AMENIDADES

O Homem e o Escaravelho

Quinhones
Microphonia
Published in
2 min readMar 24, 2020

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Depois de mais de 12 horas de trabalho árduo na caldeiraria pesada, Edney Aidan, Dan como é conhecido, arruma a mochila, ajusta sua Monark e segue pra casa. O caminho é sempre o mesmo, mesmas ruas, mesmo barulho. A farda é a mesma, só o hálito de fome é diferente.

Já próximo do cafofo, derrapa a bicicleta na areia mole, perde o equilíbrio e seu corpo é lançado ao chão em frações de segundo. Como um bom capoeirista, esquiva a cabeça da pedra e de cara depara-se com o Escaravelho.

— Olá, meu amigo Escaravelho! A que devo a honra? Como andam as coisas por aí? Perguntou Dan, com dor e um certo medo.

— Aqui, tudo na mesma, ou melhor, ando bem à vontade. Poucos homens na rua, poucos parentes mortos. Isso é liberdade! Falou brandamente o inseto.

— Aqui, nada tão bem assim. As ruas estão vazias, as casas cheias, os hospitais lotados. Ando muito preocupado e com medo! O clima na empresa está péssimo.

— Meu amigo “serumano”, não percebes que a nossa casa é um aprendizado? Como vocês querem governar o mundo, se nem sequer sabem viver lado a lado?

— Amigo Escaravelho, você tem razão. Mas não entra em minha cabeça, não. Acertou precisamente: somos bombas em formação.

— Calma, meu amigo ser humano, um dia hás de entender. Paciência, respeito mútuo e amor vocês precisam, nem que seja na dor. Vocês andavam soberbos, prepotentes. Era comentário geral no mundo animal que vocês não sabem ouvir. Chegou a hora!

— E aí, amigo Escaravelho, que devemos fazer? Tenho boletos, boletos e boletos. Aflição!

O Escaravelho, em passos curtos e ritmados, recuou e pensou — Esse cara tem filhos, mãe, parentes e só citou: boletos, boletos e boletos.

— Sabe amigo grande, isso tudo tem solução — disse, coçando seu chifre esquerdo tranquilamente.

— E qual é, inseto asqueroso? —Gritou.

Sem se abalar com a indisfarçável repulsa, o Escaravelho olha nos olhos do Sr. Edney Aidan, pede licença e segue seu caminho. Já lá na frente, ele olha para trás e vê que, ainda no chão, o homem o observa. Então, levanta suas duas patas dianteiras e fala:

— Aguce sua paciência e siga pedindo perdão.

Quinho Castro para o Microphonia.

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