GINGERHEAD

Deixe o Seu Láique Pra Lá

Rogerio Rios
Microphonia
Published in
3 min readSep 30, 2020

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Uma conhecida, muito próxima de minha família, a qual não convém citar o nome aqui, até bem pouco tempo, desfrutava de um status de celebridade de nicho. Eu diria, subcelebridade. Mas o sufixo sub dá um ar meio pejorativo às palavras, trocando em miúdos: ela tinha mais de 20 mil seguidores no Instagram.

Embora, eu ainda não tenha certeza como (ou se) ela conseguiria capitalizar esse contingente, algo para mim estava muito claro: qualquer pessoa que tira várias dezenas de selfies antes mesmo de tomar o café da manhã e gasta duas voltas de ponteiro de relógio editando essas imagens, para depois expô-las para um populacho desconhecido, esse alguém é sério candidato à uma vaga no Juliano Moreira.

Acontece que Karen (vamos chamá-la assim) estava completamente imersa nesse frisson de láiques e comentários, que em sua interpretação distorcida da realidade, davam sentido à sua existência. Seus seguidores se tornaram seus confidentes, sua companhia, seus conselheiros. A ponto de tomarem toda ordem de decisões por ela. Karen fazia enquetes que variavam entre escolher a cor do modelito que iria usar no shopping e até mesmo para onde deveria ir em suas férias. Seu mundo estava reduzido à sua telinha e o seu amor próprio dependia da validação que obtinha naquela rede social.

Para efeito de registro, estamos em 2020…

E se até mesmo eu e você, que nos encontramos dentro do espectro da sanidade, piramos de vez em quando com esse isolamento e limitações impostas pelo Covid… imagine Karen!

Pois é… ela despirocou forte! A ponto de ser retirada para internação usando uma beca nada glamurosa, uma camisa de força (isso rolou mesmo!). Em meio ao tratamento, em que ela precisou administrar uns fármacos de tarja preta, foi determinado que seriam apagadas todas as suas redes sociais e depois de várias semanas, ela começa a apresentar uma tímida melhora em seu estado, nesse detox forçado.

Mas porque estou falando da história dela aqui? Karen tem vinte e poucos anos e já nasceu em meio ao advento internético rexitégue social media. Que de social, tem muito pouco. Mas nós, roquistas, da geração raiz, não temos desculpa. Estamos caindo na mesma armadilha. Medindo o nosso sucesso e satisfação pessoal pelo número de láiques, de seguidores, de comentários… de acessos.

Essa falta de engajamento nas redes não deveria nos desmotivar. Qualquer adolescente de bikini recebe um número desproporcional de atenção nessas novas mídias, enquanto projetos de arte e cultura mínguam, com pouquíssima ou nenhuma repercussão.

Bote a mão na consciência e dê-se conta do óbvio: a imensa maioria das pessoas gosta de porcaria. Elas param para ver o acidente automobilístico, elas falam da vida alheia, elas param em fila dupla e vão ao banheiro e não lavam as mãos! Admito que não estou muito no astral de coach por esses dias… e embora não pareça, estou aqui em apoio a todo mundo que não vê o seu plano cultural decolar.

Falo da beleza que é uma iniciativa como o Clube Dos Bons Sons, Microphonia e até mesmo do meu projeto Quer Que Eu Desenhe, no Youtube. Escrevo para mim e para você, que só chegou até aqui porque é alguém com sensibilidade e que gosta de boa música, de arte e cultura. Estamos como Leônidas e os 300, enfrentando o exército Persa. E se a derrota é certa, a luta também é. E de que importa se falhamos em viralizar, se não lotamos os nossos shows, de que importa se a sua arte, que exprime o que de melhor reflete a sua alma, não recebe determinado número de curtidas que se espera?

Para essas questões acima, eu deixo um foda-se. Mas sem revolta. Sem queixa.

O que me conforta é que Karen já se deu conta de que não precisa de uns numerozinhos ao lado do ícone de polegar pra cima. E nós, tampouco.

Rogério Rios para o Microphonia.

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Rogerio Rios
Microphonia

Ilustrador Publicitário, Redator de HQ, Cantor do Kabessas de Gengibre, Cervejeiro Praticante, devoto à arte, adorador da cultura e adepto à consciência.