ON THE ROCKS

Cure For Pain

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
3 min readJul 16, 2020

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Myth of Cube 05–1002 — Jai Kwan Kim2005

“A vida sem música seria um erro”, teria dito a frase mais manjada e chavão de Nietzsche. Batida, pronunciada e falada aos quatro ventos, mesmo assim a frase se torna mais e mais verdade para mim.

Foi a volta à cena de Salvador, depois de duas décadas em São Paulo e de uma dolorosa distância de minha filha que lá ficou, que me ajudou a sobreviver aos turbilhões de medos, depressão e profundas tristezas. Foi em uma noite qualquer que um amigo de Hamburgo me chamou para ir à casa de um bróder dele onde“iríamos fazer um som”.

Foi lá, com muitos músicos e quantidade inominável de cervejas, que comecei a me reaproximar da cena, dos sons e mil tons de Salvador. Essa cidade que sempre odiei, agora criava em mim um sentimento de pertença pela primeira vez. Ali estava o Clube dos Bons Sons, estava em germe o nosso projeto do Microphonia (nunca imaginaríamos) e também, ainda mais inimaginável, minha banda, ¡Mis Putas Tristes!

Embora a música sempre tenha feito parte da minha vida, eu nunca quis ser músico e muito menos rockstar. As inúmeras bandas que tive eram apenas diversão de um diletante, cuja catarse depende muito das ondas sonoras.

Nessa semi-quarentena que estamos vivendo, na qual ver os amigos e fazer um despretensioso som fica cada vez mais longe, me dediquei completamente à música. Compus algumas e estou aprendendo a mexer nos softwares de edição. Também tive a primeira música realmente “lançada”, a auto-intitulada Mis Putas Tristes.

E, sem muita cabeça para leituras sérias, estressado, angustiado e, por que não dizer, desesperado, todo meu tempo livre é dedicado à música de alguma maneira, seja ouvindo compulsivamente, seja vendo vídeos de gadgets, seja tentando escrever letras e compor melodias.

É assim que estou sobrevivendo, com muitos arranhões e hematomas, mas sobrevivendo.

Essa semana tem sido especialmente difícil, ouso dizer a mais difícil em anos. A pertença à cidade não existe, a dor da distância é incomensurável. Clarice fará 8 anos em dez dias e não a vejo desde janeiro. Ela, como toda criança, tem sofrido bastante com o isolamento social, sofrimento agravado sobremaneira pela distância. Está mal, com crises de ansiedade, cada vez mais agressiva com outros e consigo mesma, chegando a se ferir propositadamente, não conseguindo racionalizar e muito menos se expressar.

Além de nunca ter passado tanto tempo longe de minha filha, não a verei sequer no aniversário dela. Tenho chorado copiosamente essa semana inteira, tenho ouvido Pavement (uma banda que ela adora!) o tempo todo e tomado ansiolíticos nos picos de desespero.

Eu não estou mais aguentando….. Nada faz sentido, nada é justo.

Só queria vê-la, tomar um sorvete, fazer caretas, abraçá-la, rodopiar pelo aeroporto. Não posso e por isso o fundo do poço chegou, ao menos por enquanto.

Resta-me a música, resta-me cantar, com pulmões apertados, I hope some day…. there will be a cure for pain.

É assim que estou sobrevivendo! Sem música, não haveria vida.

Walter Hupsel para o Microphonia

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!