Foto: Marília Freitas

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Afetos Periféricos

Projeto retrata a periferia de Fortaleza, na região da Praça do João XXIII, discutindo estigmatização e resistência

Equipe Mídium
Mídium - Comunicação em Movimento
5 min readDec 20, 2018

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Textos e fotografias por gabriela feitosa, Marília Freitas e Pedro Victor Lacerda.

Inicialmente pensado para a disciplina de Fotojornalismo do curso de Jornalismo na UFC, o Afetos Periféricos surge em um momento turbulento na vida de três estudantes que, impulsionados pela vontade de vivenciar o fazer jornalístico, resolvem sair às ruas de bairros de Fortaleza, lugar onde vivem.

Surge também em momento de turbulência no que tange o político e o social. Assassinato de Marielle, eleições 2018, Jair Bolsonaro eleito, incertezas sobre o ano que virá e as muitas violências, ora escancaradas, ora silenciosas, que circulam em Fortaleza, capital do Ceará, tida como a sétima cidade mais violenta do mundo.

Existem taxas, estatísticas, dados sobre crimes. Existem desigualdades, negligências, exclusão. Existem Fortalezas que poucos conhecem, que fazem questão de esconder. Mas existe uma Fortaleza que não pode ser medida, que não se encaixa em taxas, estatísticas ou dados, porque, grande demais, ela transborda em forma de gente.

O Afetos Periféricos se propõe a colocar estudantes de Jornalismo nas ruas em uma busca sensorial por histórias de pessoas, lugares, trajetos e caminhos. Utilizamos a plataforma Medium para as publicações, bem como o Instagram como fomentador de conteúdo. Para atuarmos, fomos à Praça do João XXIII, e também seus arredores, lugar onde um dos criadores do Projeto reside. A região, antes integrando o bairro João XXIII, hoje é contabilizada em fontes oficiais como parte do Jóquei Clube.

Depois de finalizado, o sentimento de completude nos fez entender que o projeto deveria continuar. Sentindo que 2019 surge como um ano de indefinições, engatinhamos até ele com coragem e afeto. Afeto que nasce em nós, de nós, para nós, através desse caminho misterioso que é descobrir o jornalismo.

Espaço

Início do segundo turno da corrida presidencial. Eliane Brum publica, em 9 de outubro, na sua coluna para o El País, um “manual para enfrentar as próximas três semanas e transformar luto em verbo”. Um dos pontos de discussão da jornalista é a resistência e, em uma de suas primeiras formas, nas cotidianices, resistimos por não pararmos, por manifestarmos nossa existência e por fazermos vivências, nos afetos.

Busto do Papa João XXIII, que também nomeia o bairro // Foto: Marília Freitas

A Praça do João XXIII é ponto de encontro da comunidade local, encruzilhada de povos e de voz. Juntamente com as leituras feitas por Eliane Brum, e com todo o contexto de efervescência política, em Praças, Povos e Voz, uma das publicações, expomos parte do resultado de nossa experiência atuando no espaço, bem como da tempestade de ideias que nos levou ali. No movimento, na ocupação das praças, no lazer, nas pessoas, no ser e estar compõem-se, também, o que alimenta nossa resistência, nossa política.

As dificuldades de estar longe dos centros de privilégios da Cidade, ou mesmo próximo a eles — sendo os processos de exclusão complexos — não são ignorados. Nessa região, os bairros atingem “muito baixo” no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com o portal online Fortaleza em Mapas. Os estigmas, que envolvem questões como a criminalidade e a violência, resvalam sobre a população, cerceando perspectivas acerca de suas capacidades humanas. Os programas policialescos acabam por fomentar essa distorção, exibindo uma história única destes locais, marcada pelo estereótipo do perigo.

Plural

Buscando escutar quem vive na região, produzimos a fotorreportagem intitulada por foto-afeto. Explica-se as vivências, a partir de quem as sente, sobre como é morar na região. Dos sete entrevistados, elencamos dois, aqui, e que possuem proximidade com a Praça.

Dona Gizeuda tem o costume de sentar na calçada da rua Félix Cândido, que faz frente à Praça do João XXIII // Foto: Marília Freitas

Maria Ribeiro Duarte, 89, explica que se mudou para a região exatamente no dia 8 de dezembro de 1962. Mãe e bisavó, reside num terreno compartilhado com a família que faz frente à praça do João XXIII. “Não tenho o que dizer do bairro não, e nem do povo, tudo são ótimos, não tem nada ruim pra mim. Soube me respeitar e eu respeitar o povo”, conta sentada junto às vendas de sua vizinha.

Uma de suas netas, que divide o terreno, na casa logo ao lado da sua, explica que o nome pela qual é conhecida, Gizeuda, foi dado por suas tias e sua mãe.

Ana Lúcia e Márcio são casados e trabalham com vendas de artigos diversos na Praça do João XXIII // Foto: Marília Freitas

Márcio reside na região desde que nasceu, há 35 anos. Ele conta que acha “muito bom” morar na região, completado por uma afirmação de Ana Lúcia, com quem é casado, de que “aqui é elite com subúrbio”. Ela continua e afirma que houve mais tranquilidade, apesar da violência, existindo mais perigo nas regiões vizinhas.

O casal trabalha em feiras que acontecem pela cidade, e, na banquinha da praça já estão há 6 anos, local escolhido pela proximidade e por ser um “ponto de encontro, vem muita gente pra cá, né? Tem um rodízio de mais pessoas do que na feira”, explica Ana Lúcia. Ela afirma que, para eles, a crise diminuiu as vendas.

Tecendo a resistência, bordando afetos

Os trabalhos se iniciam // Foto: Reprodução

Em uma matéria especial, o projeto resolveu abordar a arte e a resistência do bordado como arte urbana na cidade, focando no quarto dia do Festival Concreto, que contou com a realização de uma oficina de bordado urbano oferecida pelo Wà Coletivo.

O Festival Concreto aconteceu nos dias 16 à 24 de novembro de 2018, e dentre os artistas nacionais e internacionais que buscaram por meio de sua arte trazer intervenções para o ambiente urbano, o Wà Coletivo foi uma das atrações que atuaram de forma itinerante, sempre interagindo com o público-cidade por meio da arte.

A oficina contribuiu com o ensino do bordado em grandes dimensões, e a equipe trabalhou manualmente por um período de quase seis dias com bordados e desenhos, todos posteriormente colocados pela cidade por meio de intervenções urbanas. Em Fortaleza, as meninas interviram tanto no local do Festival (Porto Iracema), quanto em locais espalhados pelo Centro. Avenidas como José Avelino e General Bezerril (Próxima à Praça dos Leões), contam, hoje, com artes do Wà Coletivo.

Acima você encontrou algumas informações sobre o que é o Afetos Periféricos e o que pautamos. Não deixe de nos acompanhar no Medium e no Instagram.

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Um movimento de experiências em comunicação, integrado por estudantes de Jornalismo da UFC. Assine nossa newsletter: http://tinyletter.com/midium