ON THE ROCKS

Entre o Hoje e o Amanhã

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
2 min readMay 8, 2020

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Rio de Janeiro Cândido Portinari, 1941.

Prometo ser meu último texto com esses títulos entremeados de metáforas e de tempo. Ninguém aguenta mais, com toda certeza, nem mesmo eu. Mas comecei, fui indo, acabei fondo. Tinha que acabar essa linha do tempo, esses intervalos, sob pena de ficar preso num tempo irreconhecível qualquer.

Eu conheço, em parte, nossa história, mas não me re-conheço nela. É quase um espelho invertido de mim. Já sou feio demais, minha imagem invertida é aterrorizante.

O amanhã não existe de antemão. Tudo pode continuar apenas sendo “normal”, por mais estranha, excludente e violenta que essa normalidade seja. Tudo indica que no pós-tudo assim será. Uma ou outra adaptação, afinal Darwin está certo para horror dos obscurantistas, e continuaremos a marcha ao abismo, domesticados, inertes. Afinal naturalizamos e …“sempre foi assim”.

Pós-Tudo — poema de Augusto de Campos.

Quem, conscientemente ou não, recorre à tradição como meio legitimador, mata o futuro. Vejam o absurdo: Até nossa imaginação querem tirar.

Claro que são os grandes momentos de crise que nos forçam a refazer a culinária, comer coisas que descartávamos antes, arrumar bonitinho no prato. Mas o amanhã normal é o hoje cheirosinho, perfumado mas de bafio pútrido.

Existem excelentes iniciativas no meio dessa crise. Autogestão nas favelas, solidariedades genuínas de pessoas doando seu tempo e trabalho para ajudar porque se reconhecem no outro. Críticas e mais críticas ao sistema, à nossa história que possibilitam saídas diferentes, anormais em toda polissemia possível.

Mas a tônica continua sendo a indiferença, a exclusão ou a caridade. Todas essas implicam em hierarquias e em poderes, ou seja, em mais do mesmo.

Da minha parte afirmo: tudo o que existe merece perecer! Não sei como, mas sei que merece. É a nossa tarefa sonhar, ousar, existir e resistir, re-existir.

Fazendo uma pequena paráfrase.

Re-Existência significa, assim: não ser mais que se é e vir-a-ser o que não se é. Seremos no amanhã o fruto do que no hoje recusamos e recusarmos a continuar sendo, ao que éramos no ontem.

Temos que nos transformar exatamente no que não somos. Ou, de uma maneira muito mais sucinta e bonita: o grão tem que morrer pra germinar.

Que morram as sementes e venham as rosas.

Walter Hupsel para o Microphonia.

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!