O café leva o Brasil para as Olimpíadas de 1932
Veja como o baronato do café financiou a inusitada viagem da delegação brasileira aos jogos olímpicos de Los Angeles, em 1932
Contexto
O Brasil, desde meados do século XIX, era o maior exportador de café do mundo, construindo uma elite do baronato cafeeiro que deu as cartas na política até a Revolução de 30. Entretanto, mesmo após o movimento revolucionário capitaneado por Getúlio Vargas, os cafeicultores continuaram influentes na política e nas finanças públicas. Afinal, o país ainda não tinha experimentado um surto industrial, sendo altamente dependente do capital proveniente da estrutura do café, que incluía a infraestrutura de transportes para a escoação da produção, os empregos gerados, a receita que entrava no país equilibrando o câmbio, além dos impostos arrecadados nessa cadeia de produção.
Nessa época, o mundo vivia o período da crise do modelo liberal, a chamada economia do laissez-faire, catapultada pela quebra da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929. Nesse cenário, houve uma relativa queda na demanda de bens primários, ocasionando uma crise sem precedentes na economia de países agroexportadores — tal como o Brasil.
Nesse contexto, o governo brasileiro tomou uma inciativa arriscada, que já havia sido experimentada em outros momentos de crise: com o intuito de equilibrar a balança entre a baixa demanda internacional e a alta oferta de café, ele passou a comprar o excedente da produção e queimá-lo. Estima-se que 18 milhões de sacas estocadas no porto de Santos foram queimadas nesse período, diminuindo a oferta e, consequentemente, encarecendo o preço do grão.
A viagem até Los Angeles
Completamente quebrado pela crise internacional, o governo brasileiro encontrou uma solução para financiar a aventura da comitiva olímpica: uma parcela das despesas seria financiada pela venda de selos comemorativos na sede da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e pela venda de exemplares do Jornal dos Sports — o mais famoso periódico esportivo da época.
Ademais, a maior parte da conta seria paga com a negociação de 55 mil sacas de café dos estoques do governo, que seriam alocadas no porão do navio Itaquicê, responsável por transportar a delegação até o destino olímpico. As negociações, pasmem, seriam efetuadas em escalas durante a viagem — que duraria um mês no total — , incluindo paradas em diversos pontos para a descarga do produto.
Além disso, mais um detalhe embaraçoso adornou a viagem: numa pitoresca demonstração de improviso, o Itaquicê zarpou dos portos nacionais disfarçado de navio de guerra — tendo dois canhões fictícios pregados no convés — , com o intuito de enganar as fiscalizações alfandegárias no Canal do Panamá e não ter sua carga taxada. Todavia, a embarcação foi parada sob suspeita de contrabando. Depois de quatro dias e envergonhadas desculpas do corpo diplomático brasileiro, a taxa foi paga e o navio foi autorizado a seguir viagem, mas venderia poucas sacas durante o trajeto.
Entre os competidores brasileiros, marcava presença a nadadora paulista Maria Lenk, de apenas 17 anos, que se tornava a primeira mulher latino-americana a participar de uma Olimpíada.
A próxima questão seria como custear as hospedagens de alguns atletas que não conseguiriam contribuir do próprio bolso. Nesse começo de século XX, o esporte profissionalizado ainda dava seus primeiros passos no Brasil, sendo assim, na maioria das vezes, as atividades esportivas ficavam restritas às elites, que conseguiam manter os treinamentos e competições. Dessa maneira, apenas 67 dos 82 atletas seriam autorizados a desembarcar em Los Angeles — somente os que tinham chances de medalha.
Os demais seguiriam viagem até San Francisco, na tentativa de negociar os estoques de café e voltar a tempo dos jogos. Foi um fracasso. Ao final da aventura, a comitiva que seguiu viagem até San Francisco não conseguiria participar dos jogos e, além disso, o Brasil voltaria de Los Angeles sem medalha e com milhares de sacas de café no porão.
Referências:
NETO, Lira. Getúlio 1930–1945: Do governo provisório à ditadura do Estado Novo. São Paulo: Companhia das Letra, 2013.