O CAMINHO DAS PEDRAS

Dubliners Irish Pub

Angela Cristina
Microphonia
Published in
6 min readAug 11, 2020

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O Último dos Moicanos

Imagem — Buzzy Music Content ( Noite do Irish Pub)

Disseram-me um dia desses que dos textos dos quais escrevo os melhores são as narrativas reais, as histórias, causos de personas, dos lugares e fatos que testemunhei. Talvez pela riqueza de detalhes que com que disserto os acontecimentos, talvez porque a vida alheia seja bem mais interessante que a nossa ou talvez seja porque as memórias tragam certo saudosismo e o deleite ao serem revividas.

Pois, bem! Resolvi fazer um breve relato sobre o DUBLINERS IRISH PUB. “O Último dos Moicanos” em redutos “undergrounds” da nossa modesta Soterópolis.

Quando Rolland Rolls (“o Gringo”, como muitos o chamavam) nos ligou num final de tarde nos pedindo para guardarmos em nossa casa o mobiliário do Irish Pub do Porto da Barra, dizendo que futuramente abriria um novo Irish no Rio Vermelho, não julguei que o espaço renderia 8 (oito) longos e intensos anos. Nem que se tornaria um grande fomentador da cena rock soteropolitana.

Logo após tal mudança, ele regressou para a Hungria para resolver questões familiares deixando as chaves do espaço nas mãos do seu sócio Luiz Pinto, conhecido como Lourão ou simplesmente Luiz do Pub… Que fazia questão de se apresentar como: Luiz com “Z”.

Foram quase três meses de muito trabalho para montar o esqueleto primário do que viria ser o Dubliners do período da sua efervescência.

Estrutura do Irish — Porto da Barra

No início tínhamos pouquíssimos recursos para a música, como qualquer estabelecimento que recebe apresentações musicais aqui na terrinha. Inclusive, na estreia isolamos o local que viria a ser o palco com uma cortina improvisada e a banda ÁGUA SUJA fez a PRIMEIRA apresentação da casa, próximo às mesas de sinuca, com o som básico que migrara do Porto da Barra. O restante dos equipamentos foi gentilmente cedido pelos músicos na ocasião, como: amplificadores, pedestais microfones, etc.

Com o seu proprietário longe, boa parte do processo de reforma e pouquíssimos recursos para abertura da nova casa, tivemos que nos “virar nos trinta” como dizem por aí. Rolland nos ligava praticamente todos os dias colocando pressão sobre a inauguração, dizendo que precisávamos abrí-lo para iniciar o “giro” no fluxo do bar. Então, trabalhávamos até tarde para que o prazo fosse cumprido e aberto em agosto como ele havia determinado.

Foi uma doideira!

Marcamos a data da inauguração para o dia 2 e então tivemos que adiá-la para o dia 10. Daí chamamos amigos da imprensa e formadores de opiniões para o debute do pub. Enviamos convites e todo o protocolo de documentos para o funcionamento básico.

Noite da Inauguração — Sem a Varanda ( Na foto RB (Lo Han) Rosi Marback ( Cantora de Blues), Alexandre Guimarães (fotógrafo jornalista), Pedrinho Rêgo (guitarrista) — Ely Pinto (Advogado), Ismael Marques (Advogado/Músico)

Acreditem! Na data prevista para a tão esperada abertura por volta das 18h não tínhamos NADA pronto, para um evento que começaria às 20h. Vocês já podem imaginar a loucura que foi. Num ritmo alucinado ainda trabalhavam eletricistas, marceneiros e pedreiros nos últimos retoques da estrutura.

Foi quando tivemos que literalmente colocar as mãos na massa e carregarmos vasos sanitários, encerarmos pisos, puxarmos fios, levarmos espelhos de casa e chegarmos ao milagre de abri-lo por volta das 21h.

Ufa!!! O que São Rock nos é capaz de fazer!!!

Oyama Bittencourt, Guiga Blues Rock (participação), Jerry Marlon e Hélio Rocha — Noite da inauguração com cortinas improvisadas. E sem palco e iluminação.

Exaustos, a turma do ÁGUA SUJA — até então formada por Brian Knave (bateria), Jerry Marlon (baixo), Hélio Rocha (Guitarrista e voz — 14⁰ Andar) e Oyama Bittencourt — que estiveram ligados diretamente em todo o processo de reforma e construção do espaço, fizeram um show primoroso fazendo com que os presentes não reparassem na arquitetura mambembe e tosca que a casa oferecia e sim no potencial de um novo espaço musical em Salvador.

Os cantores Ícaro Brito e Candice Fiais e a atriz Márcia Andrade — Ao lado, o palco improvisado para inauguração.

A partir daí tudo que aconteceu naquelas paredes virou lenda! Centenas de bandas e uma temporada de 05 (cinco) anos interruptos de todas as quartas-feiras do BLUES FREE SALVADOR, projeto capitaneado pela banda ÁGUA SUJA. Com uma afortunada JAM SESSION, receberam desde a luxuosa apresentação da diva canadense Down Tyler Watson até personas desconhecidas que transitavam na noite atrás de um bom blues.

Cantora de Blues (CA) Down Tyler Watson

O mais interessante é que as temporadas eram às quartas-feiras e começavam a partir, eu disse A PARTIR da meia-noite… e o público reclamava horrores, mas ficava aguardando para as assistir as apresentações.

O DIA EM QUE O ÁGUA SUJA VIROU ÁGUA SUJA

Lembro-me que uma daquelas noites com a casa totalmente lotada, sobre a gerência de David Roth, tivemos um problema no encanamento sanitário, os vasos transbordaram e ironicamente uma piscina de “água suja” inundou toda a casa. Nós pedíamos para as pessoas saírem e elas se negavam, diziam não haver problemas algum, pediam que a banda continuasse a tocar e liberassem a venda do “litrão” (que era o carro chefe do bar), queriam a todo custo seguir o baba.

Foi uma verdadeira ode para expulsar o povo da JAM. Aliás, sempre era complicado fechá-lo, era comum assistirmos o nascer do sol daquela “varanda” de frente para aquele marzão com a Praia da Paciência de “bônus”.

Sem contar que as festas de Iemanjá que eram sensacionais, o esquenta já começava no dia primeiro à noite, com apresentações diversas que viravam a madrugada. No dia 02 (dois), ao longo de toda festa, um “mar” de pessoas se aglomeravam na frente do Irish para ouvir e curtir as atrações que se apresentavam gratuitamente.

Nestes seis, digo seis porque após 5 (cinco) anos, saímos e depois retornamos por mais 1 (um) ano, não somente o ÁGUA SUJA, bem como o IRISH PUB, tiveram várias alterações em suas composições de integrantes . Rolland desfez a sociedade com Luiz e recebeu suporte de Ivan Oliveira e em seguida se associou ao Messias Figueiredo que entrou dando um novo fôlego à casa e administrando o espaço até pouco tempo antes do seu fechamento oficial. Por conseguinte, o Água Suja, com a saída de Hélio Rocha, se transforma num “power” trio. Oyama Bittencourt assumiu os vocais. A convite do baixista Jerry Marlon, o maestro Zito Moura assumiu os teclados.

Banda Água Suja — Anfitriã do Blues Free Salvador — Projeto que manteve-se por 5 anos em temporada do Dubliners.

O Dubliners era um espaço verdadeiramente voltado para o público rocker. Quando idealizado pelo Rolland, suas palavras sempre eram: “Quero um espaço de rock em Salvador”.

Lógico, que foram abertas algumas exceções para a boa música, no palco tocaram bandas de reggae, jazz, salsa, ska, forró e até algo de MPB. Contudo, o pulsar era o rock’n’roll.

A casa abriu de segunda a segunda por um bom tempo e todas as noites e aos sábados à tarde sempre tinha uma banda tocando por lá. Durante esses oito anos muitos produtores, a exemplo de Big Bross, fizeram grandes eventos e festivais no espaço, atrações nacionais e as principais bandas da cidade passaram pelo pub. Não poderia citá-las aqui nesse pequeno escrito para não incorrer no risco de deixar alguma de fora.

Quartas — Blues Free Salvador (Banda Água Suja)

Porém, como tudo tem um preço, quando a casa começou a criar um movimento independente, ambulantes começaram a rodear e fincar espaços próximos ao local, inviabilizando a continuidade do seu funcionamento, uma vez que a maior parte da receita vinha do lucro do bar, já que as bandas tocavam pelo cachê de suas bilheterias.

Várias tentativas de manter o espaço formam cogitadas, mas, sem dinheiro não há negócio que se mantenha de pé. De sonho, só quem vive é padaria.

O Dubliners Irish Pub ficará registrado nas histórias do rock tupiniquim para além de um espaço musical, como um local de grande fomento para a cena. Bom! Rolland não está mais no Brasil, bateu asas de Salvador. Contudo, o velho Messias de guerra continua por aqui na sua militância, estou aguardando uma ligação dele em um final de tarde desses… Será?

“Tudo o que é bom dura tempo o bastante para que se torne inesquecível”

Chorão

Ângela Cristina para o Microphonia.

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