ALÔ CURA

Magnólia Presente!

Isaac Fiterman
Microphonia
Published in
2 min readApr 16, 2020

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Magnólias. Foto de Andrey Grushnikov, Pexels.

Fazia eu o curso de Psicologia e, num dia de estágio em uma escolinha no Vale das Pedrinhas, fui pego de supetão por uma menina chamada Magnólia.

Íamos fazer uma atividade de Psicologia Escolar e que, antes de mais nada, precisava ser autorizada pelo chefe do tráfico local. Nesse dia, já levamos um baita susto quando subimos a ladeira de acesso ao local, em meu Fusquinha verde abacate, e fomos parados por um traficante de arma em punho. A direção da faculdade esqueceu de avisar aos donos da boca que iríamos naquele dia. Após o susto e muita explicação ao preposto do Chefe da boca fomos liberados para chegar ao nosso destino. Quando chegamos, muitas colegas estavam em pânico. A maioria já não queria continuar no estágio e foi embora. Detalhe: eu era o único menino naquele trabalho.

Passado o susto, começamos a fazer a nossa atividade com as crianças. Naquele momento, notei que quase todas as crianças interagiam, menos uma: a pequena Magnólia. Ela não esboçava nenhuma reação às nossas intervenções. Fui perguntar à professora o que ela poderia me falar sobre aquela menina sem nenhum brilho nos olhos. Ela me respondeu que era normal, pois já eram três horas da tarde e Magnólia, como sempre, ainda não tinha feito nenhuma refeição naquele dia. Meu coração apertou e meus olhos se encheram d’água. Respirei fundo e continuei tentando interagir com aquela criança, que só esboçou uma pequena reação quando chegou a hora da merenda e ela tomou aquela sopa rala. Enfim, ela conseguiu olhar nos meus olhos, como se pedisse socorro. Nesse momento, questionei a utilidade da Psicologia para aquela criança que só precisava do básico, de comida.

Depois desse dia, a Direção da Faculdade cancelou o estágio na escolinha por falta de segurança. Nunca mais vi a pequena Magnólia, que até hoje mora nos meus pensamentos.

Isaac Fiterman para o Microphonia.

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