SELF FISH

“Aventuras Submarinas”

Paulo Peixe
Microphonia
Published in
4 min readJul 28, 2020

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Photo by Engin Akyurt from Pexels

Eu tava aqui me fingindo de morto, mas o patrão me cobrou o texto pro blog e, na falta de assunto melhor (as notícias ainda não são nada boas), vou tentar contar duas estórias que eu, filho caçula, ouço desde muito pequeno, sobre a minha, digamos, pré-história.

Pouco tempo depois do casamento, meus pais decidiram que era hora de ter filhos e não pouparam tempo. Num intervalo de pouco mais de quatro anos, tiveram três meninas e, ainda no curso da licença maternidade, que eu nem sei se já existia, pra encerrar, emendaram uma quarta gestação, gerando dessa vez um menino, batizado com o mesmo nome do pai, acrescido do usual “Júnior”. Não, ainda não fui eu. O Júnior no caso é meu irmão, que será o personagem central das duas estórias que vou contar.

A primeira aconteceu quando minha mãe, certa noite, estava tentando fazer com que ele aprendesse a rezar, antes de dormir, coisa que ela, muito católica, sempre gostou que fizéssemos. Depois do “Pai Nosso” e da “Ave Maria”, que ela ditava e ele repetia, ela pediu que ele fizesse os agradecimentos e pedidos que quisesse, com as palavras que quisesse. Então, pra surpresa de minha mãe, ele pediu um irmão!

Seria uma estória fofa, se terminasse assim, mas, vejam, ele não pediu um irmão qualquer. Nada disso! Levando altamente a sério o poder da sua oração livre e espontânea, o cara caprichou e pediu um irmão com as seguintes características:

a) que já nascesse com a mesma idade dele, quatro anos;

b) que tivesse o mesmo tamanho que ele;

c) e, principalmente, viesse vestido com traje e equipamento completo de mergulho, incluindo óculos, nadadeiras, roupa de borracha e até cilindro de oxigênio.

Em resumo, o que ele queria, mesmo, era que Deus mandasse pra ele um equipamento de mergulho profissional, em miniatura. O irmão, ou seja, eu, só servia pra trazer a encomenda, era só o portador, sacou?

O pedido pode parecer estranho (e era), mas naquela época, a TV exibia um seriado chamado “Aventura Submarina”, cujo personagem principal era um mergulhador “ex-oficial da marinha americana, que agora trabalhava independentemente, combatendo vilões, salvando projéteis nucleares e pilotos da força aérea, apanhando crianças perdidas em cavernas inundadas, entre outras” (valeu, Wikipedia). Seu nome era Mike Nelson, por quem meu irmão era fascinado. Tão fascinado a ponto de, mesmo não tendo piscina em casa, passar horas e horas brincando de mergulhador e se arrastando pelo chão do quarto, como se estivesse explorando as profundezas do oceano. E, pra caracterizar melhor o personagem, ele roubava um sutiã de minha mãe, colocava nas costas e fingia que eram os seus cilindros de oxigênio.

Pois bem, resposta ou não às orações de meu irmão, o fato é que minha mãe, pouco tempo depois, descobriu que, inesperadamente, estava grávida e, aqui, começa a outra estória. Felizes (foi o que me disseram), mas ainda surpresos, meus pais pediram a ajuda dos meus irmãos, pra escolherem juntos o nome que viria a ser meu.

Naquele tempo, não tinha esse negócio de ultrassom neonatal e só se sabia o sexo do bebê na hora do nascimento. Assim, a escolha do nome era feita na base do “se for menina é fulana, se for menino é beltrano”. Nunca perguntei qual seria a opção, se eu tivesse nascido menina, mas sei que a escolha do nome “se for menino” foi motivo de desavença familiar.

Meu irmão, absolutamente convicto de que a sua oração tinha sido atendida, achava que Mike Nelson era a opção mais óbvia e natural e já ficou meio puto quando a escolha foi recusada (obrigado, mãe!), com a desculpa de que não poderia ser um nome estrangeiro. Descartados os nomes gringos, o que deve ter me livrado de muitos constrangimentos, sugestão vai, sugestão vem, nome nenhum conseguia empolgar, até que ele teve uma ideia que acreditava ser brilhante.

Ídolo, tanto dele, quanto das minhas irmãs, cantor famoso e querido por todos, inclusive por meus pais, Roberto Carlos, ainda por cima, era um nome composto, característica frequente nas certidões de nascimento da família. Era o nome perfeito e irrecusável, mas, inexplicavelmente, minha mãe recusou (obrigado, outra vez, mãe!).

Pra quê?! Meu irmão pirou, dizendo que se ele não tivesse rezado, eu não existiria, que, por isso, ele tinha o direito de escolher o meu nome e, já que não podia ser Mike Nelson, tinha que ser o nome do cantor que ele gostava e blá-blá-blá… Foi quando minha mãe, então, resolveu homenagear outro cantor de nome composto, não tão famoso quanto o rei, mas, na época, também bastante conhecido.

A decepção de meu irmão quando eu, Paulo Sérgio (mais uma vez, obrigado, mãe, por não ter escolhido Wanderley Cardoso!), cheguei ao mundo pequeno, pelado e sem equipamento de mergulho, deve ter sido enorme, mas, ao que parece, foi rapidamente superada. Pouco tempo depois, ele já estava me ensinado a mergulhar e me guiando em longas expedições submarinas pelo chão da casa, devidamente equipado com o “meu” próprio sutiã de oxigênio nas costas. E o primeiro sutiã a gente nunca esquece, certo?

É isso!

Paulo Peixe para o Microphonia.

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Paulo Peixe
Microphonia

Um peixe fora d’água, tentando aprender a respirar