O CAMINHO DAS PEDRAS

Quem Não Tem Colírio…

Angela Cristina
Microphonia
Published in
5 min readApr 2, 2020

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Para os mais ortodoxos, Diclofenaco de Potássio não é Cataflam. Já para os menos exigentes, qualquer placebo faz efeito. Diante desta máxima é que rascunho a minha analogia sobre as duas faces de uma única Camisa de Vênus; um breve relato sobre o retorno do grupo, após 5 anos de ausência dos palcos, no Cais Dourado, em janeiro de 2011, em Salvador.

A noite em que o “genérico” teve a eficácia de uma patente original!

Minha Lente

“Eu estive no primeiro show desses caras; eles mudaram a história do rock baiano (…). E hoje eles são meus ídolos e com certeza os de vocês! Com vocês: CAMISA DE VÊNUS!”. E assim, apresentada pelo baixista e também remanescente do rock baiano dos anos 80, Jerry Marlon, a banda Camisa de Vênus retornou aos palcos para mais uma breve turnê nacional.

O clima era de uma grande noite rock! Uma fila enorme fez-se logo cedo para acesso ao Cais Dourado, local onde a tão aguardada e mais importante banda de rock da cidade daria os primeiros acordes musicais, com uma nova formação. A expectativa era grande, afinal de contas era uma reestreia especial, já que o retorno do conjunto traria novidades, não apenas a substituição de um músico, mas sim, a substituição daquele que, até então, seria o “cara” da banda, o band-líder Marcelo Nova. Tarefa nada fácil, pois de humor ácido e timbre inconfundível, Marceleza era a “marca registrada” do Camisa.

Nos bastidores, um clima de revival total tomou conta dos convidados VIP’S da banda, muitos deles remanescentes da cena rock local “oitentista”, a exemplo de Marcos Botelho (Ramal 12), Hélio Rocha (Delírium Tremens e 14º Andar), David Roth (Espírito de Porco), Willy With (C.A.N.O.S.), Keko Pires e Ninou Moura, (CIRVUS) Miguel Cordeiro (Faustino), Humberto Tedão (PDR), entre outros.

O ar de confraternização foi inevitável, afinal de contas esses encontros eram frequentes entre um show e outro que rolavam no Circo Relâmpago, Circo Troca de Segredos e Teatro Vila Velha, locais que abrigavam as bandas de rock da cidade naquela época, muitas delas influenciadas pelo punk-rock britânico que estava no auge naquele período.

A cada hora que se passava, a expectativa tomava conta do público e dos convidados que aguardavam a entrada da banda. No camarim, estavam Robério Santana, Karl Franz e Gustavo Müllem, os dinossauros e heróis do rock’n’roll tupiniquin, esquentando as turbinas para não decepcionar os fãs e amigos. Além deles, também estava quem talvez tivesse maior responsabilidade naquele retorno, pois assumiria o posto de maior visibilidade diante do grupo: Eduardo Scott que, apesar de estreante no grupo, também foi figurinha carimbada na década de 80, em uma das mais importantes bandas do período, o Gonorréia. E, por fim, o mais novo: o batera Louis Fernando, que assumira as baquetas na cozinha da banda, ocupando o banquinho de Aldo Machado.

Pouco antes das 23h, um coro uníssono de “bota pra fudê!!!”, expressão adotada pelo público fanático pelo conjunto, convidava os músicos a subirem ao palco. Então, escoltados pela produção do show, uma a um, passaram pelo corredor de acesso ao palco, colhendo abraços e o incentivo dos amigos que estavam ali ao lado do camarim. Primeiro o estreante Louis Fernando, logo após Robério Santana, um pouco depois Karl Franz Hummel, em seguida, quase que guinchado pelo produtor Marcos Clement, foi a vez de Gustavo Müllen, e, finalmente, mais tranqüilo, porém não menos excitado com tudo aquilo, Eduardo Scott.

Já nos primeiros acordes, era nítido que estava tudo certo e a banda diria para que veio. Detonaram um repertório com os principais hits do conjunto, como: Silvia, Gottan City, Bete Morreu, O Adventista, Passa Tempo, Hoje, My Way… entre outras.

Os caras mostraram mesmo que estavam afiados e em sintonia com o público, que, por sua vez, não parava de gritar “bota pra fudê” e pedir as canções que marcaram a trajetória do conjunto. Scott, a essa altura, já estava completamente à vontade com a nova casa e os novos fãs e até arriscou algumas declarações políticas na introdução de algumas músicas.

Além dos maiores sucessos autorais, eles ainda apresentaram 2 canções do Gonorréia, que foi de rápida identificação do público, já que a banda possuía uma sintonia bastante parecida com a do Camisa de Vênus.

Foto: Margarida Neide

Depois de terminada a apresentação da banda, a galera ainda em catarse, convidou a banda a retornar ao palco e fazer mais um “bis”. Então, foi à vez dos convidados brilharem ao lado dos amigos e ídolos. Primeiro, o baixista Jerry Marlon; em seguida, o guitarrista e produtor da banda Marcos Clement; e por último, o primeiro guitarrista do conjunto, Eugênio Soares. E a noite, então, foi coroada com aquela que talvez seja a mais conhecida música da banda: Eu Não Matei Joana d’Arc.

Perfeito!

Depois de fechadas as cortinas, os músicos foram receber os amigos, a imprensa e alguns fãs no camarim, com a sensação de missão comprida e desafio superado. Todos queriam chegar perto e tirar algumas fotos com seus ídolos, e mais, desejar boa sorte na nova turnê.

Realmente, essa foi uma grande noite de rock em Salvador, que há muito tempo não se via. Aliás, foi uma celebração que resgatou uma atmosfera rocker excitante e punk, como nos idos dos 80, época que ficou marcada por revelar dezenas de bandas de rock, pelas festas e shows nos circos, pelos shows no New Fred’s, na AABB, no Teatro Vila Velha etc.

É importante lembrar que a grande maioria dos grupos de rock soteropolitanos foram formados nos shows do Camisa de Vênus. Uma cena que ficou marcada para aqueles que viveram o período e que alguns insistem em afirmar que não existiu.

E parar provar que essa cena existiu é que na, naquela sexta-feira, dia 29.01.2011, tiramos a prova dos nove e vimos o Camisa de Vênus de “Colírio ou Óculos Escuros”: a banda que nos rendeu o maior fruto desse período, mais uma vez, subir ao palco e BOTAR PRA FUDER!

Angela Pereira para o Microphonia.

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