ON THE ROCKS

A LUTA

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
2 min readMar 25, 2020

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Norman Mailer, em um dos melhores livros que já li, descreve todo o contexto e os golpes trocados naquela que viria a ser conhecida como A LUTA DO SÉCULO.

De um lado, um pastor batista negro, campeão mundial, cujas palavras conciliatórias encantavam os WASPs. Seu nome é George Foreman.

No outro corner havia um boxeador negro, com discurso negro, militante dos direitos civis rebatizado Muhammad Ali.

Era Zaire, 1974, no meio do processo de descolonização dos países africanos, e Foreman era imbatível. Poucos contendedores sobreviviam aos primeiros rounds alvejados pela direita de Foreman. Caiam rapidamente, beijavam a lona, e eram carregados para fora do ringue e da história.

Ali, o Muhammed, tinha plena ciência disso. Sabia que não poderia enfrentar de pé aquela poderosa direita. Precisava ele de uma tática, arriscada sim, mas a única que lhe daria alguma chance contra George.

Muhammad Ali ficou rounds e mais rounds propositadamente nas cordas, apanhando de Foreman. Essas impediam a queda do desafiante e amorteciam o impacto dos murros levados.

Minutos e mais minutos o rosto de Ali era castigado pela direita do campeão Foreman, numa sequência e num ímpeto que até hoje assustam a quem assistir aos vídeos da luta. Parecia impossível sobreviver àquela luta. Parecia que dali sairia não apenas um derrotado, mas um cadáver.

Mas a isso chamamos estratégia (στρατηγία em grego, stratégie em francês). Depois de apanhar por longuíssimos minutos, horas talvez, Ali cansa Foreman. Este está exausto de TANTO BATER, enquanto Muhammad, protegido pelas cordas, ainda está de pé.

Papéis são invertidos. Ali passa a castigar impiedosamente o queridinho dos WASPs (termo para protestantes brancos anglo-saxões). Inteiro, apesar dos socos, murros, ganchos e jabs, parte pra luta franca e alcança o que parecia impossível: JOGAR GEORGE FOREMAN no CHÃO, NA LONA.

O impávido Muhammad Ali sobrevive aos golpes de direita de Foreman e obtém o triunfo que marcou para sempre a história da nobre arte.

Décadas depois, Ali acende a pira Olímpica em Atlanta, 1996. George Foreman vende grills.

Já estivemos nas cordas tempo demais. Resta agora o contra-ataque.

Ali Bomaye! Ali Bomaye!

Walter Hupsel para o Microphonia.

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!