O CAMINHO DAS PEDRAS

Sinistro — Um Breve Relato Sobre Algumas Personas

Angela Cristina
Microphonia
Published in
13 min readMay 22, 2020

--

Apresentação no World Bar 2003 — Barra ( ao fundo Pipoca — técnico de som)

“De tanto andar
De tanto andaaarrr
Por essas ruas, já eram quase doze…”


Engraçado que sempre que uma banda monta seu repertório, quem a acompanha e/ou é fã orgulhosamente cantarola a música que eles abrirão o show. Lógico, isso é intencional e faz parte da mensagem subliminar de marketing em identificação para a formação de um público. Os músicos, no que lhes concernem, já escolhem sempre essa primeira música com a intenção que ela saia como um “soco”.

No Persona Non Grata não era diferente e durante toda a temporada que fizeram no WORLD BAR na Barra (03 anos), eu ouvia os sussurros dos fãs da banda cantarolando “SINISTRO”, antes do show, e esse sempre foi o meu termômetro de que estávamos fazendo o dever de casa.

A SIMBIOSE DAS PERSONAS E SUAS IDENTIDADES

A banda imprimia nas suas execuções os traços das personalidades dos seus integrantes. Você pode imaginar cinco elementos completamente diferentes e distintos? Quem os conhecia de forma íntima entendia o mosaico que ali estava sendo montado e quem não, assimilava um equilíbrio salutar para uma encorpadura musical.

O PNG era uma BANDA, não uma “GIG”. Eles tinham uma cumplicidade que só quem é músico de “banda” têm. Todos se conectavam intrinsecamente num mesmo foco. Não estou dizendo que era “O País das Maravilhas”, na verdade, se fosse um filme, seria: “A Fantástica Fábrica de Chocolate” — Tudo uma delícia, só que não(risos)!

Karl Franz, André Ramos, André Lissonger, Gustavo Mullen e Jerry Marlon — Ensaio Fotográfico

REGISTROS GERAIS:

  • O “big” mau-humor crônico de Gustavo Mullen, unido a sua primorosa execução instrumental
  • O desempenho impecavelmente “rocker” e de musicalidade errática de Karl Franz
  • A maestria perfeccionista de Jerry Marlon, junto a sua irritabilidade instantânea
  • A ousadia pulsante, porém, altamente imprudente de André Ramos
  • Por fim a atuação memorável de band-lider e nem um pouco simpática de André Lissonger

É isso aí mesmo! Os caras eram bons? Eram! Mas “puta que los parió, Olegários” (que me perdoem o linguajar chulo), como eram problemáticos!

A “cozinha” era um verdadeiro conflito armado e os guitarristas uma guerrilha basca. No meio da FAIXA DE GAZA, restava ao cantor sucumbir ao papel de JUIZ DE PAZ e tentar fazer a aliança entre os povos em prol da sobrevivência da “espécie humana”. Baixava a cabeça respirava fundo, acendia um cigarro e se calava até que fosse restabelecida a ordem.

OS ENSAIOS

Lissonger — Ensaio ( à beira de um ataque de nervos)

A ode que começava pouco antes das 14 horas de sábado no estúdio da 8 de dezembro na Graça era um verdadeiro ritual. Tinha uma “birosquinha” simpática na frente onde esquentavam as turbinas antes de entrarem para sala, lá discutiam quais músicas passariam, novos arranjos, novas composições etc.

Quanto finalmente entravam e começavam a montar seus instrumentos, principiavam conversas paralelas entre Karl e Gustavo vs Jerry e André Ramos. Nunca eram condescendentes as tais conversas, sempre tinha uma “peleja” ali no meio, um — Olha só e um Veja bem!

Lissonger (concentradíssimo) geralmente em silêncio, literalmente cruzava os braços e ficava a espera do final das pendengas para que finalmente começassem.

Ao final das três longas horas já tinha acontecido toda sorte de situações, gargalhadas, bate-bocas, caretas, ufos, paradas repentinas, voltas da cabeça, desmanche da banda, saída de um integrante, retorno de outro, pausas para recarregar o pulmão e o fígado, nova parada para verter líquidos e o que ocorresse.

O incrível era que os ensaios sempre rendiam bastante. O pós também tinha seu ritual, nunca terminava sem mais uma boa rodada de “brejas”, conversas sobre projetos e shows. O fogo cruzado que acabara de acontecer, ficava lá atrás, nada de lamentações ou birras. Seguia o “baba”, trocavam apertos de mãos, passavam a régua e pediam a conta!

Não tenho a menor ideia de como esses HDs zeravam tão rápido — e nem quero saber. Não quero julgar ou culpar a pobre da cerveja, prefiro acreditar que eram seres de almas nobres e elevadas que sublimavam as pequenezas da vida.

DUAS APRESENTAÇÕES

A cada apresentação uma anomalia acontecia! Gustavo já largou a guitarra no chão para pedir ao técnico de som para desligar o ampli de Karl, Jerry já bateu com o braço do baixo no ataque de André Ramos, Karl já sentou na beira do palco e ficou assistindo a banda tocar e Lissonger já disparou no microfone — Vocês são chatos pra caralho, com esse papo de TOCA RAUL, eu não vou tocar Raul porra nenhuma, Pronto!”. E o mais insano era ver o público delirar com tais facetas.

1. PALCO DO ROCK — PERSONAS SUJOS E AGRESSIVOS

Sei que esta história já foi contada por diversos prismas diferentes e até rendeu uma matéria no JORNAL A TARDE com o tema: SÓ AS TREVAS SALVAM, com o subtítulo MAIS UMA CONFUSÃO NO SHOW DO PNG. Nunca fui o tipo de produtora que ficou no “backstage”, sempre fui para o “front” para o meio do público para assistir de frente o show. Portanto, jamais esquecerei esta cena.

Palco do Rock — 2006 (André Lissonger e Jerry Marlon)

Fevereiro de 2006, o show mais aguardado da noite era o do PNG, tinham plena consciência que os nomes Gustavo Mullen e Karl Franz trazia um peso para a banda. Parte do público que os acompanhavam migravam do CAMISA DE VÊNUS, mas isto nunca os incomodou. Faziam a ponte entre os fans do Camisa e agregavam com os do Persona com muita maestria.

No momento em que o grupo deu os primeiros acordes de “HOJE”, a plateia entrou em delírio e começaram a se digladiar. Até então tudo bem, um ato comum em shows de bandas punks, vez ou outra um “camisa preta” subia ao palco e se jogava no meio da multidão. Os seguranças corriam para tirá-los, porém, nada fora do esperado nos momentos que executavam as músicas do Camisa de Vênus.

Punks que acompnhavam a maioria dos shows da Persona

Foi então que mais um punk subiu ao palco e ao invés de se jogar para o público, tomou uma reta e foi ao encontro do Karl, até hoje não sabemos ao certo a sua real intenção, mas aparentemente queria abraçá-lo. Hummel então num ato de impulso, tirou a correia da guitarra e o empurrou para ganhar distância. Gustavo continuou estático sem entender o que acontecia e Jerry atravessou o tablado correndo em direção ao auxílio de Karl. Nesta hora Lissonger olhou para trás e largou de súbito seu pedestal de microfone e entre empurrões e chutes lançou o indivíduo palco abaixo. Só que o arremessado rapaz não foi sozinho, levou toda a fiação em suas mãos amortecendo pra amortecer aqueda! O resto virou lenda!

A saída do camarim para retorno aos seus veículos foi digna de roteiro de filme de Tarantino. Um tumulto enorme, todo mundo falando ao mesmo tempo, 50% de punks queríam salvá-los e os outros 50% queriam trucidá-los.

Então foi feito um corredor do fã-clube do PNG, liderado por Lorenço e Ribeiro (que ainda hoje mantêm vínculo com Jerry e Gustavo) e fãs do Camisa para escoltá-los até seus carros. A esta altura eu já fumava de dois em dois cigarros e engolia a cerveja com a lata e tudo.

2. CAFÉ ATELIÊ — NÃO SE PREOCUPEM NADA VAI DAR CERTO

Recebemos um convite para uma apresentação no Café Ateliê em São Caetano. O espaço era de um sulista (se não me engano), muito gente fina, artista plástico. Já tínhamos ouvido falar que o espaço era “underground” e de muito bom gosto e era um desafio para banda sair do circuito Barra/Rio Vermelho.

Nos dividimos em três carros e nos jogamos de cabeça para o subúrbio. Ebaaaaa! Só que não!

Adriana e Lucas Bertolucci ( testemunhas do dia fatídico)

Se existisse uma máquina do tempo, juro que a destruiria, para não ocorrer a possibilidade de voltar àquele dia. Em um carro estavam Lissonger, Larissa (a então companheira de Lissonger), Karl, Gustavo. Em outro Lucas Bertolucci (jornalista), Adriana (minha irmã), Jerry e eu. André Ramos vinha sozinho no seu, carregando sua batera e os demais instrumentos e amplis para que os outros carros ficassem mais leve.

Na subida da ladeira do São Caetano o carro de André morreu, desencarnou, faleceu, foi comer capim pela raiz! Aí, para daqui, para dali e põe instrumento pra cá, carrega bateria lá, iça ampli, põe gente num carro, sai gente do outro e fomos todos que nem sardinhas enlatas, sem direito ao molho de tomate.

Seguimos avante e determinados a viagem, não conhecíamos bem o caminho (Gustavo dizia energicamente que não nos preocupássemos que ele conhecia tudo por ali e que bastava seguí-lo). Resultado, fomos parar na Estação Pirajá para fazer um retorno e entrarmos finalmente no São Caetano.

Foi quando finalmente avistamos uma multidão no meio da rua. Aí nos situamos, chegamos! A esta altura, os ateus do grupo já estavam dando graças a Deus e fazendo o sinal da cruz! A galera na expectativa dos “camiseiros” chegarem, eis que eles surgem espremidinhos em dois carros (oh, mico miserável!). Eu, como boa produtora que sou, não perdi minha postura, desci primeiro do carro e fui até o local para saber das condições.

Um vaso sanitário que servia de canteiro de plantas logo na entrada (até aí tudo bem, artístico e reciclável), apenas uma porta que dava num corredor e ao longo dele avistava-se um pequeno quintal. Não tinha palco, não tinha mesas, na verdade, não tinha nada.

Me apresentei ao dono com um largo sorriso no rosto e com um tom gentil, perguntei:

— Onde eles se apresentarão?
— Aqui! — respondeu ele alegremente.
— Aqui onde? — olhando para o corredor.
— Do lado da porta — ele apontou.
— Mas, não vai bloquear a passagem das pessoas, não?
— Não tem problema, não! É assim mesmo — sorrindo mais ainda.

Apresentação em Camaçari — 2007

Aí caiu a ficha! Na casa não cabia ninguém, por isso tanta gente na rua. O dono estava radiante, nos serviu cerveja a “rodo”, tira-gostos, pagou o cachê antecipado e a turma lá fora numa expectativa gigante para eles começarem. Lá foram eles espremidinhos pela multidão entrar naquele corredor para montar o “palco”. E vamos procurar tomada, puxar extensão, apertar de um lado, afastar do outro, etc. Afinal de contas não eram um trio, eram um quinteto com três amplis e bateria completa.

Quando finalmente começaram a tocar, gente passava pelo meio da banda para comprar bebida, gente saía para respirar, um entra e sai frenético para ir ao banheiro, um calor insuportável e o público que conseguiu ficar no espaço circundava a banda e tapava ainda mais qualquer sopro de ar que o local possivelmente tivesse.

Os cabras derretiam de suor e a galera a gritar — “bota pra fudê, bota pra fudê”! Eu a rezar para que o show terminasse logo, e o dono a essa altura, em êxtase total, já havia largado o bar e se juntado ao público para curtir o show. Selando com chave de ouro, não havia onde sentar. Quando acabou o show, Ramos foi para o quintal arejar um pouco e sentou num tanque de ETERNIT. A tampa quebrou e ele mergulhou de “bunda” na água. Aí foi outro corre-corre (capítulo à parte).

Primeira Edição da Festa Troca de Segredos — Bar do Farol ( Hoje Commos)

Sinceramente, se eu disser que me lembro o desfecho exato desta noite, mentirei. Logo eu, que sou a famosa pela memória de elefante, mas foram tantos eventos ocorrendo que ficou difícil ter algum desfecho lógico na minha mente. Acredito que ninguém deva ter. Se tiver por favor, não me contem, o que lembro já é o suficiente.

Esses foram dois relatos que escolhi para dar uma dimensão da saga que eram as apresentações. Mas foram tantas outras situações inusitadas, como saírem corridos de Santo Amaro/Ba porque Gustavo xingou um punk de cima do palco, Lissonger discutindo com o público de Feira de Santana/Ba que pediu “Toca Raul”, a mudança gigantesca de um palco para o outro em Camaçari, um show dentro de um dos quartos do antigo Atelier Bar no Boulevard Suíço nos cinquenta anos de Maurício Miau, o Show com Velhas Virgens, show à meia-luz no Clube de Engenharia, no Berinjela e tantos outros.
Não deveriam se chamar PNG e sim RPM (Revoluções Por Minuto — meu Deus que heresia!).

Jerry Marlon, Andre Lissonger, Gustavo Mullen, (Luiz Mullen) Karl Fran e Jorge Brasil

PERSONA S/A

Após um período sabático, o Persona retornou com algumas mudanças. Após uma pesquisa, descobrimos que já existia um outro grupo com o nome PERSONA NON GRATA e nos causaria problemas para futuros registros de músicas, inscrições em projetos e gravações de discos. E mudou para PERSONA S/A. Convidado por Jerry Marlon, JORGE BRASIL assume a bateria. A maioria dos vídeos encontrados no Youtube da temporada do Groove Bar e das Festas Trocas de Segredos são com registros do Jorginho na bateria. Foi um período muito intenso e de muitas apresentações bem sucedidas. Recebíamos muitos convites para shows em eventos fora da cidade e festivais de rock.

Típico flyer de show.

JONIEL — NOSSO “CHARLIE”

Quem lembra do seriado “As Panteras” dos anos 80? Pois tínhamos o nosso “homem da secretária eletrônica”.
Há quem diga que viu o JONI nos shows. Fato é que não existem registros ou fotos que comprovem essa aparição. Outros julgam ser o alter ego do André Lissonger. Minha tese é que ele controlava de tudo de uma saleta ao lado.

Joniel — nosso “Charlie”.

Devaneios a parte, a junção Lissonger & Joniel na parceria das composições das músicas foi sem dúvidas um fator predominante para o sucesso musical da PERSONA. Quem teve oportunidade de ouvir as canções, jamais passou ileso por elas, não tinha como. São letras belíssimas, temáticas sociais, políticas, viscerais, não datadas, com muito lirismo, poesia, harmoniosas, muito legítimas e que falam de amor sem ser piegas ou caricato, a exemplo da música “Jhonny”(da qual sou supeita de falar que é uma das minhas favoristas). Afinal de contas, o que vem revelar uma banda se não as suas composições?

CURIOSIDADES:

  • O primeiro baixista da banda foi Miguel Baiense (ex baixista do Gonorreia) saiu por motivos pessoais, mas continuou acompanhando os trabalhos do grupo e permanece amigo de todos.
  • A banda tinha dois super fans, um (era) o José Karl (o próprio se apresentava desse jeito) e o outro Ernesto Ribeiro. O mais engraçado que quem os via de longe achavam que eram melhores amigos, se abraçavam a noite inteira e ficam juntos no gargarejo cantando durante todo show. Só soube anos depois numa conversa com um deles que nunca foram amigos pessoais e mal se conheciam (história longa).
  • Séquito — Lendo biografia de um desses grandes nomes do rock mundial, este falava justamente sobre o quão é importante uma escolta que acompanha um conjunto. Não são os fãs, são amigos que chamam, convidam, compartilham, fazem materiais gratuitamente para ajudar, pagam ingressos, e se dispõem das mais diversas formas de maneira voluntária para que a “coisa” aconteça. O Persona tinha essa comitiva. Não posso citar nomes aqui, para não incorrer no risco de esquecer alguém.
Amigos que acompanhavam a banda — Festa Troca de Segredos — Entre eles: Marcelo Almeida e Marcos Botelho (Ramal 12) David Roth da (Espirito de Porco), Miguel Cordeiro e Lêda Medrado, Eva Mullen (filha de Gustavo Mullen), lberto Adler (publicitário), Antônio Carlos Regebé, Bjonga Senna (Publicitário), Alan Gabriel ( filho de Jerry Marlon), Flávio Lacerda ( irmão de Cláudio Lacerda — Ramal 12)

ALGUNS CARDS

A SURVIVOR

Rememorar e compartilhar algumas das memórias do PERSONA aqui com vocês, me lançou uma longa e deliciosa viagem no tempo. Com este grupo dei meus primeiros passos na área de produção de bandas e comecei engatinhar na produção musical e, diga-se de passagem, aprendi com os melhores, perdi a “virgindade” em alto estilo, com uma banda sensacional que deixou sua marca nos anais do rock tupiniquim. Fui recebida com muita generosidade por esses dinossauros. Esta experiência me trouxe cancha para enfrentar grandes desafios da minha profissão ao longo desses anos e me fez a profissional que sou hoje. Porém, uma coisa eu digo com toda certeza, com banda autoral, nunca mais!

“Talvez a memória esconda um sonho a se acordar…
Teu nome é veneno, a tua voz inteira a noite…

Eu já nem sei! Eu já nem sei!

Quando a noite cai… não mais
Inteira a cobrir o que há a se desvelar
Sinistro… é tudo isso a embaçar os meus olhos

Sinistro! Tudo isso a embaçar meu olhos””

Ângela Cristina para o Microphonia.

--

--