ON THE ROCKS

Quatro Anos Essa Noite

Walter Hupsel
Microphonia
Published in
3 min readNov 2, 2022

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“The Nightmare” — Henry Fuseli, 1781

O pesadelo acabou. Durou longos quatro anos desde meu primeiro choro olhando incrédulo os resultados de 2018 até ontem, chorando incrédulo com os resultados de 2022.

Foi a eleição de nossas vidas, foi quando o fascismo apareceu desmascarado, despido da fantasia institucional de 2018, e nos olhou do abismo. De lá, nos desafiou como se fosse para o último duelo.

Tem-se muita coisa para falar sobre as eleições e os votos, muito estudo, assunto, olhares, objetos. Mas seguindo minha personalidade de ver o copo meio vazio, olho para o que para mim é o dado mais importante das urnas: Jair Bolsonaro teve mais votos em 2022 que em 2018: cerca de 400.000 pessoas.

★ Lula foi o presidente mais votado da história.

Supúnhamos, depois de tudo o que passamos nos últimos quatro anos, que a base bolsonarista teria diminuído. Que sua personalidade sádica tivesse algum efeito negativo no eleitor. Acreditávamos que os casos óbvios de corrupção no governo bolsonaro (grande mote do lavajatismo) impactasse a votação. Tínhamos certeza que as mortes, a vacina, os atentados recentes de Jefferson e Zambelli, ressoassem em sinal negativo na cabeça do brasileiro. E que, por fim, o tal largo arco de alianças, que engloba qualquer e todo republicano, de Chicago a Frankfurt, de Amoedo a Boulos, também contivesse o crescimento do fascismo desnudo.

★ Lula conseguiu um feito hercúleo: derrotar o incumbente.

Nada disso ocorreu. Ao contrário, ele conseguiu mais 400.000 votos que na eleição anterior. Obviamente não podemos afirmar que são os mesmos eleitores acrescidos de 400.000, que muita gente viu o monstro, entendeu o que estava em jogo, e não repetiu seu voto de 2018. Claro que também teve a enorme manipulação financeira, que jogou cerca de 60 bilhões de reais de dinheiro federal no meio da campanha, e que isso levou uma enormidade de votos para Bolsonaro às vésperas das urnas. Enfim, os votos de 22 não são sobrepostos aos de 18. Um grande contingente abandonou Bolsonaro e um outro grande contingente o abraçou, mas aquele que se manteve constante nesses quatro anos é o nosso espelho, nossa imagem invertida, nossa negação.

★ Lula conseguiu não só derrotar o incumbente e a manipulação orçamentária, mas também a maior máquina de fake news e de ódio que temos notícias.

Ontem chorei incrédulo — quatro anos depois — de felicidade. Foi um longo e dolorido caminho que traçamos nesses quatro anos. De perdas, de descrenças, de raiva e de impotência. Às vezes cabisbaixos, às vezes eretos, trilhamos tudo isso para podermos chorar esfusiante e alegremente ontem.

Mas tudo isso foi só e apenas o primeiro passo. O fascismo está nu, sem as vestes de 2018, e sua adesão é muito maior do que imaginávamos… sim, uma das verdades que as urnas nos mostraram que o abismo do fascismo brasileiro é terrivelmente profundo.

Há muito a ser feito, há tudo por fazer. Há de se resgatar valores basilares que julgávamos sedimentados mas que esvaneceram nesses quatro anos.

Esta noite o pesadelo acabou, nos resta construir o enorme campo do real.

Walter Hupsel para o Microphonia.

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Walter Hupsel
Microphonia

Cientista político, punk, anarco… uma caralhada de moléculas em choque constante. Aqui é barulho, dissonâncias e muito fuzz. Só JESUS (AND MARY CHAIN) SALVA!