Quem perde é o futebol brasileiro

Na vida e no futebol, não sabemos dar tempo a quem recém chegou

Marcos Cardoso
Mezzala
5 min readNov 10, 2020

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Foto: Ricardo Duarte

Se você acompanha ou já acompanhou ao menos um mês completo do futebol brasileiro, sabe bem como é a loucura por aqui. Em um dia, o céu, no outro, o inferno. Isso não se dá somente aos jogadores, que podem ser heróis no domingo e vilões na quarta-feira. Os treinadores têm maior pressão ainda.

Em 2019, Jorge Jesus, português de grande sucesso no Benfica, chegou ao futebol brasileiro para comandar o Flamengo. Em uma equipe que era repleta de ótimos nomes, JJ transformou alguns desacreditados em craques. William Arão era tido por muitos como um jogador médio, com o luso, virou um dos melhores em sua posição.

Jorge Jesus deixou o Flamengo para retornar ao Benfica — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Jorge Jesus foi campeão brasileiro e da América em um curto período. Antes de retornar à sua terra natal, ainda conquistou a Recopa, o Carioca e Supercopa do Brasil. Foram mais títulos do que derrotas.

Muitos acreditaram que aí estaria a solução para o futebol brasileiro: os estrangeiros. Eu concordo, eles podem e devem ajudar o esporte a se desenvolver por aqui. Afinal, a troca com pessoas que vem de outros lugares só tem a acrescentar no trabalho. Contudo, nem sempre um treinador pegará um 11 como foi com o português.

Aí entra o tempo, muito importante para tudo na vida, e, principalmente, no esporte.

Nosso futebol tem muitos problemas, se eu fosse falar todos, certamente você não leria nem a metade deste texto. Mas dois são mais evidentes: o imediatismo e o resultadismo.

E disso, não são somente os estrangeiros que sofrem.

Fernando Diniz é perseguido pela maneira como enxerga o jogo. Psicólogo de formação, o treinador gosta da posse de bola e da saída do goleiro com os pés. Se você sentar cinco minutos para ver o futebol europeu, verá isso em todos os campeonatos.

Voltando aos estrangeiros.

No início de 2020, o Internacional anunciou Eduardo Coudet, o Santos Jesualdo Ferreira e o Atlético Mineiro Rafael Dudamel. Destes, os dois últimos foram demitidos.

Coudet não ganhou nenhum clássico GreNal e, mesmo sendo líder do Brasileirão, teve seu trabalho mais do que criticado durante o ano todo. Lhe foi prometido um time competitivo que brigaria por tudo, não recebeu. Pediu para sair na segunda-feira (09/11), seu destino deve ser o Celta de Vigo.

Coudet deixou o Internacional na segunda-feira (09/11) — Foto: Ricardo Duarte/Internacional

Jesualdo já foi campeão em todos os continentes em que treinou. No Brasil, não teve tempo para isso. Ele é um dos responsáveis por ajudar a criar um ótima safra de treinadores portugueses. No Santos, não conseguiu implementar seu estilo de jogo. Vale lembrar que encarou uma pandemia e um time que teve seus contratos reduzidos. O problema não foi somente ele. Ou um treinador que foi multicampeão com o Porto é ruim?

Dudamel, por sua vez, ajudou a remodelar o futebol venezuelano. Transformou uma equipe frágil em forte. Fez jogo duro contra o Brasil na última Copa América segurando o 0 a 0. No Atlético Mineiro, as eliminações na Copa do Brasil e Sul-Americana não deixaram ele completar dois meses no cargo. Nenhuma ideia dele foi coloca de forma definitiva em campo. Não teve tempo.

Dudamel foi demitido após eliminações na Copa do Brasil e Sul-Americana — Foto: Bruno Cantini/Atlético-MG

Sampaoli foi contratado pelo Galo mineiro após a saída do venezuelano. Começou bem. Ganhou o Mineiro, liderou o brasileiro por boa parte. Goleou e encantou em algumas partidas. Em dados momentos, sua equipe teve partidas ruins — o que é normal em qualquer trabalho. Passou a ser questionado.

Domènec Torrent chegou ao Flamengo em agosto, foi demitido em novembro. É impossível analisar um trabalho em menos de 100 dias.

O catalão, desde o primeiro minuto no Rio, estava pressionado por substituir JJ que havia ganhado tudo. Porém, esquecemos do principal: são duas pessoas diferentes e com entendimentos e análises distintas do futebol.

Domènec Torrent foi demitido no Flamengo na segunda-feira (09/11) — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Voltando um pouco no tempo. Diego Aguirre durou pouquíssimo no Internacional e no São Paulo. Juan Carlos Osório mal é lembrado no Tricolor Paulista. Edgardo Bauza também.

No futebol, assim como na vida, temos uma mania feia de cobrar resultado de quem mal chegou. Esses dias um amigo me disse: “Em um time de futebol de verdade, mudar de esquema não é como no FIFA”. Ele está certo.

Se você, diretor, gestor, presidente de um time ou de uma empresa, mudar seu treinador ou empregador, ele não será como o anterior. E isso não é ruim.

Mudanças são bem vindas no futebol e na vida. Conviver, aprender, trocar e vivenciar novas ideias é primordial. Trazer treinadores estrangeiros ao Brasil é o melhor que podemos neste momento para crescermos. Mas não estamos prontos. Não damos estabilidade, confiança e segurança — aqui não digo somente de trabalho.

Quem contrata tem tanta culpa ou mais do que o empregado/treinador. Se a transição não for bem feita, o sucesso não chegará.

Para finalizar, vou usar uma fala de outro conhecido: “O futebol é um esporte em que mais se perde do que se ganha”. Isso é bem verdade também. Mas, infelizmente, não sabemos perder.

*Este texto representa a opinião do autor.

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Marcos Cardoso
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Jornalista que escreve, que lê, que vê e que sente. Que não esquece do bom café.