BANDA DESENHADA

Por Enquanto Ainda é Cedo!

André Lissonger
Microphonia
Published in
4 min readMay 10, 2020

--

Ou Uma Crônica sobre um breve momento com o Legião Urbana.

Legião Urbana em 1984 (crédito pendente).

Ou Uma Crônica sobre um breve momento com o Legião Urbana.

O prédio em que Gutão morava, nos anos 80', sempre foi um point de roqueiros na Barra. Eu e Kiko Jozzolino (bluesman, organizador do Festival de Blues de Londrina) andávamos sempre por lá, quando podíamos. Guerrinha (Marcos Guerra) morava ao lado, bom de bola e violão. Kiko morava em frente. Eu, Paulinho (Paulo Metello e Cactus Cream) e Claudinho (Cláudio Cazé) a uns 300 metros — entramos na vibe pós-punk. Ordep Lemos (ex Utopia, Treblinka, Lampirônicos, etc) e Roberto Morcego a menos de um quilômetro.

Ali a troca de novas informações e, sobretudo, a roda de violões ou audições eram constantes.

Desse “metiê”, somado a outras articulações, surgiram algumas bandas da cena soteropolitana dos anos 80, como a própria Utopia, C.A.N.O.S., além da carreira de alguns dos musicistas citados.

Mas o círculo de frequentadores daquele point caseiro não se resumia ao bairro. Guta sempre foi um agregador e catalisador de produção musical. Tinha amigos de diversas bandas já estabelecidas (como a Camisa de Vênus e 14º Andar) e integrantes de outras mais famosas em ascensão no cenário nacional. Isso facilitava alguns contatos.

Certo dia, aparentemente corriqueiro, que envolvia audições sobre os Stones e umas tocadas dos velhos folks… eis que aparece Marcelo Bonfá (Baterista do Legião Urbana).

Papo vem e papo vai, o bacana foi quando o Bonfá apresentou uma fita k-7 de uma banda inglesa de dub reggae: o UB40. Era uma reprodução do primeiro e incrível álbum Signing Off (1980). A fita era ouvida e reouvida, nas últimas alturas, inúmeras vezes. Boa parte da galera reproduziu-a sei lá quantas vezes.

Esse fato ocorreu no período do show da Legião Urbana no Circo Troca de Segredos. Semana em que passei a maioria do tempo livre ouvindo e cantando as músicas do single Será/Teorema, as do primeiro LP e, sobretudo, as fitas piratas com coisas do Aborto Elétrico e do Capital Inicial (esta última, mais um assunto para outra resenha).

No dia do show, já sai com a velha e típica resposta dos frequentadores da grande tenda que abrigava alguns dos melhores shows de rock na época:

— Vou pro Troca!

— Ver quem?

— Todo mundo!

À beira mar, de Ondina, estava lotada de punks e roqueiros das mais diversas tribos. O perímetro da tenda do Circo Troca Segredos parecia festa de largo aos avessos. Mas, aquela noite, não era dia de teatro, nem de dança, escola de circo, tampouco casamento ou baile. Não era lançamento de livro, palestra, nem debate sobre o momento cultural da Cidade da Bahia. Naquela noite o circo abrigava mais uma das melhores bandas nacionais da época.

Facilitado o acesso, pela cortesia gentilmente dada pelo Bonfá, eu e Kiko adentramos aquela espaçonave piramidal colorida onde saia gente pelo ladrão.

A Legião detonou! Tocou praticamente, em uma hora e meia, todo o repertório da época. Novidade no início dos anos 80’, hoje clássicas, as músicas Será, A Dança, Perdidos no Espaço, Geração Coca-Cola, Ainda é Cedo, Soldados, Teorema, Baader-Meinhof Blues, Química… e até o Reggae!.. foram cantadas em uníssono pela plateia em êxtase!

O fogo comeu solto! Atmosfera de calor, intensidade sonora e muita fumaça!

Tive a oportunidade de estar com a banda, no backstage, após o show. A plateia em êxtase pedia bis: — Toca mais nessa porra!!! Bota pra fuder!!! Bota pra fuder!!! Claro, não tinha esse mimimi de “Ô Legião, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver!”. Era uma horda!

Eu, Guta e Kiko, assistimos ali a uma breve e um pouco tensa discussão sobre qual música a ser tocada no bis. Um escolhe uma daqui, outro escolhe outra dali, Dado Vila Lobos não quer essa, Renato não quer aquela e Bonfá, mais na dele.

Em um breve momento de “silêncio” no camarim (que mais era fundo de palco mesmo), silêncio esse inundado de gritos da plateia ainda insatisfeita… cortei de súbito o vácuo e perguntei:

— Renato, posso dar uma sugestão? Russo fez um breve aceno sério, mas positivamente simpático.

— E Por Enquanto? (A linda canção que encerra o primeiro álbum não tinha sido executada).

O silêncio permaneceu por instantes pensativos. Porém logo interrompido com o jovem bardo dirigindo as falas para a banda:

Por Enquanto, por enquanto ainda é cedo!

— Não dá! Ela não está preparada.

Decidiram tocar mais umas duas mais pesadas e retornaram ao palco com a massa gritando. E por enquanto tive que esperar mais uns anos a tournè do álbum Dois, para assistí-la ao vivo no Parque de Exposições de Salvador.

Despedimo-nos. Guta me deu uma cotovelada discreta e me falou ao pé do ouvido:

— Vamos nessa, Dinho! Amanhã vamos tomar um banho de praia no Porto da Barra e depois vamos para minha casa ouvir UB40.

André Lissonger para o Microphonia.

--

--

André Lissonger
Microphonia

Microphonia editor and reporter . Architecture . Urban planning Professor . Rock music . Urban sketchers . Art