Os segredos por trás do Inter de Coudet

Sob comando do técnico argentino, Colorado tem seu melhor início de Brasileirão desde o título invicto de 79

Pedro José Domingues
Mezzala
11 min readSep 9, 2020

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Foto: Ricardo Duarte/SC Internacional

Desde o anúncio da contratação de Eduardo Coudet, em dezembro de 2019, muita expectativa foi criada no Beira-Rio. O técnico argentino veio de um excelente trabalho no Racing-ARG, conquistando o título da Superliga Argentina 2018/19, e sendo responsável por mudar o patamar da equipe no continente. Ele é mais um dessa nova (e ótima) geração de técnicos argentinos, junto a Marcelo Gallardo (River Plate) e Gabriel Heinze (ex-Vélez).

Como Coudet pensa o jogo?

Na Argentina, ele se destacou por ter implementado uma identidade de jogo no Racing, além de criar um forte laço com time e torcida. Coudet também nunca abre mão de seu esquema utilizado em todas as equipes que comandou: o 4–1–3–2. O mais semelhante a esse esquema aqui no Brasil foi o Flamengo de Jorge Jesus da última temporada.

Time base e principais peças da equipe de Coudet no período em que esteve em Avellaneda (Foto: Pedro José Domingues via LineupBuilder)

Com esse esquema, “Chacho” conseguiu recuperar em La Academia o talento da jóia argentina Matías Zaracho, que não vinha rendendo desde a subida para os profissionais. Zaracho inicialmente era um jogador de lado de campo, se destacando por sua velocidade, mas Coudet o transformou em seu meia-central do esquema, sendo o articulador das jogadas, chegando na área e buscando os espaços. Nessa função, o camisa 28 do clube de Avellaneda é um dos melhores jogadores no continente, tendo, inclusive, chances na seleção principal da Argentina.

Foto: Reprodução/Cultura Redonda

As principais características das equipes de Eduardo Coudet são: intensidade e pressão. E muita intensidade e pressão. Em sua fase defensiva, suas equipes fazem pressão em quem está com a bola o tempo todo, sempre tentando roubá-la próxima ao gol adversário. Também se utiliza bastante a pressão pós-perda, com a mesma pressão incansável de sempre.

Porém, não é possível manter esse ritmo durante todo o jogo. Em alguns momentos, os três meias saem um pouco da pressão e centralizam. Com isso, os laterais avançam em busca de tabelas e triangulações tanto nas zonas centrais quanto na lateral do campo.

Seus times não precisam, necessariamente, ter a posse de bola o tempo todo para chegar ao gol. A posse de bola é valorizada, mas é pouco o tempo que a bola fica nos pés de seus jogadores, justamente para a armação de contra-ataques rápidos e verticais. Em construções desde a primeira linha defensiva, a qualidade no passe de seus dois zagueiros e primeiro volante é primordial, acionando os meias e laterais, além de lançamentos longos para os homens de frente.

Resumindo, a equipe do Coudet é: intensa e objetiva. Precisa-se de poucos passes para chegar ao gol, e também de muita disposição e pressão na retomada da bola. Seu time geralmente é muito físico e, com isso, requer muito da capacidade física de seus jogadores.

O Inter de 2020

Foto: Ricardo Duarte/SC Internacional

Certamente o começo de ano do Colorado é surpreendente e animador. Após uma passagem conturbada de Odair Helmann no comando da equipe em 2019, o Inter manteve os pilares de seu time titular, e trouxe Eduardo Coudet para a temporada de 2020. A torcida colorada praticamente trocou um copo de água por uma taça de vinho.

Apesar do vice-campeonato na Copa do Brasil e uma boa campanha na última Libertadores, muito se cobrava da equipe de Odair a agressividade e “sangue” de seus comandados nas partidas. Em diversos momentos de 2019, o Inter dependia de um Beira-Rio lotado para empurrar a equipe para o triunfo. Com a chegada de “Chacho” em Porto Alegre, certamente entrega e intensidade não iriam faltar. E não faltou.

Coudet conseguiu rapidamente implantar suas ideias de jogo na equipe, fato que era extremamente importante por conta da disputa da pré-Libertadores no início do ano. Com duas vitórias em casa na fase preliminar da competição (Universidad de Chile e Tolima), conseguiu assim se classificar para a fase de grupos, e deslanchar no período pré-paralisação por conta da pandemia.

(Foto: Reprodução/Fox Sports)

Devido ao estilo de jogo bem intenso, vertical e dinâmico, “Chacho” teve alguns problemas na disputa do Campeonato Gaúcho. As condições dos gramados das equipes de menor expressão do estado do Rio Grande do Sul não eram das melhores. Com isso, Coudet reclamava constantemente disso em entrevistas, e até cogitou deixar o comando da equipe.

É muito mais fácil destruir do que construir nessa situação. A verdade é que é frustrante não ter as condições mínimas pro futebol. Se vamos jogar todas as partidas em um campo como esse, a solução do Inter é achar outro treinador. Eu não sei montar equipe pra jogar em um campo desses”, afirmou Coudet após empate contra o Esportivo no Gauchão.

Mesmo com algumas pedras no caminho, o time estava bem, os jogadores em ótima fase e o rendimento colorado crescia jogo após jogo. Porém, um fator ainda intrigava os torcedores colorados: o Grenal. Em quatro partidas entre os dois times da capital nesse ano, foram três vitórias do Grêmio, no Gauchão, e um empate, pela Libertadores. Eduardo Coudet, até o momento, tem 16 vitórias em 28 jogos, e apenas quatro derrotas.

(Foto: Raul Pereira)

Bom início na Libertadores, desempenho satisfatório no Estadual e excelente começo de Brasileirão. O Inter de Coudet começa a ter sua identidade de jogo consolidada, e vem colhendo bons frutos. Porém, sem o atacante peruano Paolo Guerrero até o final da temporada (lesão no ligamento cruzado do joelho direito), “Chacho” fica sem uma referência no ataque. O peruano estava muito bem adaptado às ideias de jogo de seu treinador, e era o artilheiro do clube na temporada atual, com 10 gols em 15 jogos.

Caras novas na equipe e Celeiro de Ases fazendo efeito

(Foto: Reprodução/Canal Showsport)

De última hora, o Colorado foi ao mercado e trouxe mais dois estrangeiros para seu elenco. O clube anunciou na última semana o atacante uruguaio Abel Hernández, que estava no mundo árabe, e o atacante argentino Leandro Fernández, que estava no Independiente-ARG. Os dois são candidatos fortíssimos a assumir a titularidade no ataque colorado, formando dupla com Thiago Galhardo, principal jogador da equipe nesse início de Brasileirão. Também para o ataque, o clube contratou o centroavante Yuri Alberto, de 19 anos, que estava no Santos.

Outro grande achado da diretoria colorada foi o lateral-direito argentino Renzo Saravia. O jogador de 27 anos era do elenco do Racing no título da Superliga Argentina 2018/19, sob comando do mesmo Eduardo Coudet, e era um dos melhores laterais do continente. Desde que foi vendido ao Porto-POR, não vinha recebendo muitas oportunidades, e vem por empréstimo ao Colorado. O lateral vem correspondendo em campo e é um dos destaques desse início de Campeonato Brasileiro.

Com a saída de Bruno Fuchs para o CSKA, e para a adaptação da equipe às suas convicções sobre o jogo, Coudet promoveu a entrada de Zé Gabriel à zaga titular. Isso se deve para ter uma maior qualidade no passe na construção do ataque colorado desde a primeira linha. Zé Gabriel era volante na base e tem boa saída de bola e posicionamento, algo muito importante para o esquema do técnico argentino.

(Foto: Divulgação/CSKA)

Com isso, Rodrigo Moledo, titular em toda a temporada de 2019, permanece no banco de reservas da equipe. Com Victor Cuesta e Bruno Fuchs no time titular, a bola chegava com mais facilidade aos meias e laterais para a construção das jogadas. Outra contratação para o setor defensivo foi a do zagueiro Lucas Ribeiro, ex-Vitória, e que estava atuando no futebol alemão.

Além de Zé Gabriel, outros jogadores do Celeiro de Ases vem tendo oportunidades na temporada. Bruno Praxedes e João Peglow se destacaram na campanha do título da Copinha desse ano, e estão recebendo bastantes oportunidades no Brasileirão. Olho neles.

Setor crucial na esquema colorado, o meio de campo vive ótimo momento. Gabriel Boschilia, que foi contratado nesse ano, se junta a Edenílson e Patrick no meio e mostram que hoje estão bem adaptados ao modelo de jogo proposto por Coudet. O ataque em espaços vitais do campo, a pressão pós-perda e a alta intensidade que o técnico argentino pede em suas equipes vem sendo realizada com bastante êxito.

No retorno do futebol pós-paralisação, porém, alguns jogadores da equipe ainda não atingiram a mesma boa fase e ritmo de jogo de antes. Victor Cuesta, uma das principais peças da equipe, por exemplo, não retornou da maneira que era esperado no Beira-Rio. O zagueiro argentino tem total capacidade de voltar a ser o baita jogador que vem se mostrando nas últimas temporadas.

Time base do Internacional na temporada 2020 e suas principais peças de reposição (Foto: Pedro José Domingues via LineupBuilder)

Thiago Galhardo: de “palestrinha” à regularidade

(Foto: Twitter/@Brasileirao)

Assim como aconteceu com Matías Zaracho no Racing, Coudet tem em mãos hoje um jogador completamente diferente das últimas temporadas: Thiago Galhardo. Hoje, ele é a principal referência técnica da equipe e o atual artilheiro do Campeonato Brasileiro, com seis gols.

Quando chegou ao Vasco da Gama no início da temporada de 2018, Galhardo era visto apenas como um meia-armador. Em todo o seu período no clube, atuava em zonas centrais do campo. Inclusive, em diversas vezes ficou no banco de reservas vascaíno, justamente por não estar rendendo o esperado na função de articulador de jogadas.

Mapa de calor de Thiago Galhardo no Campeonato Brasileiro de 2018 (Foto: Sofascore)

Poucas foram as vezes que não entrou bem na segunda etapa das partidas, em que atuava mais próximo aos atacantes. TG se destacava pela sua chegada à área e busca de espaço, ao contrário da função que lhe era imposta, de articulador e/ou meia-armador clássico quando começava as partidas. Era possível ver que aquele Galhardo de 2018 tinha uma grande capacidade de puxada de contra-ataques e qualidade técnica, algo diferencial para um jogador de ataque que viria a se transformar. Não era um jogador de muita intensidade e resistência física, mas a qualidade técnica era perceptível.

(Foto: Rafael Ribeiro/Vasco da Gama)

Devido a isso, Galhardo sempre era pedido por uma parcela de torcedores para assumir a titularidade do Gigante da Colina. Porém, por conta da falta de pagamento de salários no clube, além de problemas com a diretoria vascaína da época, Thiago Galhardo acabou não renovando com o clube carioca e se transferiu para o Ceará na temporada seguinte. Por esses motivos, era chamado de “palestrinha” por parte da torcida cruzmaltina, que acreditava que o jogador estava liderando uma crise no vestiário do clube.

Até hoje, Galhardo é perguntado em entrevistas sobre o real motivo da sua saída de São Januário, mas nunca revelou os detalhes.

“Ficou mal contado por parte deles, não pela minha, mas pela primeira vez fiquei calado, vi o quão foi bom para mim, para minha carreira. No momento certo vou contar. Quem fez as coisas erradas que tinha que abrir a boca. Não era o meu caso”, afirmou Thiago Galhardo sobre sua polêmica saída do Vasco.

(Foto: Divulgação/Ceará)

Já no Ceará, Thiago Galhardo começou a ter mais destaque e regularidade. O jogador passou a jogar de vez próximo à área e, com isso, seu rendimento aumentava jogo após jogo. Galhardo não só se destacou pelos bons jogos no comando do ataque do Vozão, mas também acabou a temporada como artilheiro do clube no ano, com 12 gols marcados.

Mapa de calor de Thiago Galhardo no Campeonato Brasileiro de 2019 (Foto: Sofascore)

No período em que esteve defendendo a camisa do Vozão, Galhardo dizia que estava em seu auge no futebol. Por pouco, não recolocou o Ceará em uma competição internacional, o que não acontece desde 2011. Porém, Thiago foi extremamente importante na manutenção do clube cearense na elite do futebol brasileiro.

Com tanto sucesso no clube alvinegro, TG se tornou o jogador com maior número de gols em uma edição de Campeonato Brasileiro pelo clube cearense. Sua permanência para 2020 foi bastante esperada pelos torcedores e diretoria do Ceará, todavia, uma rescisão contratual foi feita e o jogador foi contratado pelo Internacional.

(Foto: Félix Zucco / Agencia RBS)

Agora no Inter, Galhardo vive seu melhor momento na carreira. Desde antes da paralisação por conta coronavírus, é um dos principais jogadores da equipe de Coudet. Todavia, o começo dessa sua trajetória não foi nada fácil. Eduardo Coudet disse em entrevista que Thiago Galhardo quase desmaiou no primeiro treino da temporada, por conta da alta intensidade das atividades.

Para o argentino, jogo é treino, e treino é jogo. A mesma intensidade nos dois trouxe o sucesso que o Inter vive hoje. Isso se faz com que os jogadores se acostumem e se sintam bem com o que o treinador exige nas partidas, fato que vem dando resultado.

Porém, para que Coudet convencesse seus homens de frente a ter a intensidade e pressão que propõe, foi seu maior desafio. Para isso, a mesma intensidade pedida nas partidas sendo pedida nos treinamentos, foi de extrema importância.

“A maneira de convencer o atacante é que é melhor correr 10 metros do que correr 50 quando se perde a bola. Esses 10 metros vão te gerar outra situação de gol quando recupera a bola. E os atacantes querem fazer gols. São egoístas. E eu gosto que sejam egoístas” disse Coudet em entrevista ao Globo Esporte.

Mapa de calor de Thiago Galhardo no Campeonato Brasileiro 2020 (Foto: Sofascore)

A ausência de Guerrero, artilheiro da equipe no ano, deixou Coudet sem uma referência dentro da área, alguém que fizesse o pivô, segurasse a bola para a ultrapassagem de outros jogadores etc.

No entanto, isso fez com que Galhardo se destacasse ainda mais nos jogos. Como primeiro homem de área, ele passou a ser a referência técnica da equipe e peça-chave no funcionamento do esquema do técnico argentino, se movimentando bastante e gerando espaços para os outros companheiros.

(Foto: Twitter/SC Internacional)

Assista a entrevista exclusiva de Eduardo Coudet ao Globo Esporte abaixo.

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