ON THE ROCKS

4'33''

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
3 min readApr 14, 2020

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Não escrevi sobre música aqui, não até agora. Apesar de diletante, eu sempre vivi por música, sempre foi minha muleta existencial. Sou acadêmico, sempre serei acadêmico, independente da profissão. A academia é minha formação, minha lente, o jeito que olho para o mundo.

A música é outra coisa, é o jeito que sinto o mundo. É o que me ajuda a rir, a chorar, a me indignar.

Os tempos bicudos que vivemos aflora a academia durante o dia; a música durante a noite. Passo meu dia indignado, raivoso, impotente. À noite é contemplação e fruição. Mas não fruímos apenas coisas boas, vivemos, absorvemos e fruímos uma dezena de sentimentos muitas vezes contraditórios.

Meu mestre, amigo e orientador Gabriel Cohn, no prefácio Aos Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música, de Weber, fez, para mim, o maior e mais belo texto que já alcancei: De como um Hobby Ajuda a Entender um Grande Tema.

Weber sonhava em escrever textos como Wagner escrevia música. Cada sílaba, cada palavra, cada parágrafo cumprindo uma função específica. Sem lacuna ou excesso. Tá tudo ali, hermeticamente perfeito: o som, o intervalo, o andamento… e o silêncio. Sim, o silêncio pouco levado a sério na música, é fundamental, tanto ou mais que as vibrações sonoras.

É o silêncio que faz o contraponto, que marca o começo e o fim, que nos prepara para o que virá. É o diafragma relaxando e antevendo o esporro. É também aquele tempo necessário para a massa crescer e virar alimento.

Wagner nos ensinou isso. Weber e Gabriel Cohn também. E, claro, John Cage, o mais silencioso de todos os compositores.

Eis o meu silêncio, bípedes.

Ornette Coleman

Estou aqui sem publicar há tempo razoável. As informações do mundo, sua confusão sonora e sua suspensão, meus sentimentos conflitantes durante o dia e à noite, minhas pulsões, tudo se mistura como numa bela obra de Miles Davis, ou melhor, de Ornette Coleman.

O minotauro me espreitava, mas eu não conseguia sair daquele labirinto. A técnica estava à mão, só colar um ombro na parede e ir que, em algum momento, você sai do labirinto. Sim, sempre soube. Mas a simples imagem do minotauro já invadia minha mente e causava confusão sobre como enfrentá-lo e metabolizá-lo.

O silêncio se faz necessário. Se fez, ao menos para mim.

Mas, depois do silêncio, vem o Big Bang, a explosão tão alta quanto inaudível, o som que te invade e que a tudo arremata. Antes do verbo, era tudo silêncio.

Nessa hora, bípedes, nada como uma música específica… e um whisky.

Viva! Vivam! Vivamos!

Walter Hupsel para o Microphonia.

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!