ON THE ROCKS

O Estigma e a Fuga

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
2 min readMar 2, 2021

--

Der Blaue Reiter — Wassily Kandinsky, 1912.

Por enquanto acaba minha jornada em Salvador. Um dia eu volto, talvez eu volte naquele velho navio. Sinceramente, espero que somente de férias.

O Brasil se tornou inabitável nos últimos anos. Estamos abrindo alçapões e alçapões no poço que acreditávamos ter fim. Surpresa, não tem. Os números falam por si e o presidente, um leproso moral, fala pela morte.

Um dos dramas das últimas gerações é que passamos a acreditar em melhora contínua do país, menos miséria, uma crescente democracia e uma sociedade mais plural. Foi mais ou menos a nossa história das duas ou três últimas décadas. Tivemos ESPERANÇA. A queda e o impacto da nova realidade foram brutais pra muitas pessoas amigas, e para mim também.

Ao fim, Walter Benjamin é quem estava certo. Só há esperança nos desesperançosos, naqueles que nada existe à frente. O exato oposto foi o caso do Brasil. Estávamos vendo uma mudança profunda depois de séculos da mais desigual sociedade do mundo. Mas nossa esperança, findada, nos levou ao desespero.

No plano pessoal, me afetou sobremaneira. Em setembro passei no doutorado em Lisboa, voltando à vida acadêmica, tinha muita coisa a resolver para poder ir, e, em síntese, só consegui meu visto literalmente na véspera de Portugal fechar as fronteiras ao Brasil, o que, progressivamente, quase todos os países fizeram.

Não havia mais esperança alguma, o Brasil virou pária internacional, carregamos o estigma, a tatuagem não visível, de um país cujos cidadãos representam ameaça à saúde dos outros países mundial.

Agora estou eu ressucitando o blog do Microphonia para escrever minha despedida. Sairei do país em algum périplo para chegar em Lisboa enquanto ainda há janela para sair. Albânia ou Chile deve ser minha primeira parada, lá apagarei a tatuagem, esfoliarei o “vir do Brasil” do meu corpo e passaporte.

Saio para esperar, para novamente ter esperança, para tentar entrar em Portugal o mais cedo possível, e a única forma é sair do Brasil o mais cedo possível.

Deveria ter aprendido e perdido toda e qualquer esperança, virado Benjaminiano. Não consigo.

Aos que ficam, sorte!

Aos que ficam, luta!

Aos que ficam, toda a minha solidariedade.

Walter Hupsel para o Microphonia.

--

--

Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!