ON THE ROCKS

Dores e Delícias

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
3 min readJun 8, 2020

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Aos domingos eu costumava ir à Fonte Nova ver meu Bahêa. Morei tanto tempo fora que tenho uma sede eterna de ver o esquadrão em campo, uma tentativa infrutífera de recuperar um tempo perdido longe de uma de minhas paixões.

Esse domigo, dia sete de junho, não teve visitas e nem futebol, mas teve manifestações antirracistas e antifascistas que começaram no domingo passado por torcidas de futebol de São Paulo, e o dilema de todos: devo ir ou não?

Vi todas as opiniões possíveis nas redes sociais. Emicida defendendo o isolamento social, com razão, e Djonga falando para ir às ruas, também com razão.

Duas razões igualmente razoáveis e sem contradição alguma. Como isso é possível? Como duas ideias opostas podem serem racionais e ambas corretas e verdadeiras?

Vou passar longe de qualquer recurso às dialéticas, não é esse o ponto. A decisão sobre participar ou não de atos sempre foi de caráter estritamente individual, seja por vontade, por saber de riscos da violência policial ou — hoje — da pandemia do COVID.

O cálculo, individual, é o que está em risco versus o que se ganha indo às ruas. Não há formúla ou resultante, apenas sentimentos. Eu fui por vários motivos, sendo o principal o sentimento de impotência que tenho desde as eleições, um grito estupefato do “não é possível”, não é possível que só eu esteja vendo, não é possível que só eu esteja indignado, não é possível que só eu esteja com muito medo desse governo.

Já mencionei aqui que votei pela primeira vez nessas eleições, tamanha ameaça que enxergava. Infelizmente eu estava certo.

Tomado, portanto, por essa impotência e pelo choro não tão contido assim, eu resolvi ir e assumir os riscos. Mas, claro, fui de carro, comprei máscara N95, Faceshield e tudo mais que pudesse diminuir os riscos. Fui com muito medo, respirando um ar denso, pesado e viciado, estava na manifestação. É muito exaustivo pensar a todo momento: Quero ficar vivo!

Mas era para mim um dever ético MEU, de mais niguém. Cada um sabe as dores e as delícias de ser o que é, mas não me perdoaria se não fizesse coro à resistência antifascista NA RUA. Reparem bem, EU NÃO ME PERDOARIA. Só e simplesmente isso. Não tenho, e nunca almejei ter, capacidade de dizer ao outro como ELE deve se comportar.

Estive na manifestação e mesmo com todo meu aparato, não posso afirmar que estou seguro. Verei em 15 dias. Entendo (como se fosse necessário que eu ENTENDESSE — não é… foda-se eu), todos que ficaram em suas casas. São outros cálculos, outras necessidades e urgências. A minha urgência era mesmo beber a tempestade.

Assim sendo, viva a vida como conseguir suportar, lute o que conseguir lutar, faça o que lhe é possível fazer. O único imperativo é combater a serpente que está a armar o bote, é defender as liberdades e as múltiplas existências.

Quero ficar vivo! Quero continuar (aê Marcuse)! E até os fins dos meus dias, quero manter o dom sagrado da indignação. Se estão vocês indignados, estamos juntos, seja nas ruas, nas redes sociais ou nas conversas.

É só isso que importa, estar indignado. O resto? O resto vamos construindo, do jeito que conseguirmos.

Walter Hupsel para o Microphonia

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!