La Verguenza Blanca

A polêmica que se esconde atrás da gloriosa história Merengue

Jorge Alexandre
Mezzala
8 min readApr 3, 2020

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(Imagem: Reprodução)

Ao contrário do que muitos pensam o futebol está longe de ser somente um esporte aonde 22 pessoas correm atrás da bola. Podemos afirmar isso pelos sentimentos que o envolvem ou pelas proporções que ele pode causar num país. Com isso o esporte se torna de grande interesse para alguns políticos, que desejam usa-lo como uma forma de promoção de seus governos, ou seja, transformando-o num grande fantoche. Sendo assim, ao longo do século XX diversas ditaduras manipularam a paixão de uma população para promover uma imagem fantasiosa de um país forte e unido.

Nós, brasileiros, pudemos ver isso de perto durante o regime militar do presidente (Emílio Garrastazu) Médici, quando a seleção brasileira goleou a Itália (4x1) na final da copa de 1970. Após o feito, Médici que já se apresentava como um ‘’homem do povo’’ e ‘’apaixonado por futebol’’, explorou continuamente a seleção através dos meios de comunicação com slogans do tipo: ‘’Ninguém segura este país’’ ou ‘’Brasil; ame-o ou deixo-o’’.

(Imagem: pipocamoderna.com)

No caso de outros países, os governos usaram clubes nacionais ao invés da seleção para se auto promoverem, à exemplo do Cobreloa no Chile, nos anos 1980 durante a Ditadura de Pinochet e o Real Madrid, entre os anos 1950 e 1960, durante a Ditadura Franquista. No caso dos Merengues houve uma grande ascensão do clube durante o regime de Francisco Franco, aonde o clube acumulou incríveis seis Ligas dos Campeões, sendo cinco delas seguidas e 14 campeonatos nacionais, além da construção do grandioso Santiago Bernabéu (1947), logo após a Guerra Civil Espanhola (1936–1939) num período em que o clube não passava por um bom momento financeiramente.

Durante muitos anos se levantou a hipótese do Real Madrid ter sido beneficiado pelo regime franquista, principalmente por parte dos torcedores do rival Barcelona. Para muitos a ascensão repentina dos “Blancos” precisamente durante os anos de ditadura não podia ser mera coincidência. Porém de nada adiantava a polêmica sem provas ou dados suficientes para acusar o clube de Madrid. No entanto, esta discussão ganhou novos capítulos após o documentário feito pelo cineasta Catalão Carles Torras, ‘’El Madrid Real: La llenda negra de la gloria blanca’’.

Antes de sintoniza-los sobre o documentário, vale contextualizar sobre o momento histórico em que a Espanha passava e quais fatores intensificaram o conflito tanto na política quanto no futebol nacional. Em 17 de julho de 1936 começava a Guerra Civil no país que durou um pouco mais de três anos e causou mais de 300 mil mortes, terminando em abril de 1939. Logo no início do combate, no dia 6 de agosto, morria assassinado por tropas Franquistas Josep Sunyol, presidente do FC Barcelona. Segundo Xavier Bosch, locutor da Rádio Cataluña, Sunyol levava uma bandeira da Catalunha num carro junto a três pessoas enquanto passavam pela Serra de Guadarrama, em Madrid. Durante a viagem, avistaram tropas no meio da estrada e pensaram que estavam em zona republicana. Josep gritou ‘’Viva a República!’’ para os soldados sendo que, na realidade, estavam em zona Franquista. Os quatro indivíduos foram brutalmente assassinados fazendo com que a briga entre a Espanha de Franco e a Catalunha fervesse.

Sunyol (Imagem: fcbarcelona.com)

Entre 1938 e 1939 as tropas do general conseguiram capturar grande parte da Catalunha, além de já terem controle sob quase todo o território. Depois de ocupar Madrid e Barcelona sem resistência, Franco declarou vitória e assumiu o poder ficando lá por mais de 30 anos. Após a guerra a situação dos separatistas se encontrava da seguinte forma: Fugir (milhares foram para campos de refúgio no sul da França) ou passar a vida sendo perseguidos pelas tropas Franquistas. Enquanto isso no futebol, as duas potências da época eram Barcelona (Catalunha) e Atlético de Bilbao (País Basco), ambos de regiões que se opuseram a Franco. Para o governo que ainda não tinha total controle da Espanha, não era nada bom ver as potências do principal esporte nacional serem de regiões que, afinal de contas, não queriam fazer parte do país. Sendo assim o Ditador viu no Real Madrid uma possibilidade de disseminar uma ideia de ‘’uma nação unida e fortalecida’’.

Francisco Franco ao lado de Adolf Hitler e o Real Madrid dos anos 40. (Imagens: Marca e History Channel)

No documentário de Torras acredita-se que o ditador espanhol deu três ‘’ajudinhas’’ ao clube madrilenho. A primeira delas foi a construção de um estádio de grande porte, todavia, com apoio dos cofres públicos aos merengues.’’El Chamartín’’ foi construído em menos de três anos, mesmo que o país ainda estivesse destroçado economicamente após a guerra e, alguns anos depois, veio a se chamar Santiago Bernabéu em homenagem ao presidente que teria tornado isso possível e impulsionado o Madrid à grandes glórias.

O que pouco se comenta é que Santiago foi jogador dos blancos e soldado de Franco durante a guerra civil, participando da tomada da Catalunha em 1939 declarando ao jornalista Julían García Candau que, para ele, foi participar de uma reconquista para a Espanha. Anos depois, em 1969 no Diari La Verdad de Murcia, Bernabéu deu a seguinte declaração: ‘’No están en lo cierto quienes dicen que no quiero la Cataluña. La quiero y la admiro, apesar de los catalanes’’(Não estão certos os que dizem que não quero a Catalunha. A quero e a admiro, apesar dos catalães). Com este pensamento nacionalista e mostrando pouquíssimo apreço aos catalães, o presidente madridista era totalmente dedicado ao clube merengue e até hoje é lembrado pelo clube no memorial localizado dentro do estádio que carrega o seu nome.

El Chamartín e Santiago Bernabéu — imagens: realmadrid.com

O segundo ‘’empurrão’’ que o governo franquista teria dado aos madridistas foi uma contratação de peso, pois, se o clube queria atingir um alto patamar no continente europeu precisava de uma equipe extremamente forte e competitiva. Com isso Franco teria ajudado ao Real a contratar Di Stefano, jogador argentino que viria a ser para muitos, o maior da história merengue. Antes de jogar pelos Blancos, ‘’El Gráfico’’ jogou pelo River Plate (Argentina) e Millonarios (Colômbia), clubes que detinham os direitos do jogador até então. O Barcelona que também manifestou interesse na contratação, negociou diretamente com o clube formador do jogador (River Plate), enquanto que o Real por sua vez negociou com os colombianos, atual clube de Di Stefano. Com o impasse nas negociações tendo dois rivais interessados no futebolista, o delegado nacional de deportes do país interveio nas conversações e ditou uma ordem em que não se poderia mais inscrever jogadores estrangeiros nos clubes espanhóis.

A decisão obviamente não agradou nenhum dos clubes e o Madrid pressionou o delegado, que também era general e herói do exército Franquista, para ter um acordo mais favorável a seus interesses, retificando a decisão. Com isso, a justiça espanhola decidiu que o jogador alternasse num período de quatro anos entre Real Madrid e FC Barcelona, pressionando o clube catalão a aceitar que o argentino primeiramente jogaria no clube Merengue. Os catalães acharam a decisão absurda e desistiram da contratação do jogador, deixando-o de caminho aberto para o rival. Como se não bastasse, todos os documentos envolvendo Di Stefano e a negociação foram censurados e, além disso, após o estrondoso sucesso do argentino na equipe, o governo acatou o pedido de naturalização do mesmo em tempo recorde para que pudesse jogar pela seleção espanhola.

Di Stefano — imagem: Oglobo

O terceiro e último apoio foi relacionado às arbitragens dos jogos do Real. É bem verdade que erros proporcionados por árbitros são comuns no futebol, e não ocorrem somente a favor do clube madrilenho. Porém é no mínimo curioso o fato de que todos os delegados de deportes durante o regime de Franco, além de outros cargos relacionados ao esporte do país, serem ocupados por militares especificamente madridistas, como mostra o documentário. Além do mais, os dirigentes do Real Madrid costumavam encontrar os árbitros em decks antes dos jogos, além de acompanharem-os em hotéis e até presentear a eles e a suas esposas com relógios, caixas de cigarros e buquês de flores, como afirma o ex diretor merengue Gregorio Paunero.

Um dos erros mais polêmicos envolvendo os blancos na época, ocorreu na final da Copa Europa (Liga dos Campeões da época) de 1957 entre Real Madrid (Espanha) x Fiorentina(Itália). O árbitro holandês Leo Horn marcou um pênalti absolutamente inexistente a favor do Real, aonde ignorou o fato de que o meio campista madrilenho Enrique Mateo estava fora da área quando foi marcada a penalidade máxima. O lance originou o primeiro gol madridista e os espanhois se sagraram campeões vencendo por 2x0.

Italianos indignados com a marcação do pênalti (Imagem: futbras.com)

Além de todos os apoios dados ao Madrid vale citar também, o homem que foi responsável pela relação direta entre Real e a administração franquista, sendo ele o contato direto entre Santiago Bernabéu e Francisco Franco, Raimundo Saporta. Raimundo foi um expoente diretor do Real que se destacou principalmente nas finanças do clube e que, Segundo o neto de Francisco Franco, fazia frequentes visitas ao ditador além de obter diversos contatos dentro e fora da Espanha. Certamente foi um dos principais responsáveis pela grandeza que os merengues atingiram nos dias de hoje e, possivelmente, um dos motivos dos Franquistas considerarem o Real Madrid como uma embaixada que fez com que muitos opositores ao governo fascista compreendessem os interesses franquistas.

Raimundo Saporta (Imagem: realmadrid.com)

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