreira Franco, fizesse campanha em áreas dominadas por traficantes.

Nazareno foi assassinado em 1997 depois de ser preso armado e dirigindo, além de fazer parte do sequestro de Roberto Medina.

Em dia de Fla-Flu, é importante lembrar da importância e do tamanho desse clássico tão charmoso e fundamental para o Rio de Janeiro. O papel das torcidas nesse 20 de setembro de 1984 mostrou como a manifestação dos torcedores em um estádio de futebol é importante, até mesmo para escolher o futuro presidente do país.

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