João da Rocha
Microcontexto
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1 min readApr 5, 2020

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A DÍVIDA

Fui as três da manhã comprar remédios. Não para mim e sim para meu pai. Esse senhor chegou em casa aos sessenta anos e que tive que cuidar. Meu pai era cantor mas perdeu a voz gritando um gol do Botafogo. "Minha voz pegou fogo" escreveu em um bilhete. Nunca respondo meu pai, quando vejo, lembro que abandonou minha mãe com doze filhos e um cachorro em uma casa no fim da rua na década de 60. Dizem que saiu para procurar a vida. Minha mãe pedia piedade para não odiar esse homem: "Te atazana não filho, ele é teu pai, daqui a pouco tu cria barba e se adoma". Eu fingia rir e quando ele apareceu ma minha porta, doente, debilitado e cheio de dívidas, tudo se manteve como era na infância. Indiferente e com ombros aos lados. Minha namorada diz "Larga esse velho". Não posso, respondo, tenho uma dívida a pagar. Tratando e cuidando desse homem, sou melhor que ele.

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