ENTRE CORDAS E POESIA

Um Grito Repleto de Silêncio.

Junior Vaz
Microphonia
Published in
2 min readApr 3, 2020

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Francis Bacon, detalhe do estudo de uma pintura de Veláquez’s do Papa Inocêncio X (1953)

Hoje deu banzo! Lembranças de um velho amigo de infância e parceiro de descobertas sonoras. Daqueles que compartilhar o único violão, ao ponto de ser uma noite na casa de cada um, era um exercício pleno de amizade.

Nutria um grande apreço pela sua companhia, não somente pela afinidade musical, mas, principalmente, por perceber ou intuir um certo descompasso naquela cabeça genial e acelerada.

Todos os dias, por alguns meses, sentávamos para arranhar as cordas. Um punhado de revistas, o diapasão – indubitável árbitro das dúvidas auditivas – e a constante brincadeira de um dia sermos astros do rock. Ele, com a imensa capacidade de decorar letras e sequências dos acordes, e eu, com um pouco mais de destreza no gordinho Giannini com cordas de aço.

Soube, recentemente, com palavreado por demais pejorativo – Cara, Mauricio tá precisando de camisa de força! — , que o querido amigo andava estranho e num agudo distanciamento social.

Photo by Ian Espinosa on Unsplash

Há muito tabu em torno das doenças psíquicas. Amigos e familiares, muitas vezes, desviam do assunto e isso reforça a recusa em se reconhecer doente e aceitar ajuda profissional. Além disso, convivemos com insensíveis e desnecessárias “brincadeiras”: esqueceu de tomar os remedinhos? andou rasgando dinheiro? Quantos de nós não soltamos coisas desse tipo, achando serem piadas inofensivas?

O triste é que o talentoso amigo parece ter o caminho fechado para a poesia da vida.

CASULO

Porquês em demasia cultua

Introspecção pensa ter ido

Os pés

Um bailado

Apontam infinito

Frenéticos

Sem alma

Morrido?

Paraquedas fechados só é

O cume sem vento aspersão

As mãos

Os detalhes

Não cura

Futuro

Sem unha

Repetição?

Tilintares dóricos amiúdes

Centelha abanada devoção

O eu

Acamado

Se vê

Apartado

Infeliz

Sem razão

Thank you, Joni, por sacudir o passado com seu excelente texto, inspirando-me a escrever sobre o meu fraterno amigo.

De banzo fico, abraçando cordas e fugindo do quarto escuro através de pincéis invisíveis!

Junior Vaz para o Microphonia.

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