SELF FISH

(Don’t) Do It Yourself

Paulo Peixe
Microphonia
Published in
4 min readJun 22, 2020

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Not Magritte.

Faz mais de um mês que escrevi meu último texto pro Microphonia. Prometi, então, que só falaria de coisas boas. Continuo sem assunto pra cumprir minha promessa, mas, por insistência do patrão, Júnior Vaz, e pra garantir o gordo salário que ele me paga, segue um relato pessoal sobre um tema mais ameno.

De tudo que você passou a fazer por conta própria nessa quarentena, qual foi o seu maior fracasso?

Eu tenho colecionado vários, de todos os tipos e graus, de desastres culinários a queimaduras, passando pela má utilização de produtos de limpeza. Fracassos que vieram se somar a todos os outros que acumulei ao longo da vida, mas, no momento, não vêm ao caso.

Pois bem, de todas as tarefas que me propus a cumprir por conta do isolamento, nenhuma delas foi tão mal sucedida quanto as tentativas (sim, no plural) de cortar os meus próprios cabelos.

Antes de narrar as agruras desse novo empreendimento, preciso dar algumas informações prévias, pra contextualizar o drama. Pra começo de conversa, sou um careca com cabelos encaracolados, sempre fui. Quer dizer, não tenho uma calvície muito acentuada, daquelas que fazem você virar ponto de referência (“é logo ali, do lado daquele careca”), mas nunca tive uma cabeleira cheia e farta, nem na infância, nem na adolescência. Mesmo nas vezes em que tentei deixar os cabelos longos, quando os cachos pareciam ficar volumosos, bastava uma chuvinha, ou uma transpiração mais intensa, para eles “murcharem”, deixando à mostra quase a totalidade do couro cabeludo. Já viu algodão-doce molhado? É mais ou menos isso.

Por causa dessa característica, não gosto de cortar os cabelos muito curtos, com máquina. Já fiz isso, algumas vezes, mas nunca gostei. Sempre acho que fico parecendo um caroço de umbu, depois de chupado.

Então, recorrer ao uso da máquina, como muitos têm feito, pela praticidade, não foi uma opção.

Pra me desencorajar mais ainda, não tenho uma máquina apropriada pra cortar cabelos e o aparador de pelos que comprei numa dessas lojinhas de bugigangas made in China (voltarei a falar dele, mais adiante) é visivelmente inepto pra essa tarefa. Até pensei em comprar uma máquina decente, pela internet, pensamento que as infindáveis propagandas na tela do meu computador não me deixam esquecer. Porém, não levei a ideia adiante.

O jeito, então, foi apelar pra boa, velha e surpreendentemente indomável tesoura. Sério! Poucas coisas na vida devem ser tão enlouquecedoras quanto tentar manusear uma tesoura em frente a um espelho! Ela simplesmente não obedece! Você quer virar pra direita, ela vai pra esquerda, você tenta inclinar pra um lado, ela vai pro outro. A imagem invertida do espelho causa uma confusão tão grande, que cérebro e mãos simplesmente não se entendem. Vencido pelo cansaço e depois de quase cortar, algumas vezes, um pedaço das orelhas, desisti.

Dias depois, inconformado, bolei um plano que parecia infalível e, em plena noite de sexta-feira, parti para outra opção, menos perigosa e, aparentemente, mais fácil: usar o aparador de pelos made in China (eu avisei que ele voltaria).

Projetado para aparar barbas, bigodes, cavanhaques, costeletas e, (por que não?) pentelhos, o bravo China, normalmente, não teria forças nem tamanho para cumprir a tarefa desejada, mas nada que a humildade, a força de vontade, a imaginação e algumas doses de uísque não fossem capazes de superar.

Confiante, mas ciente das minhas limitações, resolvi concentrar os esforços nas laterais, contornando, pelo tato, as orelhas (já recuperadas do susto causado pela tesoura psicopata) e usando-as como referência, pra conseguir um corte na mesma altura em ambos os lados. Antes, porém, muito sagaz, molhei os cabelos, pra que o efeito algodão-doce tornasse mais fácil a tarefa. Voilá! Ficou perfeito… até secar.

Vejam bem, de certo modo, a missão foi cumprida. O local por onde a máquina passou ficou quase razoável. O problema era o resto, que continuava grande e as laterais superiores, ainda intactas, cada uma em uma altura diferente, contrastando com a área aparada e evidenciando o fracasso total da utilização das orelhas como referência de simetria.

O melhor e mais certo a fazer seria desistir e aguardar o fim da quarentena pra procurar um profissional, mas o olhar incrédulo de minha mulher e as gargalhadas de minhas filhas feriram meus brios. Perdido por um, perdido por mil, pensei. Na noite seguinte, antes do banho, a mesma estratégia: uísque, as laterais dos cabelos molhados e o China, mas, dessa vez, afastado das orelhas, usando apenas o instinto para aparar a parte superior. Diz o provérbio: “não há bem que sempre dure, nem mal que não se acabe”, ao que eu acrescento “mas, sempre pode piorar”.

Derrotado e ridículo, parecendo uma versão live action do vilão de “Meu Malvado Favorito 3”, passei por cima do meu orgulho e pedi ajuda a minha mulher, que, depois de se recuperar da crise de risos, manejando a tesoura com uma imperícia pior que a minha, mas com a vantagem de não precisar de espelho, aparou aqui e ali, consertando, dentro do possível, o estrago que eu tinha feito.

Continua uma merda, mas, pelo menos, como co-autora da obra, ela já consegue me olhar sem rir. As minhas filhas, ainda não. É isso.

Paulo Peixe para o Microphonia.

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Paulo Peixe
Microphonia

Um peixe fora d’água, tentando aprender a respirar