Uma breve história dos jogos olímpicos

Veja como nasceram as olimpíadas modernas e como os jogos foram peça fundamental do xadrez geopolítico, sendo usados como propaganda por regimes totalitários

João Lopes
Mezzala
6 min readJul 27, 2021

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Hitler desfila nos jogos olímpicos de 1936, em Berlim (Foto: Reprodução/Exame)

O panorama geopolítico

O século XX foi palco dos mais variados experimentos sociais já praticados na história. Nesse sentido, foi marcado por rupturas institucionais, guerras, mudanças de paradigma na geopolítica, emergência de movimentos sociais etc. De maneira concomitante ao desenvolvimento dos sistemas políticos contemporâneos, crescia outro fenômeno com similar capacidade de diálogo com as massas, o esporte.

Atividades esportivas, de maneira geral, já eram praticadas desde a antiguidade. No entanto, estavam geralmente ligadas às atividades de guerra, como uma forma de preparação para os combates e demonstração de poder. O Coliseu de Roma é uma prova material remanescente dos confrontos entre gladiadores, assumidos como uma das principais práticas esportivas da época.

Coliseu, Roma (Foto: Reprodução/Wikimedia Commons)

Com o passar dos séculos, as sociedades, sobretudo ocidentais, sofreram transformações que impactaram as práticas esportivas. No final do século XIX, por exemplo, surgia o futebol na Inglaterra, posteriormente exportado para todos os países do mundo. Essa transformação no esporte seria potencializada a partir do século XX, na medida em que emergia uma nova sociedade cada vez mais conectada.

O nascimento das olimpíadas modernas

Os jogos olímpicos não eram praticados desde o ano de 392 d.C., quando o imperador Teodósio se converteu ao Cristianismo e proibiu todas as práticas que eram consideradas pagãs, tal como os jogos olímpicos, que homenageavam o deus grego Zeus.

Como uma tentativa de resgatar o espírito olímpico que emergira na antiguidade greco-romana, no ano de 1896 era realizada a primeira Olimpíada moderna, em Atenas.

Primeira olimpíada, disputada em Atenas, no ano de 1896 (Foto: Reprodução/Lance!)

O idealizador era um sujeito chamado Charles Freddye Pierre, conhecido pela alcunha de Barão de Coubertin. O sonho do Barão era aproximar os povos através do esporte. Ledo engano. A ilusão de uma sociedade unida através do espírito olímpico haveria de se esvair logo no princípio do século XX.

As olimpíadas se chocam com as guerras

Em 1914, após o atentado sofrido pelo arquiduque austro-húngaro Franz Ferdinand, eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Com a convicção de que o conflito cessaria logo, não se pensou na possibilidade de adiar os jogos olímpicos, que ocorreriam em 1916, em Berlim. Entretanto, na iminência da extensão dos combates, o evento foi cancelado, só ocorrendo novamente em 1920, na Antuérpia.

Já durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), duas olimpíadas acabaram sendo canceladas: 1940 e 1944. Os jogos de 1940 estavam previstos para ocorrer em Tóquio, mas o COI (Comitê Olímpico Internacional) decidiu transferir para Helsinque (Finlândia), por conta da Guerra Sino-Japonesa, que eclodia em 1937.

Os Jogos de Londres em 1948 foi o primeiro evento olímpico após o término dos conflitos da Segunda Guerra Mundial (Foto: Reprodução/Metrópoles)

Na iminência do prolongamento dos conflitos da Segunda Guerra, o evento, que ocorreria em Helsinque, também foi cancelado. As olimpíadas de 1944, que ocorreriam em Londres, foram adiadas para 1948, já com o término dos conflitos e sendo sediada pela mesma cidade.

Os regimes totalitários

Nesse intervalo entre guerras, ocorreram transformações na geopolítica global que iriam culminar nas maiores tragédias da humanidade. A democracia liberal — principal sistema político do ocidente e de enorme pujança nos últimos séculos — entrava em colapso no começo do século XX. O golpe final foi desferido pelo crash da bolsa de Nova York, em 1929.

Nesse novo cenário, as instituições democráticas eram vistas com desconfiança e como incapazes de responder às novas demandas que surgiam. Dessa maneira, o êxodo urbano virara regra no novo século, e as cidades se inchavam num contexto de Segunda Revolução Industrial.

Assim, a democracia burguesa liberal não conseguia sustentar essa população que crescia e clamava por maior representação e participação política. Nesse contexto, surgiram movimentos nacionalistas e autoritários que, por intermédio de um líder carismático, pareciam atender às demandas do povo que o sustentava. Era o surgimento das sociedades de massa e dos regimes totalitários, cujo ápice foi visto no Fascismo, de Benito Mussolini e no Nazismo, de Adolf Hitler.

Benito Mussolini e Adolf Hitler (Foto: Reprodução/CPA Media Co. Ltd.)

Com esse novo movimento, o esporte passou a ganhar uma nova conotação: agora, ele poderia ser usado como propaganda do regime, com intuito de demonstrar a superioridade da nação em voga. Ninguém soube explorar isso melhor que Hitler. Em seu projeto eugênico de extermínio dos Judeus em prol da raça ariana superior, as valências físicas eram de extrema importância, uma vez que representavam uma suposta superioridade biológica que precisava ser preservada, em detrimento de outras raças “impuras”.

Os jogos olímpicos de 1936, em Berlim

Jogos olímpicos de Berlim, 1936 (Foto: Reprodução/RTP)

O terror nazista chegava ao poder em 1933, quando Hitler se tornava chanceler da Alemanha. O discurso era de reestruturação e recolocação do país novamente no primeiro plano da cena política, após sua devastação na Primeira Guerra e todos os acordos que serviam de entrave para seu desenvolvimento.

Berlim foi escolhida como sede dos jogos que ocorreriam em 1936. Ao ver Hitler assumindo o cargo mais alto da administração alemã, países como Estados Unidos, França, Suécia, Holanda e Checoslováquia se posicionaram pedindo o cancelamento das Olimpíadas, mas a solicitação foi em vão. Essa era uma oportunidade de ouro para que todas as atenções se voltassem novamente à Alemanha. Para Hitler, era a melhor maneira de demonstrar a superioridade da raça ariana.

O caso Jesse Owens

Jesse Owens, medalhista negro, posa ao lado de atletas nazistas (Foto: Reprodução/HypeScience)

O acontecimento mais marcante dessa olimpíada, que posteriormente seria considerado um dos momentos mais importantes do esporte, envolveu o afro-americano Jesse Owens, do atletismo. Owens ganhou as provas de 100 metros rasos, salto em distância, 200 metros rasos e corrida de revezamento 4x100 metros, mostrando ao mundo que as insanidades propagadas por Hitler não se confirmavam na realidade.

O êxito de Jesse Owens foi interpretado como um golpe contra a pretensa superioridade ariana”

A frase acima foi dita por Alfredo Oscar Salun, doutor em história social pela USP, no artigo Esportes e Propaganda Política na Década de 1930, ao falar da medalha de ouro de Owens no salto em distância, modalidade na qual desbancou o alemão Lutz Long, considerado imbatível.

Esse caso nos mostra como o esporte pode ser apropriado pela política tanto por interesses escusos, quanto para resistir num sopro de esperança em meio à escuridão.

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