AMENIDADES

Pão, mostarda e Microphonia

O telefone tocou, era um amigo de infância.

— Tá fazendo o que, maluco? Tô de rango, já comeu?

Eu estava me alimentando de luz e rock’n’roll, mas o estômago não quer saber destas coisas… Falei que estava passando uns textos do Microphonia, mas que não tinha comido nada.

— Fome e preguiça. Não sei qual destas porras vai vencer.

Malandro de última categoria, o sacana sabia como me tirar de casa.

— Ô seu oreba, eu pago, otário!

— Serviço completo então, seu mané! Tem que vir me buscar em casa e dar banquete. Não me venha só com conversinha não, vu?

Quem convida dá banquete!

Vesti a primeira bermuda que vi pela frente, coloquei uma camisa verde (capa do disco A Tábua de Esmeralda) que tinha ganhado da minha mãe e sai azoretado. O gordinho era fiel aos horários marcados, não podia deixá-lo esperar…

3 minutos já estava no elevador e com 4 já aguardava o mané na portaria. Recebi um sinal de luz do início da rua, dei um boa noite ao zelador e fui ao encontro do carro. Abri a porta do possante e, de cara, já recebia nas alturas London Calling (The Clash, 1979) e nuvens de fumaça. Era o “rock” que pairava nos encontros de amigos.

Cumprimentei com um simples “colé, man” e fomos ao rango. No caminho conversamos um pouco de tudo, principalmente sobre música. Não podia faltar futebol, política, mulher e aqueles montes de culhudas que envolvem estes assuntos. O sacana estava amando uma gringa, muito engraçado. Criticava a todo custo os costumes dos estrangeiros. Havia 2 semanas que namorava a menina e nem sequer rolava um peitinho.

Ao chegar na lanchonete, pedi um hot com bastante mostarda e um refrigerante. Ele, ainda indeciso, não sabia o que pedir. A gringa o fazia pensar. Pedi o segundo e ele resolveu me imitar, fazendo o mesmo pedido, agora sem mostarda. Os dois de barriga cheia, já arrotando que nem 2 porcos de quintal, mas ainda insatisfeitos…

Não era exatamente aquilo que queríamos comer, todavia, ouvir a microfonia de um amigo apaixonado em plena segunda-feira, é um carimbo no passaporte da paciência.

Quinhones Castro para o Microphonia.