GINGERHEAD

Arrume Um Título Pra Isso!

Rogerio Rios
Microphonia
Published in
4 min readJul 21, 2020

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Eu tenho um filho de cinco anos. Os interesses de um garoto tão jovem mudam muito rapidamente e Pedrinho realizou uma rápida transição em suas preferências musicais. Foram poucos meses que o separaram entre a torturante Galinha Pintadinha e a sistemática execução das músicas do Ronnie James Dio, em sua fase super heavy.

No início, eu adorava. Sou (ou costumava ser) um grande entusiasta do Metal Clássico. Mas a compulsão repetitiva, própria de uma criança nessa fase, rapidamente me fez detestar todo o álbum Holy Diver, que não suporto mais nem ver a capa. Eventualmente, essas audições foram diminuindo até que fosse descoberto os Twisted Sister. Com visual espalhafatoso e seus riffs pegajosos foram roubando o lugar de Dio, e na sequência, ele passou a apreciar o horrível Tenacius D, com aquele ator gordinho e metido a engraçado. Acho que o nome dele é Jack Black. Não consigo lembrar de seu nome sem ter que recorrer ao Google, apenas porque eu passei a detestá-lo com todas as fibras do meu ser.

Até aí, tudo beleza. Afinal, todo pai deve vivenciar essa fase, em que os filhos ouvem ou assistem a mesma coisa até que o nosso saco escrotal entre em colapso.

Sem surpresa alguma de minha parte, num belo dia, Pedrinho já não estava mais ligado no heavy metal ou no rock farofa. Suas tendências melódicas haviam degringolado para o pop. Inevitavelmente, ele seria logo fisgado pelo maior representante deste gênero em todos os tempos. E tome-lhe Thriller, Billy Jean, Smooth Criminal, Beat It na orelha de sexta à domingo.

Audiovisualmente, ali estava tudo completo para ele. Tinham os clipes, o visual colorido e as incríveis coreografias. Eu até comprei uma camisa do Olodum, calça jeans e um falso Ray Ban infantil para que Pedrinho pudesse executar os movimentos do They Don’t Care About Us (aquele clipe filmado aqui no Pelourinho) com mais propriedade.

Certa feita, num churrasco de domingo ensolarado e povoado de amigos e parentes, chegou a hora de meu pequeno herdeiro demonstrar o quanto havia aprendido daqueles movimentos inumanos que apenas o Michael poderia fazer sem parecer um completo idiota. Na ocasião, havia acabado de sair um documentário chamado Leaving Neverland, onde se fala sobre coisas bem pesadas e suspeitas desagradáveis sobre o cara que inventou aquele passinho de andar pra trás. Meu filho, que já estava com todo o seu kit preparado, iria dançar para o entretenimento de tios e tias, que já batiam palmas antes mesmo do primeiro movimento. Ao soar do primeiro acorde, meu irmão mais novo me fez um questionamento perturbador: você vai permitir que o seu filho seja fã de um pedófilo?

Aquela interpelação me pegou desprevenido. Em um estado mental de como quem toma um soco no juízo, um misto de fala sério com que porra é essa. Tentei justificar duvidosamente, afirmando que nada havia sido provado na justiça e que o Michael não estava mais vivo para poder se defender das acusações.

Calmamente, meu irmão apenas me recomendou: assista ao documentário.

Obviamente, assisti. Não quero e nem vou entrar no mérito da reportagem.

Mas a primeira e mais contundente questão que me vem em mente é: assumindo que o astro fosse culpado, podemos mesmo assim curtir a sua obra em detrimento do que ele fez? Ou vamos repudiar o criador junto com a sua criação? Tem legitimidade uma arte produzida por um monstro? Fui severamente inundado de dúvidas e questionamentos que não cabiam naquele momento, depois de umas geladas na mente.

Conheço gente que parou de ouvir The Smiths, depois de saber sobre o posicionamento político de Morrissey. O mesmo acontece em relação ao Pantera, Rodolfo, dos Raimundos e mais um monte de artista, que numa hora ou em outra contrariou parte de seus seguidores. E essas sanções (ou sansões? Ah, você entendeu!), esses boicotes, se baseiam em coisas muito menos graves do que os crimes de cunho sexual que foram imputados à Michael Jackson.

Essa batata é quente e ninguém quer segurar, pois ela é recheada de controvérsias e abre alas pra um monte de conjecturas filosóficas, que podem ser polêmicas demais até mesmo para se posicionar em qualquer que seja a ponta desse espectro.

Mas, como já diria aquela atriz brasileira de novelas, como é mesmo o nome dela? Aquela que casou com o Fábio Júnior… Eu prefiro não opinar!

E o personagem central dessa pequena crônica, Pedrinho, já não quer mais saber do pop e nem de dançar break. Posso garantir que não tive influência alguma nisso. Ele agora está numa outra fase. Numa parada mais irritante e incompreensível ainda: a merda do MineCraft!

Rogério Rios para o Microphonia.

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Rogerio Rios
Microphonia

Ilustrador Publicitário, Redator de HQ, Cantor do Kabessas de Gengibre, Cervejeiro Praticante, devoto à arte, adorador da cultura e adepto à consciência.