Quem perde é o futebol brasileiro
Na vida e no futebol, não sabemos dar tempo a quem recém chegou
Se você acompanha ou já acompanhou ao menos um mês completo do futebol brasileiro, sabe bem como é a loucura por aqui. Em um dia, o céu, no outro, o inferno. Isso não se dá somente aos jogadores, que podem ser heróis no domingo e vilões na quarta-feira. Os treinadores têm maior pressão ainda.
Em 2019, Jorge Jesus, português de grande sucesso no Benfica, chegou ao futebol brasileiro para comandar o Flamengo. Em uma equipe que era repleta de ótimos nomes, JJ transformou alguns desacreditados em craques. William Arão era tido por muitos como um jogador médio, com o luso, virou um dos melhores em sua posição.
Jorge Jesus foi campeão brasileiro e da América em um curto período. Antes de retornar à sua terra natal, ainda conquistou a Recopa, o Carioca e Supercopa do Brasil. Foram mais títulos do que derrotas.
Muitos acreditaram que aí estaria a solução para o futebol brasileiro: os estrangeiros. Eu concordo, eles podem e devem ajudar o esporte a se desenvolver por aqui. Afinal, a troca com pessoas que vem de outros lugares só tem a acrescentar no trabalho. Contudo, nem sempre um treinador pegará um 11 como foi com o português.
Aí entra o tempo, muito importante para tudo na vida, e, principalmente, no esporte.
Nosso futebol tem muitos problemas, se eu fosse falar todos, certamente você não leria nem a metade deste texto. Mas dois são mais evidentes: o imediatismo e o resultadismo.
E disso, não são somente os estrangeiros que sofrem.
Fernando Diniz é perseguido pela maneira como enxerga o jogo. Psicólogo de formação, o treinador gosta da posse de bola e da saída do goleiro com os pés. Se você sentar cinco minutos para ver o futebol europeu, verá isso em todos os campeonatos.
Voltando aos estrangeiros.
No início de 2020, o Internacional anunciou Eduardo Coudet, o Santos Jesualdo Ferreira e o Atlético Mineiro Rafael Dudamel. Destes, os dois últimos foram demitidos.
Coudet não ganhou nenhum clássico GreNal e, mesmo sendo líder do Brasileirão, teve seu trabalho mais do que criticado durante o ano todo. Lhe foi prometido um time competitivo que brigaria por tudo, não recebeu. Pediu para sair na segunda-feira (09/11), seu destino deve ser o Celta de Vigo.
Jesualdo já foi campeão em todos os continentes em que treinou. No Brasil, não teve tempo para isso. Ele é um dos responsáveis por ajudar a criar um ótima safra de treinadores portugueses. No Santos, não conseguiu implementar seu estilo de jogo. Vale lembrar que encarou uma pandemia e um time que teve seus contratos reduzidos. O problema não foi somente ele. Ou um treinador que foi multicampeão com o Porto é ruim?
Dudamel, por sua vez, ajudou a remodelar o futebol venezuelano. Transformou uma equipe frágil em forte. Fez jogo duro contra o Brasil na última Copa América segurando o 0 a 0. No Atlético Mineiro, as eliminações na Copa do Brasil e Sul-Americana não deixaram ele completar dois meses no cargo. Nenhuma ideia dele foi coloca de forma definitiva em campo. Não teve tempo.
Sampaoli foi contratado pelo Galo mineiro após a saída do venezuelano. Começou bem. Ganhou o Mineiro, liderou o brasileiro por boa parte. Goleou e encantou em algumas partidas. Em dados momentos, sua equipe teve partidas ruins — o que é normal em qualquer trabalho. Passou a ser questionado.
Domènec Torrent chegou ao Flamengo em agosto, foi demitido em novembro. É impossível analisar um trabalho em menos de 100 dias.
O catalão, desde o primeiro minuto no Rio, estava pressionado por substituir JJ que havia ganhado tudo. Porém, esquecemos do principal: são duas pessoas diferentes e com entendimentos e análises distintas do futebol.
Voltando um pouco no tempo. Diego Aguirre durou pouquíssimo no Internacional e no São Paulo. Juan Carlos Osório mal é lembrado no Tricolor Paulista. Edgardo Bauza também.
No futebol, assim como na vida, temos uma mania feia de cobrar resultado de quem mal chegou. Esses dias um amigo me disse: “Em um time de futebol de verdade, mudar de esquema não é como no FIFA”. Ele está certo.
Se você, diretor, gestor, presidente de um time ou de uma empresa, mudar seu treinador ou empregador, ele não será como o anterior. E isso não é ruim.
Mudanças são bem vindas no futebol e na vida. Conviver, aprender, trocar e vivenciar novas ideias é primordial. Trazer treinadores estrangeiros ao Brasil é o melhor que podemos neste momento para crescermos. Mas não estamos prontos. Não damos estabilidade, confiança e segurança — aqui não digo somente de trabalho.
Quem contrata tem tanta culpa ou mais do que o empregado/treinador. Se a transição não for bem feita, o sucesso não chegará.
Para finalizar, vou usar uma fala de outro conhecido: “O futebol é um esporte em que mais se perde do que se ganha”. Isso é bem verdade também. Mas, infelizmente, não sabemos perder.
*Este texto representa a opinião do autor.