O futebol argentino unido por verdade e justiça

Clubes se manifestam no dia que marca os 42 anos do golpe civil-militar. E no Brasil?

Glauber Morais
MIDIAPUNTA
4 min readMar 24, 2018

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Jogadores do Banfield e multidão na Praça de Maio (Fotos: 1. La Nacion / 2. Twitter @BetoMeddis)

Neste sábado não tem rodada da Superliga Argentina. É Data Fifa e a seleção albiceleste venceu a Itália na véspera no penúltimo amistoso antes de Jorge Sampaoli confirmar a lista Messi + 22 que vai à Rússia em junho. Estádios vazios, dia de bandeiras e povo nas ruas.

24 de março é o Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça. A data marca os 42 anos do golpe de estado que depôs Isabelita Perón da Casa Rosada em 1976. O regime ditatorial se estendeu até 1983 deixando mais de 30 mil mortos e desaparecidos.

Presos e perseguidos políticos, tortura e uma nebulosa Copa do Mundo fizeram parte do contexto social, político e esportivo durante os anos de chumbo. A repressão agia dentro dos estádios:

“Há denúncias que durante a ditadura militar argentina, algumas das mortes em estádios foram, na realidade, ações dos militares para disfarçar a execução de seus adversários políticos (…) em meio à onda nacionalista que a ditadura buscava dar ao Mundial, ouviram-se também manifestações da torcida contestando o governo: ‘Vai acabar!/ Vai acabar!/ A ditadura militar!’”. — Trecho do livro Uma História das Copas do Mundo, futebol e sociedade, de Airton de Farias.

E mais uma vez o futebol não se calou. Dezenas de clubes argentinos se manifestaram via redes sociais usando hashtags como #NuncaMás e #DiaDeLaMemoria.

Dos times mais tradicionais de Buenos Aires, a “equipos de barrio” e cidades de outras províncias encamparam o lema “recordar o passado para não repetir no futuro”.

River Plate, Vélez, San Lorenzo, Racing e Independiente (em meio ao escândalo de prostituição na base) postaram mensagens:

O Banfield divulgou vídeo sobre os horrores vividos no bairro.

Em La Plata, o Estudiantes debateu o assunto com jovens das categorias de base que estudam na escola do clube.

E o Boca?

Como você notou, o Boca Juniors é o único entre os principais clubes do país que até o momento não se manifestou oficialmente. O silêncio xeneize pode ser explicado por um motivo: presidente Maurício Macri, ex-mandatário do clube de 1995–2007.

Apesar do discurso protocolar, Macri é acusado de corrupção nas relações entre suas empresas e a ditadura. Nos últimos meses, virou alvo de outra mobilização que une várias torcidas argentinas.

Nascido nas arquibancadas do Nuevo Gasometro como protesto da hinchada do San Lorenzo por seguidos erros de arbitragem a favor do Boca, o hit #MauricioMacriLaPutaQueTeParió logo extrapolou o futebol, sendo cantado em todo tipo de espaço público para manifestar a insatisfação com o atual governo.

UPDATE 24/3/18 18h33: No fim da tarde, o Boca postou esta imagem.

Post do Boca Jrs. chamou mais atenção pelo claro improviso que pela causa

No próximo dia 1º de abril, Dia da Mentira, é a vez do Brasil recordar o golpe que iniciou a ditadura militar de 1964–1983. Se depender dos nossos clubes, não espere nada muito diferente do que (não) fez o Boca. O período de autoritarismo está diretamente ligado ao atraso, esquemas e negociatas que alimentam as relações de poder entre clubes, federações e governos até hoje.

Com raras exceções, cartolas e jogadores brasileiros seguem indiferentes a estas e outras questões. Via de regra se omitem, pelo menos publicamente. Os clubes como instituições idem. A ideia do futebol como um mundo a parte, alheio ao que diz respeito à sociedade é também fruto das relações entre o regime e o esporte.

Fiquemos por conta de torcedores como os flamenguistas, cruzeirenses e gremistas que tiveram faixas e bandeiras em homenagem a Marielle Franco censuradas nos estádios esta semana. #MariellePresente ajuda a provar que sim, o futebol faz parte do mundo real. Resistir é lembrar o passado para não repetir no futuro. #NuncaMás

Faixas de cruzeirenses flamenguistas censuradas (Fotos: 1.Reprodução / 2. André Melo Andrade/Eleven/Estadão Conteúdo)

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Glauber Morais
MIDIAPUNTA

Jornalista| Editor de Conteúdo| Adepto do Fruta, pan y café