O CAMINHO DAS PEDRAS

Lázaro — O Verdadeiro Maluco Beleza

Angela Cristina
Microphonia
Published in
3 min readJun 7, 2020

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Quem perambula pelas noitesundergrunds” soteropolitanas, já deve ter ouvido um grito desafinado nos shows de — “TOCA RAULLLL!” insistentemente. Quando se dá conta percebe que esse incansável pedido vem de uma figurinha raquítica, mal vestida e nada dentro dos padrões convencionais, que nos é compelido pelo nosso (pré)conceito.

Geralmente com um copo descartável vazio na mão direita, com a outra fazendo cachinhos no capelo e um pano debaixo do braço que não sabemos ao certo se é um lençol, um casaco, um saco ou uma camiseta. Quem o vê de longe pensa logo — ESSE CARA É UM MALUCO!

No princípio sua aparência nos causa certa estranheza, um sorriso faltando alguns dentes, uma agitação incomum, pois não fica parado por um segundo, sempre está se sacudindo de uma perna para outra e balançando a cabeça o tempo inteiro. Mas, logo recebemos dele um reconfortante sorriso que diz — EU SOU DO BEM! Este cara é o LÁZARO — TOCA RAUL.

Aqui em Salvador, tem até personagem ligado ao grito. Conhecido como ‘Lázaro Toca Raul’, ele virou figurinha carimbada em todo tipo de show gratuito na cidade e carregava sempre uma disposição quase irritante em gritar por uma música do Raulzito, tanto que ganhou até apelido e ficou conhecido na cena alternativa da cidade.” ( Blog 365 Salvador — Por Carol Andrade)

Pouco sabemos sobre a história de vida dessa figura — Dizem que mora na Graça, outros na Federação, sabemos que é hiper fã de Raul Seixas, do blues, do jazz, de rock’roll e que é completamente inofensível e dócil com todos que se aproximam dele.

Debruçados na intolerância com o diferente, pois “Narciso acha feio o que não é espelho”, já presenciamos agressões de seguranças, clientes e playboys expulsando-o de determinados locais fazendo uso excessivo da força e violência contra ele. No entanto, músicos e frequentadores da cena que o conheciam sempre tomavam sua defesa e o protegiam daqueles que, por discriminação social ou racial, impediam seu acesso ou o excluía de tais ambientes.

Lázaro, apesar de manifestar uma personalidade que remete a uma pessoa com algum tipo de déficit cognitivo, é dotado de memória ativa e emotiva (reconhece e chamam pessoas pelos seus nomes e sempre pergunta por amigos que ele conhece). Faz referências as bandas locais como Lo Han, Dr. Cascadura, Dead Billies e King Cobra. E cita seus integrantes ratificando uma memória referencial do seu envolto.

No boom das comunidades do extinto Orkut ele tinha um perfil que levava o nome “QUEM CONHECE LÁZARO?” (se não me falha a memória) e possuía mais de cinco mil seguidores na época, com vários comentários sobre casos e situações inusitadas desses seguidores com ele.

O que sempre me intrigou foi saber de onde vem esse bom gosto musical que ele possui, sendo um fino apreciador de jazz, de blues, de Beatles e de grandes bandas de rock! Música aos meus olhos sempre foi uma questão de educação, de ambiência…

Quem deve ter apresentado o néctar pra ele, que o fez grande entusiasta, da boa música e com tanto bom gosto? Não é incomum encontrarmos uma turma “letrada” que não possui critério musical, que usa a música apenas como um mero entretenimento de forma vulgar e um tanto leviana. E o Lázaro que vive na sua “bolha” leva a música tão a sério, respeitando todas as suas nuances e com uma intensidade de poucos que conheço. Admirável!

Segundo o próprio, foi ele quem criou o bordão “TOCA RAUL” hoje reverberado pelo Brasil inteiro e em qualquer show, será? Se foi, realmente não temos como saber. Mas, que ele foi quem eu mais ouvi gritar esta frase, foi! Se Raul um dia tivesse tido a oportunidade de conhecê-lo, certamente em algum dos seus shows teria dedicado para ele — MALUCO BELEZA!

Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza

(Raul Seixas — Maluco Beleza)

Ângela Cristina para o Microphonia.

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