Gazprom e a influência do governo russo no futebol europeu

Companhia de gás russo age no futebol de acordo com os interesses do governo

Rafael Bizarelo
Mezzala
7 min readOct 25, 2019

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Joseph Blatter, ex-presidente da FIFA e Alexey Miller, presidente do Comitê de Gestão da Gazprom, acompanhados pelo presidente russo, Vladimir Putin, e pelo ex-ministro russo dos esportes, Vitaly Mutko, fecham acordo para tornar a empresa uma parceira da FIFA. (Foto: Gazprom/Reprodução)

A presença de empresas no futebol se torna cada vez mais comum, mas a atuação da Gazprom no esporte é incrível, principalmente por envolver diretamente os interesses do governo russo com o futebol. A empresa foi fundada em 1989, ainda em regime soviético, quando o país passava pela diminuição do controle estatal sobre as empresas. Assim, o Ministério da Indústria, comandado por Viktor Chernomyrdin, foi dissolvido e transformado na Gazprom.

Com a queda da União Soviética, a Gazprom se tornou uma empresa privatizada. Boris Yeltzin, presidente da Rússia, apontou Chernomyrdin, que havia se tornado presidente da empresa, como seu primeiro-ministro, aumentando a influência da Gazprom no governo russo.

A chegada de Vladimir Putin ao poder funcionou para o governo russo ganhar poder sobre os oligarcas e para aumentar a sua influência em grandes companhias, focando na exportação do petróleo e do gás. Além disso, Putin mudou o comando da Gazprom, colocando Alexey Miller, que trabalhou com o presidente russo em São Petesburgo, e Dmitri Medvedev, que foi presidente da Rússia de 2008 até 2012 e é o atual primeiro-ministro do país. A estatização da Gazprom chegou aos 50,2% das ações da empresa, valor que corresponde ao controle de 17% das reservas mundiais de gás natural e 72% das reservas russas.

Zenit

Claudio Marchisio celebra um gol pelo Zenit (Foto: Fox Sports Itália)

São várias as empresas subsidiárias e afiliadas que a Gazprom, o que fez com que começasse o investimento em esportes, passando por vôlei, ginástica, hóquei e boxe até chegar no futebol em 2005, quando a empresa comprou a maior parte das ações do Zenit e investiu mais de 100 milhões de dólares na compra de jogadores e na construção de seu estádio, a Gazprom Arena.

Sob comando da Gazprom, o Zenit conquistou quatro dos seus cinco títulos da Primeira Liga Russa, duas Copas da Rússia, a Europa League 2007–2008 e a Supercopa da UEFA de 2008.

O título da Europa League mostrou o sucesso do investimento da Gazprom no Zenit, e o jogo que marcou a campanha do time russo na Europa League foi a goleada por 4–0 contra o Bayern de Munique, que contava com jogadores como Oliver Kahn, Lúcio, Ribery, Lahm e Klose. O Zenit continuava a surpreender, ainda mais quando derrotoui o Manchester United, campeão da Champions League, por 2–1 na Supercopa da UEFA da temporada seguinte.

Os investimentos no Zenit foram enormes. O clube russo é figura constante na Champions League, mas um dos maiores marcos da gestão da Gazprom no clube é a construção da Gazprom Arena, sede da Copa das Confederações de 2017 e da Copa do Mundo de 2018 chegou aos 597 milhões de euros, fazendo o clube sair do Petrovsky Stadium. Os altos custos da obra esbarram nas suspeitas de corrupção e na relação da companhia com as entidades máximas do futebol europeu e mundial, a UEFA e a FIFA, já que a Gazprom é parceira oficial de ambas as entidades.

O encontro de Zenit e FC Orenburg pela Primeira Liga Russa em setembro de 2018 marcou não só a estreia de Claudio Marchisio pelo gigante russo, mas também uma possível quebra de regra da UEFA. O FC Orenburg, antes FC Gazovik Orenburg, era comandado por uma companhia subsidiária da Gazprom, e segundo a regra da UEFA, dois clubes comandados pela mesma empresa não podem disputar a mesma divisão. O Orenburg alegou que era comandado não pela Gazprom, e sim por uma subsidiária, mudando de nome mesmo assim, mas liberado para jogar a Primeira Liga Russa.

Schalke 04

Patrocínio da Gazprom na camisa do Schalke 04 (Foto: Reprodução)

O patrocínio da Gazprom no Schalke 04 ultrapassa o futebol, e adiciona o interesse da empresa e do governo russo na Alemanha. A busca por uma imagem saudável em terras germânicas é interessante para os russos por conta da alta dependência do fornecimento de gás russo por parte dos alemães.

O gasoduto Nord Stream, que liga Vyborg, cidade russa próxima à fronteira com a Finlândia, à Greifswald, cidade localizada no nordeste alemão, é responsável pelo transporte de gás da Rússia para a Alemanha. Para dobrar o consumo da Alemanha, que comprou 53 bilhões de metros cúbicos do combustível russo, foi criado o projeto Nord Stream 2, que sairia da Baía de Narva, na Rússia, para a Alemanha.

A única acionista do projeto é a Gazprom, que deve gastar 9,5 bilhões de euros no gasoduto, metade do valor total, que será dividido entre Engie, OMV, Royal Dutch Shell, Uniper e Wintershall.

Mapa que mostra os gasodutos na Europa (Foto: Deutsche Welle)

O projeto do gasoduto enfrenta repressão de países da União Europeia e dos Estados Unidos.

Os europeus são contra o gasoduto pois geraria uma facilidade para o governo russo trancar o fornecimento de gás para os países do Leste Europeu, o que prejudicaria a economia e toda a população das nações. Além do mais, ambientalistas afirmam que o gasoduto é nocivo para a flora e fauna nos países bálticos.

As críticas dos Estados Unidos são direcionadas ao fato da Alemanha dar dinheiro aos russos. O presidente americano Donald Trump disse que “não deveria ser permitido que a Alemanha fizesse isso. A Alemanha está sendo completamente controlada pela Rússia. Isso é algo inadmissível”, mostrando sua posição contrária ao projeto, que já foi iniciado e deve ser finalizado em 2020.

Protesto do Greenpeace contra a exploração da Gazprom no Ártico em partida entre Schalke 04 e FC Basel, válida pela UEFA Champions League da temporada 13–14.

O próprio Schalke 04, porém, venceu apenas a Copa da Alemanha na temporada 2010–2011. As taças não chegaram na Veltins-Arena muito por conta da máquina montada pelo Bayern de Munique, que montou uma hegemonia na Alemanha, e deixando o Borussia Dortmund, maior rival do Schalke, como segundo lugar do país.

Estrela Vermelha

Milan Pavko celebra com patrocínio da Gazprom estampado na camisa do Estrela Vermelha (Foto: AFP)

O poder do gás russo também é grande no Leste Europeu. Mais uma vez, a Gazprom busca que a população tenha uma visão positiva da empresa, e para isso, patrocina o gigante sérvio Estrela Vermelha.

Na Sérvia, a Gastrans, empresa subsidiária da Gazprom, começou o projeto de construir o TurkStream, que forneceria gás tanto para os europeus quanto para a Turquia. Porém, as regras anti-monopólio da União Europeia proibiram que a Gazprom operasse os gasodutos, fazendo com que ela procurasse alternativas em potencial com operadores europeus.

O projeto do South Stream Lite, em rosa na imagem, foi iniciado com o alto interesse da Bulgartransgaz e a Sérvia Gastrans. Em maio de 2019, a Sérvia começou a construção do TurkStream da Bulgária até a Hungria.

sProjeto do TurkStream (Foto: Bruegel)

O investimento no Estrela Vermelha começou em 2010, quando o clube tinha dívidas próximas ao valor de 25 milhões de dólares. Hoje, o clube vencedor da Champions League na temporada 1990–1991, voltou a ser frequente na competição europeia, e isso se deve muito ao dinheiro investido pela Gazprom.

Chelsea

Roman Abramovich, russo proprietário do Chelsea, celebra o título da Premier League 2004–2005 (Foto: Reprodução)

O acordo entre o Chelsea e a Gazprom foi o mais insignificante em termos de futebol, tanto que ocorreu apenas para contornar o Fair Play Financeiro com objetivo de acumular parceiros de publicidade para o clube.

O elo entre a empresa e o clube inglês é o dono do Chelsea: Roman Abramovich, oligarca russo com poder político e financeiro em seu país. Foi o magnata russo que fez a equipe mudar de patamar em seu país e na Europa. Foi então que, com 201 milhões de euros, Abramovich comprou o Chelsea de Ken Bates, seu antigo proprietário. Nas duas primeiras temporadas no clube, o russo gastou mais de 305 milhões em contratações.

No ano de 2005, Abramovich vendeu as ações de sua empresa de petróleo, a Sibneft, para a Gazprom por um valor de 13 bilhões de euros, o que se tornou a maior aquisição corporativa da Rússia. Oficialmente, essa é a única conexão entre o empresário e a companhia, mas existem rumores de que existe uma relação que originou o acordo entre Chelsea e Gazprom.

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