O papel da ciência e da tecnologia no aumento da vida útil dos jogadores de futebol

Bruno Atanazio C. dos Santos
Mezzala
Published in
6 min readJan 26, 2021

À medida que a medicina e a tecnologia caminham juntos para evitar contusões e recuperar atletas, os mesmos podem render dentro de campo por muito mais tempo

Cristiano Ronaldo e Messi disputando a bola em partida da Juventus contra o Barcelona, pela Champions League em 2020.
Créditos: Juventus

Se antes uma lesão no joelho poderia significar encerrar uma carreira, como Marco van Basten em 1995, hoje temos equipamentos avançados para rápida recuperação e técnicas para prevenir que grandes lesões aconteçam.

A tecnologia está para uso não só em árbitro de vídeo ou chip na bola, ela pode e já é utilizada para otimizar performance e determinar a capacidade atlética dos jogadores.

Em 2010 começou a ser usado o GPS para medir a intensidade, velocidade, frequência cardíaca e mudanças de direção. Hoje existem aparelhos e técnicas que os próprios jogadores podem fazer em casa para recuperar o físico pós partida, como as botas pneumáticas que fazem drenagem e aceleram a circulação.

Jogador do clube Caldense com o colete especial e o preparador físico ajustando o software do GPS.
Créditos: Renan Muniz / Caldense

Case do Lyon

No Olympique de Lyon, da França, Emmanuel Orhant implementou um sistema para determinar a capacidade atlética de cada jogador. Orhant foi Chefe do Departamento Médico do clube de 2008 a 2017 e hoje faz a mesma função na seleção francesa.

“No início da temporada, os jogadores fazem testes de preparação física e criamos exercícios para minimizar contusões”, Emmanuel explica para Daniel Fieldsend, autor do livro A Escola Europeia. Assim, o departamento médico tenta determinar a resistência dos músculos e tendões de cada jogador, para mantê-los dentro de seus limites físicos.

Todos os dados são lançados em uma planilha que determina a capacidade atlética do jogador. Em alguns jogos, como o Football Manager, você — como técnico — recebe e-mails indicando a porcentagem de recuperação pós lesão que o seu atleta está, se ele é capaz de jogar a próxima partida e se tem riscos de nova lesão caso você escale ele. É a mesma pegada.

“A gente explica a cada jogador o que ele deve fazer. O treinador e a equipe de preparação física recebem as mesmas instruções. Ao longo das semanas da temporada, cada atleta tem sua planilha atualizada e o técnico sabe quantas vezes cada um deu um pique, a distância percorrida, a energia gasta”.

O software do GPS, citado acima, ajuda no monitoramento e agrupamento dessas informações. Assim como câmeras especiais que mostram quantos quilômetros e a que velocidade cada atleta correu, de modo a determinar se está correndo na intensidade máxima.

Em A Escola Europeia, lançado em 2018, Orhant diz que a tecnologia foi extremamente útil para a ciência do esporte, mas ainda tem que melhorar. “Acho que no futuro o futebol vai ser como a NBA e a NFL, eles trabalham com vídeos de cada lance. O treinador tem à mão os materiais e dados sobre aceleração das jogadas, de modo que consegue saber se o ritmo está bom ou não e quando mudá-lo”.

Atualmente a La Liga faz algo parecido. O Mediacoach é um software que coloca os clubes das séries A e B em iguais condições de analisar dados das partidas.

Recorte de um jogo do Barcelona contra o Real Betis, onde o Mediacoach mostra o mapa de calor do jogador Frenkie De Jong.
Créditos: Reprodução

Nos estádios dos 42 clubes, câmeras especiais captam uma série de dados que são disponibilizados para todas as equipes, democratizando o acesso à informação. Esses dados são acessados pela comissão técnica por celular ou tablet em tempo real, durante o jogo.

Cuidado pessoal

Os jogadores do Lyon também são incentivados a ter responsabilidade com a própria condição física. Eles recebem instruções de exercícios de fortalecimento para fazer em casa.

Essa é uma característica comum dos grandes atletas: cuidar da saúde, mesmo fora das dependências do clube, para seguir em alto nível. Robert Lewandowski, 32 anos, tem dieta controlada pela esposa, que é personal trainer. O melhor jogador do mundo em 2020, tem formação em educação física e diz que tudo o que faz extra campo é para que consiga ficar mais tempo no topo.

Quando Zlatan Ibrahimovic estava no Manchester United, aos 35 anos, ficou seis meses e meio fora dos gramados por causa de uma lesão no joelho. Devido a idade e a gravidade da lesão, era esperado que ele não voltasse a jogar. Porém, o sueco seguiu uma rotina intensa de exercícios em casa, treinando quase 6 horas por dia. Hoje, aos 39 anos, é o artilheiro do Milan - líder da Serie A - com 12 gols.

Outro exemplo é Cristiano Ronaldo, 35 anos, que desde 2014 sofre com uma doença crônica no joelho esquerdo chamada tendinose. O craque, assim como os outros citados, também faz dieta controlada e treina em casa, mesmo depois de se exercitar no clube. Cristiano é o artilheiro do campeonato italiano com 15 gols.

Cristiano Ronaldo caído no gramado, chorando, após choque com Dimitri Payet.
Créditos: Miguel A. Lopes

Ibrahimovic e Ronaldo são os protagonistas das duas maiores equipes da Itália. Não é coincidência. Na cultura italiana é normal que as carreiras vão além dos 35 anos. Paolo Maldini, Javier Zanetti, Gianluigi Buffon e Francesco Totti chegaram aos 40 anos na ativa — Buffon joga atualmente com 42 anos.

Os treinadores reconhecem essa característica e adaptam a sessão de treinamentos para os mais velhos. Eles não precisam treinar no mesmo ritmo de todos, porque contribuem com experiência para o restante da equipe, além do desempenho em campo.

Saúde mental

Entretanto, todos os jogadores apresentados foram, durante suas carreiras, fora de série. Poucos se dedicam como eles e cada vez mais há manchetes de jogadores promissores que se perdem no extra-campo ou por fatores psicológicos.

Adriano Imperador é um caso clássico. Desenhado para ser o melhor do mundo, Didico teve depressão após a morte do seu pai em 2004 e problemas com bebida nos anos seguintes.

Contudo, hoje existe algo não tecnológico mas que — finalmente — é mais aceita no futebol: a psicologia. Ela não só auxilia em problemas de depressão e ansiedade, como no esgotamento mental e até na prevenção de lesões.

“A psicologia também desempenha um papel. Talvez coisas que aconteçam na vida do atleta estejam dificultando que ele se previna contra contusões em casa. Temos que pensar em tudo”, explica Orhant.

O próprio Buffon sofreu com depressão e ataque de pânico aos 26 anos. Felizmente buscou tratamento e hoje faz parte da história do esporte. Confira o vídeo, em italiano com legenda em inglês, onde ele conta esse episódio para o The Players’ Tribune.

Um atleta disciplinado é capaz de estender seu período de pico de habilidade por muito mais tempo, e tudo se resume aos cuidados com o corpo — incluindo a cabeça.

Por fim, perguntado sobre o que esperar do futuro, Emmanuel Orhant acredita que, assim como o técnico tem os dados de desempenho no tablet, o médico no banco de reservas será capaz de analisar se os níveis de sangue de um jogador atingiram uma porcentagem na qual ele está mais suscetível a lesões.

“Vamos ter a medida do sangue a cada momento, ou da pele, e, num horizonte de uns vinte anos, até a psicologia poderá ser controlada pela tecnologia”. Tomara.

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Bruno Atanazio C. dos Santos
Mezzala
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Nascido em Florianópolis, Santa Catarina, sou jornalista formado pela UNISUL em 2020. Escrevo sobre futebol no Mezzala e em meu Twitter: @BAtanazio13.