GINGERHEAD

Nunca Mais Volte Ao Meu Restaurante

Rogerio Rios
Microphonia
Published in
4 min readAug 26, 2020

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Ilustração de Hector Salas

alguns dias, o Facebook entrou em polvorosa de novo (aliás, ele é desenhado para isso) com mais um assunto que é irrelevante e frívolo para a qualquer ser dotado de um sistema nervoso central e que tenha mais o que fazer da vida.

A treta desta vez, orbitou pesadamente em torno da dona de um restaurante, que estraçalhou uma obra de arte estimada em 26 mil reais, dentro de uma galeria privada e bem em frente ao autor da peça. Estou certo de que não preciso descrever a cena, já que ela foi captada em alta definição, sob vários ângulos e, consequentemente, distribuída quase que automaticamente para milhões de pessoas entediadas pelos quatro cantos desse planeta, com legendas que devem ter sido traduzidas até para o mandarim.

A emputecida entusiasta das artes, justificava previamente o seu ato de auto-vandalismo (pois ela já havia pago pela maravilha), imputando uma saraivada de acusações ao seu ex-ídolo. Culpava-o veementemente de pão durismo, soberba e supostos maus tratos aos seus funcionários.

É lógico que eu, ativista de sofá que sou, não ficaria fora de uma discussão dessas. Sem qualquer análise mais atenta da cena, desprovido de bom senso que acredito me ser peculiar, compartilhei a minha indignação e o meu apoio na rede de Zuckerberg, à essa mecenas latina, defensora dos bons costumes e da dignidade das classes menos favorecidas (seus empregados).

Fui colhendo opiniões semelhantes às minhas, revalidando as minhas crenças e recebendo a minha microdose diária de serotonina. Sim, eu entendo que isso é terrível e intelectualmente improdutivo, mas deixa eu continuar, que isso é assunto pra outra conversa.

Acontece que eu não simpatizo muito com quem concorda o tempo todo comigo. Desta feita, costumo me contradizer de propósito, apenas pelo secreto prazer de gerar algum debate interessante. Hábito que cultivo há décadas e que me rendeu muita diversão e alguns desafetos. Mas antes que eu lançasse mão desse plot twist carpado em meu post, um amigo comentou:

“O fato é que vivemos em um momento em que é bem mais fácil acreditar em algo, simplesmente porque não gostamos da pessoa ou da obra dela...” (Lei Almeida)

Exatamente! Eu pensei. Acontece que eu sou um operário das artes visuais também. Não sou nenhum Van Gogh, mas meu abatido ego me diz que não é justo que aquele escroque flamboyant (estou falando do coloridinho da galeria) se torne reconhecido mundialmente como um artista pop, multimilionário (e em vida, vale salientar!) e ilustradores, artistas plásticos de qualidade técnica decente tenham que minguar e chafurdar na lama do obscurantismo. Somado à esse imerecido e desproporcional sucesso, as evidências de que a sua personalidade arrogante e presunçosa sejam a sua marca, a minha indignação outrora gratuita, passa a ser mais valorizada do que o dólar, que não por coincidência, é a atual moeda corrente do pintor.

Todo esse parágrafo acima é só para justificar o óbvio: eu deixei que o meu ressentimento tomasse a decisão de fazer coro ao achincalhamento virtual. Fiz igualzinho à aquelas mesmas pessoas cujo comportamento, eu critico. Julguei e condenei, sem ao menos tentar verificar as circunstâncias. Pois até o presente momento, não temos prova alguma de que a insatisfeita empresária do ramo alimentício tenha falado a verdade.

Não há vídeo de Romero Britto maltratando alguém ou sendo escroto com quem quer que seja. Isso não quer dizer que ele não o tenha sido. O que me parece muito claro ao checar mais atentamente o vídeo em questão, é que se trata de um barraco, uma genuína cena de novela mexicana, previamente ensaiada e com um alvo e objetivo muito nítido:

Promover o seu restaurante através da nova publicidade da lacração!

Uma ação de marketing planejada, adaptada aos novos tempos. A impecável jovem senhora utilizou uma fórmula para tornar o seu conteúdo viral, investindo muito pouco. Essa receita já é velha conhecida, o antigo e bom sensacionalismo escandaloso. A gente costuma curtir coisas chocantes. Porém, as agências de propaganda não podem utilizar esse recurso por questões éticas e estão passíveis de responder judicialmente por esse tipo de bravata.

O fato é que o seu (lá dela) restaurante está bombando em altas. Pois, se um reles cafezinho naquele recinto custa a bagatela de 8 dólares, imagine um jantar! Principalmente agora, que a dona se tornou uma celebridade instantânea, uma paladina da humanidade, uma vingadora, protetora de seu time de subalternos assalariados.

Uma equipe, que acredito, estaria muito mais feliz se a sua patrona leioloasse ou simplesmente vendesse a valiosa (cara!) obra e distribuisse o bambá entre eles, ao invés de fazer presepada na internet e ocupar o meu tempo e o seu, com mais um debate besta.

Rogério Rios para o Microphonia.

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Rogerio Rios
Microphonia

Ilustrador Publicitário, Redator de HQ, Cantor do Kabessas de Gengibre, Cervejeiro Praticante, devoto à arte, adorador da cultura e adepto à consciência.