A trajetória do desenvolvimento de jogos na capital cearense

De passatempo nostálgico a mercado em crescimento

Cindy Damasceno
Mídium - Comunicação em Movimento
5 min readNov 24, 2017

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Nas próximas duas quartas-feiras, o Mídium lançará uma série de reportagens em três partes, começando hoje, que terão como foco o desenvolvimento cearense de jogos. A área caminha para se tornar viável e, apesar dos obstáculos, segue em busca de alcançar a estabilidade.

Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

O segmento de jogos é uma das mídias mais lucrativas: o setor movimentou em 2016 quase o triplo do capital arrecadado por outras grandes indústrias do entretenimento. O Brasil, constantemente, aparece como produtor emergente, tendo as regiões Sul e Sudeste como maiores polos desenvolvedores de jogos, segundo a Associação Brasileira de Games (Abragames).

Distante do eixo produtivo, o cenário de desenvolvimento em Fortaleza caminha para se estabelecer como um negócio viável. O crescimento do interesse na área viabilizou o surgimento de medidas voltadas para a formação e o aparecimento de empresas exclusivas nesse nicho. Ações para introdução e apresentação da mídia à população estão sendo oferecidas tanto no nível municipal, com a Casa de Cultura Digital, quanto no estadual, com o Centro Cultural Grande Bom Jardim.

A curiosidade por essa alternativa é palpável: “Nós já começamos a ver algumas instituições privadas se interessando em jogos para entrar nesse mercado no setor de gamificação”, afirma Marcus Botelho, ex-presidente da Associação Cearense de Desenvolvedores de Jogos (AscendeJogos). A cooperativa de desenvolvedores nasceu da necessidade de fomentar a cena local. “Apesar do mercado restrito, existem [vários] pontos de atuação, desde a gestão à programação”, acrescenta.

Para além do investimento de terceiros, produtoras cearenses têm alcançado destaque nacional e internacional de forma independente. A Onanim recentemente obteve êxito no financiamento coletivo de um de seus produtos, o jogo de luta 2D Trajes Fatais. A equipe acumulou mais de R$ 114.000,00 em sua campanha no Catarse e trabalha no momento em uma nova versão do projeto. A Propixel lançou, em outubro de 2016, a sua plataforma Byte Family na Steam, uma das principais lojas virtuais para essa mídia.

Reprodução: facebook.com/traf.onanim

O otimismo atual é fruto de um esforço iniciado no começo dos anos 2000. Os primeiros sinais de um possível cenário de jogos independentes começaram a aparecer em Fortaleza por voltar de 2002, mas foi somente em 2008, com a criação do Grupo de Desenvolvimento de Jogos (GDJ-CE) e a abertura do primeiro curso de formação no estado, que o segmento passou a ter uma forma definida.

As primeiras movimentações

O programador Edward Facundo acompanhou a mobilização em torno da produção de jogos na cidade desde o princípio. Também membro da AscendeJogos , participou de círculos para discussão de tecnologia e computação ainda no começo dos anos 2000. Ele relaciona o surgimento da área às iniciativas de software livre do estado.

“A raiz do desenvolvimento de jogos aqui no Ceará está muito atrelada ao movimento de software livre, [que tinha como expoente] o Projeto Software Livre — PSL- CE. Lá por 2002 você tinha grupos locais reunidos que faziam essas trocas [de informações].”

Edward Facundo. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

O fascínio pelo desenvolvimento regional teria surgido naturalmente. O sentimento, para Facundo, se intensificou com o retorno do programador David Ferreira a Fortaleza, após uma temporada em Brasília. “O David já vinha participando de uma iniciativa nacional chamada PDJ, o Projeto de Desenvolvimento de Jogos. Tudo ainda de uma forma muito rudimentar. As grandes engines eram inacessíveis para a realidade brasileira.”

As articulações se desenrolaram pelo viés acadêmico. Boa parte dos entusiastas da época eram profissionais de outras áreas que tinham o estudo de jogos como hobby. “Nos reuníamos no Simpósio Brasileiro de Engenharia de Software que ocorreu no IFCE, antigo CEFET”, continua.

“Começamos a pensar em formar um grupo no mesmo molde do software livre que pudesse agregar as pessoas interessadas em desenvolver jogos aqui. E daí surgiu o GDJ-CE, o Grupo de Desenvolvedores de Jogos [do Ceará]”

Convite para o I Encontro de Desenvolvedores de Jogos do Ceará. Reprodução: http://fztech.dukitan.com

Grupo de Desenvolvedores de Jogos do Ceará

Os encontros do GDJ-CE aconteciam mensalmente, sempre reunindo um público diverso e interessado em explorar o desenvolvimento em Fortaleza, Apesar de não possuir nenhum apoio institucional direto, o grupo progrediu. “Fomos crescendo. Fomos agregando pessoas como o Daniel Gularte, do museu de jogos Bojogá, e diversas outras pessoas foram se aproximando, como também o Izequiel Norões da UCEG [União Cearense de Gamers], mas voltado para o consumidor”, relembra.

Iniciou-se um ciclo de palestras idealizadas pelos integrantes do grupo, sempre com o objetivo de chamar pessoas envolvidas de alguma forma na produção no Ceará. O mercado era abastecido por jogos educacionais. “O entretenimento não era o foco na época”, comenta Facundo. “Todas as iniciativas eram educativas ou ligadas a educação.”

8° Encontro do GDJ-CE em 2008 na Faculdade Ateneu. Reprodução/ GDJ-CE

Alguns participantes dessa vanguarda trabalham hoje em instituições voltadas para a formação acadêmica. “Na época, o Milton, professor da [Jogos Digitais na] FIC já participava do GDJ-CE como colaborador. O Glaudiney [Moreira], coordenador do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC também fazia parte, inicialmente”, completa Facundo.

O primeiro curso

A Faculdade Integrada do Ceará — FIC, agora pertencente ao grupo Estácio, é uma das instituições locais que oferecem formação na área. Ela inaugurou em 2008 o primeiro ensino de nível superior do Norte e Nordeste exclusivo para jogos.

“O curso de Jogos Digitais é fruto da Fábrica de Projetos, [uma iniciativa] dentro [do curso] de Sistemas de Informação” conta Aminadabe Barbosa, coordenador e professor do Curso de Jogos Digitais. A Fábrica era composta por células de estudos, cada uma focada em uma especialidade.

Aminadabe Barbosa. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

A vontade da criação, segundo Aminadabe, veio de uma carência de profissionais regionais. “O Professor Milton Escóssia então chegou com a proposta de transformar [a célula] em curso. Viu-se essa necessidade pelo contexto.”

Em 2011, a Universidade Federal do Ceará disponibilizou o curso de Sistema de Mídias Digitais, com ingresso mediado pelo Sisu. Posteriormente, em 2014, a Faculdade Farias Brito lançou uma formação técnica em Jogos Digitais.

Atualmente, a FIC lidera o número de profissionais recém-formados e que buscam a entrada no mercado de trabalho fortalezense. Os egressos estarão inseridos em uma cena forjada na persistência, focada em produzir.

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