Palmeiras vai jogar. Eu vou?

A luta contra a elitização do futebol é de todas as torcidas

Glauber Morais
MIDIAPUNTA
5 min readMar 23, 2018

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Palmeirenses no Gol Norte: setor mais barato custa R$ 180 na Libertadores (Foto: Divulgação/Allianz Parque)

A conta chegou. E foi como se o garçom safado tentasse empurrar o dobro de chopes na comanda do distraído grupo de amigos. Só se esqueceu que sempre tem aquele mais atento que guarda as bolachinhas porta copos.

Grande parte da torcida do Palmeiras não está nem um pouco a fim de pagar essa fatura sem fazer conta só porque é dia 5 e o salário caiu, ou melhor, porque é Libertadores.

Não tem obsessão que valha mais que a alma do futebol: o torcedor e todos os seus sentimentos, grupos sociais e econômicos. O esporte não é o mais popular do mundo à toa. É feito de gente e por isso mesmo mobiliza as massas.

No caso alviverde, a expectativa pela a estreia em casa na competição sulamericana esbarrou na absurda tabela de preços para o jogo contra o Alianza Lima.

Preços para Palmeiras x Alianza Lima: Mais de 15 mil bilhetes vendidos na pré-venda. (Divulgação/Palmeiras)

R$ 180 no setor mais popular é um abuso. O dobro do valor cobrado no primeiro jogo como mandante na edição do ano passado.

A política de ingressos do Palmeiras é clara ao focar no Avanti, o bem sucedido plano de sócios-torcedores. Na prática, eles vão pagar R$ 90 pelo Gol Norte com os descontos de pelo menos 50%.

A reação ao protesto dos torcedores só piora as coisas. A cúpula palmeirense diz que é isso mesmo e que é bom ir se preparando que contra o Boca Jrs as entradas devem ser ainda mais caras.“Dane-se o torcedor comum”, é o recado dado pela diretoria.

O privilégio a quem se associa é natural e até justo para quem ajuda não só a gerar receita como a garantir a previsibilidade desta fonte de recursos para o clube.

OK também para os critérios de rating que premiam os mais assíduos com a preferência nos jogos mais concorridos. É assim no mundo inteiro. Lei da oferta e procura ajustando preços conforme o interesse por cada partida.

Até aí tudo bem. O que é inaceitável é a sanha, o senso de oportunismo acima de tudo. É o caráter excludente empurrado goela abaixo.

O que fazer? Boicotar jogos no Allianz Parque? As parciais de bilheteria para o dia 3 de abril provam que não vai adiantar muito. Tem torcedor que paga sem pestanejar e estes também merecem respeito.

Pré-jogo foi proibido com bloqueio da antiga Turiassu, hoje Av. Palestra Itália. (Foto: #OcupaPalestra)

Aos excluídos, resta resistir, ocupar os poucos espaços nas arquibancadas ou nas redes sociais. Se mobilizar como já acontece através do #OcupaPalestra.

“Os preços de ingressos praticados para ver um jogo no Allianz Parque são proibitivos para inúmeras famílias Palmeirenses. Torcedoras e torcedores que estiveram com o time no Velho Palestra, no Pacaembú, no Canindé ou em Barueri, acabaram perdendo seu lugar. A forma de acompanhar o time, para muitos, tornou-se o pré-jogo na Turiassu — uma das tradições futebolísticas mais importantes do Futebol Paulista”.(Manifesto Ocupa Palestra)

Lutar contra o bloqueio do entorno do antigo Palestra Itália é lutar contra a elitização. Nunca foi micareta. É cultura de estádio. E se nem a rua for livre e democrática, como cobrar o mesmo do lado de dentro?

Este é o ponto. Não é sobre pagar mais ou menos que um jogo Real Madrid na Champions League. Vai além. É sobre a identidade e o pertencimento entre torcedor e SEU clube. Tem a ver com quem faz o estádio pulsar. Excluir o povo que canta e vibra é perder a atmosfera, a alma forjada a lágrimas e suor sobre o cimento do velho Palestra.

Ingleses protestam: Temporada 2017/2018 tem ingressos mais baratos desde 2013

Se é pra olhar pra Europa, vale a pena prestar atenção no processo vivido na Premier League. O debate sobre elitização vem de longa data, mas a partir de 2013 uma série de protestos de torcedores de diferentes clubes em reação aos altos preços começa a dar resultados.

A atual temporada inglesa registra o ticket médio geral mais barato desde então. Queda pelo segundo ano consecutivo e 80% dos preços reduzidos ou congelados.

O desafio por lá agora é tornar os estádios mais acessíveis aos jovens. O mesmo estudo anual da BBC sobre o “preço do futebol” detectou que os torcedores de 18 a 24 anos interagem mais com o esporte no video game, em apostas, ou jogando com amigos. Os altos custos são apontados como principal motivo de não frequentarem estádios regularmente.

Como bem observa o João Abel neste post para O Contra-Ataque, está cada vez mais difícil cumprir ao pé da letra a promessa cantada nos versos que ecoam no Allianz Parque a partir do tal Gol Norte:

“Todo amor que eu sinto por ti, eu vou passar pros meus filhos”

Para isso é preciso abrir as portas dos estádios para todos os níveis de representatividade. Jovens, crianças, famílias, organizadas, mulheres, LGBTs, idosos, pessoas com deficiência, torcedores do interior, de outros estados, turistas. Tem lugar pra todo mundo. Seja ou não sócio-torcedor.

O momento é agora. É das próximas gerações que estamos falando. É do futuro e do presente. O futebol não é entretenimento. É e sempre será do povo e para o povo. Não importa a bandeira.

#IngressoCaroNão

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Glauber Morais
MIDIAPUNTA

Jornalista| Editor de Conteúdo| Adepto do Fruta, pan y café