O CAMINHO DAS PEDRAS

O Que É Que A Bahia Tem? — Também!

Angela Cristina
Microphonia
Published in
7 min readJul 7, 2020

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Durante um determinado período cogitou-se que a cena de rock baiana nos anos 80 foi uma farsa e que nunca existiu, que foi delírio de alguns garotos que brincavam de tocar guitarras.

Não tenho a menor propriedade para descrever o movimento Rock dentro do contexto da nossa terra, na verdade não vivi o momento com os atores durante o período. Como todos sabem, estou saindo da casa dos 20 agora.

Coveiros do Cover e Persona ( Convidados — 14º Andar, Ramal 12, Utopia, Gonorréia, Espírito de Porco, Trem Fantasma, Dever de Classe e Miguel Cordeiro (Faustino)

Porém, tive o privilégio de estar envolvida no projeto FESTA TROCA DE SEGREDOS, que reviveu por algum tempo a memória desta cena. Então a maior parte das citações que usarei aqui são fontes do Blog COVEIROS DO COVER (criado por Tatiana Lima) para promoção e divulgação das festas. Resultados de pesquisas e acervos pessoais dos envolvidos.

FESTA TROCA DE SEGREDOS

“Eles criaram e sepultaram bandas emblemáticas do rock baiano dos anos 80. Mas sobreviveram e ficaram inteiros o suficiente para ressuscitar clássicos do punk rock inglês (The Clash, Sex Pistols e The Jam), norte-americano (Ramones) e baiano, além de alguns clássicos pré-punk (The Who) e do pós-punk (Talking Heads)”.

Coveiros do Cover — Festa Troca de Segredos — 3ª Edição

Eles são os Coveiros do Cover: David Roth (ex Espírito de Porco) nos vocais, Jerry Marlon (ex 14º Andar e Delirium Tremens) na guitarra, Marcão Botelho (ex Ramal 12 e Delirium Tremens) no baixo, Guiga Blues Rock (ex Ramal 12) na bateria, que vampirizam o sangue novo do guitarrista Marcos Clement (Arapuka). (Tatiana Lima)

ROCK 80 SALVADOR — Por Lívia Rangel

Revirando seu acervo, Tati encontrou o livro “ROCK 80 SALVADOR” da hoje Jornalista Lívia Rangel, na época sua orientanda, que subdividiu a cena rock baiana em dois períodos, lembrando que a relação são das principais bandas e não de todas:

Camisa de Vênus — Formação original início dos anos 80

>> 1982–85 — Uma fase punk cujas principais bandas eram Camisa de Vênus, Gonorreia, Trem Fantasma, Arroto de Rato e Delirium Tremens.

>> 1986–90 — Fase mais prolífica em número de grupos, que Lívia dividiu em três subgêneros:

Punk: Via Sacra, Proliferação, Dever de Classe, Dissidentes, Sinfilia, Doutrina Decadente e Jesus Bastardus.

Utopia

Pós-punk: Ramal 12, Elite Marginal, Utopia, 14⁰ Andar, Cravo Negro e Treblinka.

Rock: Moisés Ramsés e os Hebreus, Cabo de Guerra, Flores do Mal e Guerra Fria.

Obs.: Faltam mais bandas, inclusive a turma do metal. Lembro de pelo menos duas, a Crânio Metálico e a Headhunter D.C., que continua na ativa desde 1987. (Por Tatiana Lima)

http://coveirosdocover.blogspot.com/search/label/Coveiros%20do%20Cover

As interações do blog fluíam bem e a cada postagem colocada sobre uma banda, fãs e seguidores escreviam seus comentários e impressões. Selecionei alguns comentários:

DEVER DE CLASSE — Muito legal…. lembro dessa época com muita nostalgia. Fui a alma harmônica da banda Dever de Classe, na década de 80. Na época a formação era: Lili (vocal), Dudu (back), Neio (contrabaixo), Rhai (que sou eu, guitarra) e Bel (batera). Dudu saiu e nós continuamos alterando consciências na cidade do axé (risos). (Prof. Rhai Rabelo)

GONORRÉIA — Um dos MELHORES DISCOS do Rock & Roll Brasileiro em Todos os Tempos PERFEITO nas letras (espertas, chocantes, violentas, sarcásticas, urgentes, atuais, eternas) na música porradônica do Punk Rock clássico, produção, mixagem, participações especiais (Gustavo Mullem do Camisa de Vênus e Morotó Slim dos Dead Billies, os mais brilhantes guitarristas solo do Brasil). Corajoso até nos samples (o apocalíptico som da queda da Torres Gêmeas nos atentados do 11 de Setembro) e nos temas (geopolítica, hipocrisia, marginalidade, delinquência, criminalidade, sociedade podre) e na atitude (ironizando o pó branco do vírus Antrax em cartas: “Cuidado, Jorge, há uma carta em suas mãos / Parece talco, mas não é talco, não”). (Por Ernesto Ribeiro)

FLORES DO MAL — Como representante da “galera rocker mais radical”, gostaria de dizer que não aprovávamos NADA o Flores do Mal. Quanto ao nome “diferente”, eu até entendo a parte das flores mas, cadê a maldade????? A musiquinha dos aspirantes a Rádio Táxi baianos me enche de vontade de não ouvi-los até hoje!!! (Por David Roth)

UTOPIA — Atentem para os belos penteados de André Rizoma e Marcos das Garrafas, todos preparados pela Paulo Bonfá Rigling Bros. Capilar Consultant. (Marcos Botelho)

Espírito de Porco

ESPÍRITO DE PORCO — Coverdelemesmo, excelente arqueologia dos espíritos suínos. Foi ótimo trazer à tona um pouco da história da banda, uma das melhores (ou piores?) expressões do punk rock da Urinópolis dos 80. Eu vi, eu vivi, eu estava lá, eu cuspi, eu participei do auto de fé dos pepeus e bethânias, numa catarse radical. É por isso que vcs são verdadeiras lêndias vivas do rock local! ( M. Botelho)

Ramal 12

RAMAL 12 — “Pra quem, infelizmente, não viveu o Rock baiano nos idos dos anos 80 (como eu vivi), então a chance tá aí…Esse blog tá de fuder e voltar a memória, músicas, letras, farras, biritas daquele tempo, ou conhecer esse MOVIMENTO CULTURAL, agora, deve ser o mesmo prazer. RAMAL 12 (pra mim, a melhor de todas), Utopia, Elite Marginal, etc, representam a nossa juventude, hj com 40 e ainda ouvindo muito som…”. (Beto Spinola)

Elite Marginal

ELITE MARGINAL — Esse show no clube Baiano de Tênis, que concorreu ao Troféu Caymmi, foi pra lá de família, já que a Imagens Falsas tinha Vladmir Ribeiro no baixo… (Tatiana Lima)

FAUSTINO — UM CAPITULO À PARTE (MIGUEL CORDEIRO)

Em algum lugar de Salvador nos idos de 80 — Arte de Faustino

Quem circulou pelas ruas de Salvador com alguma atenção para os muros, nos anos 1980, certamente conheceu os hábitos de Faustino. O personagem criado por Miguel Cordeiro era a síntese do que havia (…e ainda há) de mais cafona na classe média.

Além de Miguel, que editou o fanzine Delirium Tremes e criou cartazes, capas e encartes dos bolachões de vinil de bandas como o Camisa de Vênus, os muros da cidade serviam de tela também para outro rebelde das artes visuais bastante presente na cena rocker, Bob.

Mancha, Nildão e Renato Silveira completavam o time de interventores urbanos, levando crítica e humor às ruas, naqueles anos de censura. Um borrão no conservadorismo.

A Saga Continua…

No entanto, o eixo Rio/São Paulo era mais favorável para acesso aos programas, gravadoras, casas de shows etc.. As bandas que quisessem chegar ao “mainstream” precisavam sair da cidade para tentar a sorte no sudeste, como muitas delas fizeram. Mas, ainda assim, não dispunham de muitos espaços para nordestinos penetrar nesse “metiêr”.

A Bahia sempre foi de fato um celeiro da música popular brasileira, de onde saíram nomes importantíssimos para a MPB, como Caetano, Gil, Bethânia, Gal Costa, João Gilberto, Dorival Caymmi, Simone e muitos outros.

Logo o rock não poderia ser legítimo se viesse dessas bandas. Sacaram??? Não tem aquela estória de “blues de branco”? Pois é! somos o “Rock de baiano”. E existe? Existiu, existe e continuará existindo!

Até hoje sentimos este reflexo. Nestas minhas labutas pela noite, já perdi as contas das vezes que vieram me parabenizar dizendo — “ Puxa! Nunca imaginei que na Bahia tivesse uma banda de blues como esta (referindo-se ao Água Suja)” ou “Porra! essa banda é maravilhosa, poderiam tocar em qualquer lugar do mundo” (sobre outras bandas que trabalho).

A Bahia está para o rock, assim como a cannabis está para esquizofrênicos. O pior é que não somente para quem vem de fora, mas, para as próprias minhocas da terra — NÓS NÃO ACREDITAMOS NO NOSSO ROCK!

A história dos anos 80 está aí para nos provar que é possível termos uma cena de rock aqui, sim! Que baianos gostam de ver as pedras rolarem e que sabemos fazer essa zorra! Não é possível que naquela época que tínhamos que brigar com Caetano, Bethania, Novos Baianos e Gil marcarmos nosso território, não marcaremos agora que estamos batendo de frente com Anitta e Igor Kannário... Mate-me por Favor!

Precisamos continuar provando
O que é que a baiana (Bahia) tem?!
Também!

Ângela Cristina para o Microphonia.

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