O CAMINHO DAS PEDRAS

Se Tudo Correr Bem, Vai Dar Merda!

Angela Cristina
Microphonia
Published in
5 min readAug 25, 2020

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Graças ao meu atemporal amigo, Lucas Bertolucci, tive uma breve e incompetente carreira no teatro.

Em meados dos anos 90, Lucas, a convite da então formanda em Direção de Artes Cênica da UFBA, Kiko Palmeira, integrou, com os dois papéis principais, o musical — AMAZÔNIA.

O citado musical viria a ser a produção de formatura para a graduação da Kiko. Por se tratar de um espetáculo infantil, a agenda, mesmo antes da sua apresentação para a banca examinadora, já era agitada. O espetáculo era apresentado em bibliotecas, escolas, abrigo de menores infratores e onde houvesse uma criança para assistir.

Eu sempre batia os textos com ele e sabia de “cor e salteado” as falas da personagem que contracenava com o Lucas na montagem. Foi quando a atriz que interpretava o papel, por motivos pessoais, não pôde continuar com o projeto e, ele, praticamente me obrigou a aceitar tal desafio. (História para uma outra crônica).

Esta narrativa, é sobre um dia em que tudo poderia ter dado certo, se não tivesse dado tudo errado. Ou seja, se tudo correr bem, vai dar MERDA!

E neste caso, a palavra “MERDA” não se aplica, em nada, em votos para a estreia de um ator.

Com o espetáculo pronto para a apresentação da banca de avaliação da UFBA, a diretora reuniu todo o elenco para as últimas considerações, já que entraríamos em recesso junino e ela sabia que éramos um tanto “alegres” demais.

Então, nos falou:

— Gente! Tudo pronto! Pelo amor de Deus, cuidem-se! Não se machuquem, pois o corpo é o instrumento de trabalho de vocês. Entendido?

E em uníssono respondemos:

— Simmmm!

Só que não! A partir daí começou a nossa odisseia. Nós éramos o tipo de jovem que não podíamos ouvir um acorde e um copo de cerveja que não nos jogássemos de cabeça. No referido recesso, teríamos nada menos que o famoso ARRAIÁ da CAPITÁ. Ora! A culpa nem foi nossa, na verdade foi culpa do “sete peles” que nos empurrou ladeira a baixo.

A “DESGRAÇA” DA VIAGEM

Então, lá fomos nós, um grupo de amigos que moravam no Barbalho, inclusive, um outro membro do espetáculo, Luciano Sobral, rumo ao final de linha do Aquidabã. Pegamos o expresso Aquidabã/Lauro de Freitas que passava em frente ao Parque de Exposições de Salvador.

Oh! Que maravilha! O buzu estava vazio, nos acomodamos e fomos numa euforia que só a juventude consegue traduzir.

Foi quando, na altura do bairro Dois Leões, entrou uma avalanche de pessoas. A galera começou a pular e passar em dupla no torniquete para não pagar, criando uma confusão que deixou o pobre do trocador apavorado.

E o resultado?

O cobrador gritou:

— Leva pro módulo, motô!

Aí foi aquela gritaria, um “zum zum zum” dentro daquele coletivo. Quando finalmente paramos no módulo, subiram dois policiais, um foi para o fundo e o outro parou no centro do transporte. O mais à frente, em tom de autoridade de um juiz do STF, gritou:

— Cobrador?! Quem é o meliante?

E o cobrador, temendo futuras represálias, respondeu:

— Não sei, não! Foram todos esses aí que entraram ao mesmo tempo, menos esses aqui (referindo-se a nós) que entraram no final de linha e esse senhor aí nessa cadeira da frente! (dirigindo-se a um senhor que vinha do trabalho e pegou o coletivo conosco no Aquidabã).

Beleza! Ficamos com uma moral da zorra diante da autoridade.

O policial então gritou:

— Desce todo mundo! Menos vocês (apontando para nós).

Foi quando, em meio ao silêncio que se fazia diante da ordem dada pela OTORIDADE, ouviu-se um desabafo:

— Que desgraça!

Aí não teve jeito, o policial, no auge da sua patente de soldado destinado a resolver o perrengue, replicou:

— Quem deu essa desgraça?

E todos fizeram silêncio. Foi então que o pobre senhor, que entrou conosco no final de linha, levantou a mãozinha. Ah, Coitado!!!!

O policial então falou energicamente:

— Desce!

Ele retrucou:

— Mas eu já paguei!

E o PM impoluto disse:

— Deeeesce!

E fez todos pagarem e entrarem em fila indiana, e o pobre senhorzinho foi o último a entrar por castigo por ter dado a tal “DESGRAÇA”, fazendo o resto da sua viagem em pé!

ELBA RAMALHO E O FATÍDICO ADEUS DA MISS BRASIL

Finalmente estávamos dentro do parque. No palco principal tocava Elba Ramalho. Estava tão lotado que ficamos bem no fundo, que, de tão longe, só enxergávamos a cabeleira vermelha da Elba.

De repente, ouvimos um barulho de metal e vidros quebrando. Quando olhamos para trás, mesas e cadeiras voavam para todos os lados (na época eram aquelas mesas de ferro que as cervejarias emprestavam, hoje proibidas).

Uma loucura de gente correndo para todos os lados rachou nosso grupo ao meio. Levada pela multidão, eu só via as mãos de Lucas acenando para mim e desaparecendo no meio do povo. Era como aqueles corredores de filmes de terror que só cresce e nunca chega à porta. Bem assim!

Que pesadelo! E ele, performaticamente, me dava um adeus, a lá Miss Brasil.

Resultado, a briga foi tão grande que a polícia entrou descendo a marreta em que visse pela frente (quem estava na briga ou não). Na correria torci meu tornozelo, Lucas, do outro lado, recebeu uma típica “voadora” de um desconhecido nas duas pernas e Luciano se “estabocou” no chão deslocando o ombro.

O pior, não teve PAU DA BANDEIRA que fizesse nos encontrarmos de novo (entendedores entenderão). Resultado, resolvi voltar pra casa. Pode piorar? Pode! Não existia ponto de ônibus, tamanha era a aglomeração naquela noite. Então, tivemos que andar até o final de linha de MUSSURUNGA para pegarmos nosso AQUIDABÃ de volta. Chovia e fazia frio.

Quando chegamos ao final de linha, encontramos o que nos parecia um mendigo sentado no chão do ponto de ônibus com as mãos encobertas pelos punhos da camisa e todo encolhido e de cabeça baixa. Foi quando uma amiga nossa me chamou atenção- “Olha pra Lucas, Angela?”. E ele, levantou a cabeça com cara de derrotado! Quando nos viu, foi aquela alegria, parecia que era um reencontro entre combatentes do Vietnã.

O AMARGO REGRESSO

O ponto estava cheio, mas era melhor do que em frente ao parque, foi quando despontou um ônibus. Eu e Lucas corremos atrás desse ônibus que nem retirante para pegar o último “pau de arara” e fugir da seca. Circulamos a praça inteira atrás do buzu. E ele parou, justamente, no nosso lugar de origem, no ponto que estávamos. À essa altura o ponto de ônibus inteiro olhava pra gente com ar de desacreditados, como quem dissessem:

— O que esses dois desequilibrados estão tentando fazer, será que não viram a placa de “mão inglesa”?

Aff! Nunca passei uma vergonha tão grande na minha vida. O pior, voltamos em pé, pois fomos os últimos a entrar. Perdemos muito tempo com a nossa “volta olímpica” no final de linha de Mussurunga!

Resultado: um tornozelo, duas pernas e um ombro, todos enfaixados.

Agora eu pergunto: vocês podem fazer ideia o que ouvimos da diretora da peça quando retornamos e que ela viu 50% do elenco e seu ator principal, todos engessados?

A frase inicial foi:

— Eu só fiz a vocês um único e simples pedido (não consigo narrar a expressão que estava no rosto dela naquele momento) …O resto fica por conta da criatividade de vocês, porque foi exatamente o que estão imaginando.

Moral da história?

Nunca monte um espetáculo no período do ARRAIÁ DA CAPITÁ!

Ângela Cristina para o Microphonia.

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