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A Poesia Ácida de Charles Bukowski

Reverendo T aka Tony Lopes
Microphonia
Published in
9 min readAug 14, 2020

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Comecei a ler Charles Bukowski há mais de 30 anos. Eram dias ainda bem estranhos, mais até que esses atuais. Espero que não voltem a se repetir. Mas parece que...

Já sabia um pouco sobre a solidão. Sobre a dor só aprendi algum tempo depois, e em doses generosas e até violentas.

A bebida era o elo que ligava uma coisa a outra, e Henry Chinaski era um dos poucos companheiros das horas mais lúcidas ou daquelas mais insanas.

Às vezes muitas, só eu e ele.

Foi paixão eterna. O escritor que mais li. Devorei com voracidade todos os seus livros lançados no nosso país tropical.

Li tudo que foi editado e traduzido aqui. E logo percebi que havia muito mais ali, porque ele sempre falava em "leituras" de seus poemas e suas poesias.

Mas tudo que podíamos ler eram seus contos e/ou romances. Esperei muito até poder botar meus olhos (que a essa altura já não eram mais dois) nas tais “poesias”. As primeiras que li não me impactaram.

Esperei muito até encontrar algo melhor...

Finalmente tive a sorte de me bater com as traduções/versões feitas por Fernando Koproski. Um grande tradutor e poeta do Paraná.

E daí surgiu um novo desejo: torná-las músicas. E o mais difícil, feitas por mim.

A sorte, enfim, sorriu e me pegou numa fase que acabara de descobrir as facilidades de um aplicativo musical. Ele me propiciou a chance de fazer “músicas” ou MiniSongs como preferia chamá-las.

O resto foi fácil, mesmo porque nunca fui muito exigente. Só deixei as palavras saírem da minha boca com o suporte musical da minha banda virtual: Os Elefantes Elegantes.

Esse foi o primeiro cd dos Elefantes Elegantes que ganhou suporte físico em uma edição limitada da Trinca (Brechó Discos / BigBross Records / São Rock Discos). Com uma capa caprichada de Bruno Aziz e produção gráfica de Wilson PdM Santana.

Então, aproveite! Procure. Você pode encontrá-lo navegando na escuridão.

Ou aqui:

https://brechodiscos.bandcamp.com/album/os-elefantes-elegantes-mergulham-na-poesia-cida-de-charles-buk

Apesar de autorizado por Koprosky, os direitos do livro que pesquei os poemas que usei, pertencem à uma editora. Por isso, ele, o disco, continua vivendo nas sombras.

E convenhamos, ainda não é à altura do velho Buk, apesar de alguns acertos.

Talvez você esperasse algo diferente do que ouvirá, se ouvir.

Mas o velho safado era, e é, bem mais amplo e profundo que qualquer marinheiro de primeira viagem possa supor.

Tudo que eu queria e quero, é mostrar ao mundo, ao menos o meu, que Buk era muito mais que simples pornografia e escracho.

Havia muito mais ali e os seus escritos, agora musicados, podiam provar isso. Preferi fazer recortes. Olhar para o menos óbvio.

Gustavo Rios, um grande escritor baiano e amigo que compactuava das mesmas ideias, topou a brincadeira, na época, de fazer uma entrevista com Koproski. Ela está aí, logo abaixo, publicada aqui pela primeira vez.

O resto fica por sua conta, caro leitor/ouvinte.

O curitibano Fernando Kopropski é poeta e tradutor. Publicou os livros de poemas, Manual de ver nuvens(1999), O livro de sonhos (1999) e Passagens - Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do Paraná, 2002), entre outros. Abaixo, ele conversa conosco sobre o trabalho realizado com os poemas de Charles Bukowski.

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GUSTAVO RIOS – Fale um pouco sobre a sua ligação com o Bukowski. As traduções vieram como um simples trabalho ou de fato há uma ligação artística com o “velho safado”?

FERNANDO KOPROSKI – Sim, acho que há uma ligação artística com o velho Buk. Primeiro como leitor de seus livros de prosa, pois até então não havia no mercado brasileiro traduções de seus livros de poesia. Depois com o passar dos livros, fiquei curioso em saber se o autor era realmente poeta, pois sempre referia a si mesmo dessa forma em seus contos e narrativas, quando se colocava na figura do alter-ego Henry Chinaski. Quando conheci seus livros, estava morando fora do país e trabalhava como kitchen potter (lavador de pratos) num restaurante londrino. E então percebi que esta realidade que eu vivia tinha tudo a ver com o cenário dos poemas do velho Buk. Apesar de ser outra realidade, não o cenário americano dos subempregos de 1960-70, a realidade dos subempregos dos anos 2000 na Inglaterra guardava diversas similaridades tais como a jornada de trabalho longa, pesada e mal remunerada, e principalmente no tocante às relações pessoais, pois certamente havia o mesmo desprezo com que o empregador tinha para com os seus funcionários que “ralavam” 13 horas por dia nesses subempregos. Diante de tudo isso, a poesia do Buk não só traduzia o meu momento, ela me significava e já me direcionava para uma fuga idealizada dessa realidade opressiva.

G.R. – Citando uma frase sua numa de suas entrevistas, em que você fala que o afastamento das pessoas da poesia tem a ver mais com os poetas que, a priori, se afastam das coisas que significam algo para elas, do que das pessoas em si. Você acha que o “sucesso” de Bukowski tem a ver justamente por ele não ter se afastado do sentimento comum do ser humano?

F.K. – Com certeza. Em primeiro lugar devido à temática universal de todo e qualquer ser humano que não tenha nascido em berço de ouro, isto é, a condição social e todos os implicativos existenciais de todo indivíduo que precise trabalhar pra viver, e em segundo lugar devido à linguagem extremamente simples, muito comunicativa e convidativa, é que vejo a eficácia com que a poesia do autor encontra cada vez mais leitores entre nós brasileiros e seja um sucesso não somente aqui, mas em muitos outros países de culturas as mais diferentes.

G.R. – A prosa de Bukowski, assim como sua poesia, parece chamar a atenção das pessoas, não pelas qualidades literárias em si, mas sim pelo estereótipo que o enquadra como um escritor “underground”. Na sua tradução pude notar que você buscou ampliar esse horizonte. Essa percepção, que partiu de você, foi intencional ou nessa tradução foi preciso um distanciamento profissional e apenas buscar a palavra certa na tentativa de transcrever os textos, sem tomar partido?

F.K. - Naturalmente tomei partido nesses dois trabalhos de tradução, tanto na seleção de poemas e tradução da primeira antologia poética “Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005)”, quanto na seleção e tradução dos poemas integrantes da segunda antologia poética “Amor é tudo que nós dissemos que não era (7 Letras, 2012)”. Foi intencional essa minha idéia de mostrar não só o Bukowski comumente conhecido por nós brasileiros (sobretudo por seus livros de prosa, quando é focalizado sob a personagem Chinaski no cenário underground), como também mostrar outros bukowskis: o lírico desencantado, cantor ultrarealista, repórter melancólico e nostálgico das vicissitudes do cotidiano, e poeta capaz de escrever coisas ternas e até mesmo sentimentais, mas nunca de forma piegas, sempre com uma visada poeticamente interessante, e muitas vezes bem humorada também.

G.R. Tenho uma teoria esquisita em que digo que, ainda que Charles Bukowski fosse um singelo corretor de seguros que tivesse a sorte de ser publicado, sua literatura seria reconhecida. O que você acha disso? A vida do escritor, nesse caso, caso fosse isolada de sua obra, diminuiria seus méritos? Ou podemos afirmar que o velho Buk seria um escritor notável, caso não tivesse vivido o que viveu?

F.K. – Parece que a sua biografia sempre esteve servindo para sua literatura, alimentando-a, bombeando gasolina nos incêndios aos quais a alma se aproximava, e se sentia tentada ou então fascinada pela verdade exata, e a beleza e velocidade de queimar do fogo... Acho que vida e literatura nesse caso são indissociáveis. Não que a biografia deva ser reproduzida ipsis literis na obra, pelo contrário, ela existe para ser filtrada, distorcida, amplificada pelo autor conforme seus desejos e “delitos” literários. E caso ele tivesse sido corretor de seguros ao invés de carteiro, boas histórias também não faltariam, pois certamente ele estaria observando e traduzindo outras relações humanas em sua obra...

G.R. – A musicalidade – algo que notei nas traduções feitas – me parece presente em ambos os livros. Você acha que a marca do tradutor deve ditar o ritmo da obra de outro? E como lidar com isso?

F.K. – Acho que um poema traduzido para a língua portuguesa, deve soar aos olhos do leitor exatamente (ou o máximo possível) como um poema que tivesse sido escrito originalmente em português. De modo que quando encontro momentos em que posso ou devo adaptar uma imagem (ao invés de simplesmente traduzi-la literalmente) para melhor representar a imagem que o texto original me proporciona, não tenho pudores em “reescrever” aquela passagem do texto em inglês. E se nesse esforço de “reescritura” a musicalidade surge e se faz presente, é porque poesia do autor me dá essa abertura. Possivelmente a poesia do Bukowski conversa com a minha (a do Fernando Koproski poeta), e por isso às vezes dela se alimenta (através de procedimentos musicais como ritmo, assonâncias etc) ou a alimenta com sua lírica imbatível.

G.R. – E sobre suas obras e projetos futuros? Fale-nos mais sobre eles.

F.K. - Escrevo livros de poemas também. Já publiquei uns 9. O último se chama “Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009)”. E faço letras de música, tenho composições gravadas em parceria com músicos de Curitiba, tais como Carlos Machado, Alexandre França, Renato Quege e Téo Ruiz. Já montei e traduzi uma antologia poética do Leonard Cohen: “Atrás das linhas inimigas de meu amor (7 Letras, 2007)”, outro caso de escolha pessoal e afetiva vinculada ao trabalho de tradução. Mas fundamentalmente me vejo como um escritor de versos... Tenho 2 livros para serem publicados que acho que “traem e traduzem” bem o Fernando autor. Um se chama “Retrato do artista quando Primavera” e o outro “Retrato do amor quando verão, outono e inverno”. E é isso. Como já disseram: para um sonho, uma vida é pouca... Mas a gente insiste no sonho. E de saideira, um poema meu do “Retrato do artista quando Primavera”:

Canção de amor e ódio

onde você estava que ainda

não notou que em Curitiba

suicida que é suicida ama a vida

só não vê sua paixão correspondida

onde você estava que ainda

não notou que nós passamos a vida

sonhando em se mudar desse lugar

mas quando chega a hora da partida

ah, a gente ainda hesita demais

às vezes diz que vai mas não vai

até que um corvo suspira: nunca mais

e a gente vai pra São José dos Pinhais

mas se o sol hesita, a gente aflita

dessa cidade só pensa em se matar

de vinho, vodka, solidão, neurose

tomo nas veias uma overdose de inverno

e sonho em ser eterno uma vez mais

e sonho em ser eterno uma vez mais

e sonho em ser eterno uma vez mais

e sonho em ser eterno uma vez mais

antes que mais uma vez eu repita

Curitiba, um novo toc agora tanto faz

mas dá um tempo nessa obsessão

de fazer eu te levar nas costas, no coração

não espero que você um dia coincida

com minha dor, só quero que você

deixe de ser nos versos convencida

eu sonho em ser eterno só uma vez na vida

Fernando Koproski

Fernando Koproski nasceu em Curitiba, em 22 de janeiro de 1973. Publicou os livros de poemas: Manual de ver nuvens(1999); O livro de sonhos (1999); Tudo que não sei sobre o amor(2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do autor acompanhado pela guitarra flamenca de Luciano Romanelli; Como tornar-se azul em Curitiba (2004); Pétalas, pálpebras e pressas, livro selecionado para publicação pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (2004); e Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009).

Participou das antologias Passagens – antologia de poetas contemporâneos do Paraná (Imprensa oficial do Paraná, 2002) e Moradas de Orfeu (Letras contemporâneas, 2011).

Como tradutor, selecionou, organizou e traduziu as Antologias Poéticas de Charles Bukowski Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005) e Amor é tudo que nós dissemos que não era (7 Letras, 2012), bem como a Antologia Poética de Leonard Cohen Atrás das linhas inimigas de meu amor (7 Letras, 2007).

Lançou o CD Poesia em Desuso, registro ao vivo do recital que fez com o músico e compositor Alexandre França, apresentando poemas autorais, traduções e sua parceria musical, em 2005.

Como letrista, tem composições gravadas por: Beijo AA Força no CD Companhia de Energia Elétrica Beijo AA Força (2003); Alexandre França no CD A solidão não mata, dá a ideia (2006); Casca de Nós no CD Tudo tem recheio (2006); e Carlos Machado nos CDs Tendéu (2008), Samba portátil (2011), Longe (2012), Los amores de paso (2013) e no DVD Longe e outras canções (2013).

Graduado em Letras Inglês pela UFPR, fez mestrado em literatura de língua inglesa na mesma instituição, com a dissertação Flores das Flores para Hitler sobre a obra poética de Leonard Cohen, em 2007.

Tony Lopes para o Microphonia.

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Reverendo T aka Tony Lopes
Microphonia

escrevo blasfêmias , orações e letras de músicas que poucos irão ouvir.