Internet e relações a distância

As novas formas de sociabilidade no cotidiano dos indivíduos

Equipe Mídium
Mídium - Comunicação em Movimento
9 min readJun 19, 2018

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Por Clarice Nascimento e Mariana Lemos

Gabriela e seu namorado atravessam 7 mil e 400 km para se encontrarem. Para ver seu filho, Regina percorre 4,1 km. O ser humano mantém relações, sejam com namorados, família ou amigos, como algo da sua natureza, mesmo que haja separação física. Na atualidade, as tecnologias podem ajudar a mediar relações que em outros tempos aconteceriam face a face. O que isso muda na natureza e na rotina dos relacionamentos?

A difusão da internet vem ocorrendo de maneira gradual desde o seu surgimento, em 1969. Segundo relatório divulgado pelos serviços online Hootsuite e We Are Social, cerca de 53% da população mundial está conectada à internet atualmente, o que representa 4,02 bilhões de pessoas. Em relação ao Brasil, entre 2005 e 2015, ocorreu um aumento de 446% do número de casas com acesso à internet, conforme dados do IBGE. Esse crescimento se deve, principalmente, à ampliação da conexão por dados móveis.

Entretanto, ainda há 63,3 milhões de pessoas que não possuem conexão à internet no país. Em pesquisa divulgada em fevereiro pelo IBGE, a justificativa do alto custo dos serviços de internet é a mais comum, respondida por cerca de 14,3% das pessoas desconectadas. Além disso, a influência da escolaridade da população é outro fator importante. Em geral, quanto mais anos de estudo o indivíduo têm, maior é o acesso à internet. Assim, a facilidade de comunicação a distância não abrange todos os segmentos sociais, o que acompanha a desigualdade social no país.

Apesar da desigualdade de acesso às redes, uma cultura de relações adistância sem precedentes está sendo criada. Entre seu caráter prático e funcional, a internet viabiliza a conexão entre pessoas a quilômetros de distância. O documentário Conectifai relata como os cubanos têm se comunicado com seus parentes, por meio de conexões wi-fi gratuittas instaladas em Havana, visto que a cidade não possuía internet disponível para a população.

Romance

Gabriela Feitosa tem 19 anos e é estudante de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Fortaleza (Unifor). Em 2015, viajou para Amsterdã e, por aplicativo, conheceu seu atual companheiro, natural da capital holandesa. A partir dali, Gabriela tem mantido contato com Sijmen através das redes sociais. Dois anos depois, enquanto a estudante passava um ano morando em Salvador, os laços entre os dois se estreitaram por meio das redes sociais e a relação amorosa foi iniciada.

‘’Possibilidade sem a internet: a gente ia se falar através de carta, a gente ia ter ligações extremamente caras, então a conta de celular ia ser caríssima. E a demora ia ser muito grande pra ter qualquer resposta dele. A internet dá acessibilidade, dá rapidez e eu só estou gastando o wifi e, às vezes, o meu 3g, então não é uma ligação cara.’’

Gabriela também conta que os dois passaram cerca de um ano sem que se encontrassem pessoalmente, se relacionando exclusivamente pela internet. Até que, em janeiro de 2018, o holandês veio visitá-la na capital cearense. De acordo com a fortalezense, a visita foi fundamental, pois o contato físico tornou-se necessário, devido ao desgaste de uma relação já iniciada a distância.

A estudante de arquitetura e o namorado em duas situações. Em janeiro deste ano, ele veio a Fortaleza visitá-la | Foto: Acervo pessoal da entrevistada

A estudante afirma se comunicar com Sijmen, sempre em inglês, por meio do aplicativo WhatsApp, seja por meio de mensagens, seja por meio de ligações. Além disso, costumam fazer vídeo chamadas, pelo Skype quando são de longa duração, e pelo Facetime, quando se trata de conversas mais rápidas. Para o entretenimento em conjunto, os dois procuram jogar online, principalmente quiz de conhecimentos gerais.

“[A principal dificuldade é a] impotência. É quando você se depara com uma situação, e vê que não tem nada que você possa fazer em relação a isso. Tem muitas coisas que dependem do físico, e não tem como a gente fazer nada em relação a isso. De vez em quando tem uma briga, e você vê: poxa, pra gente realmente solucionar isso, [ele] tinha que estar aqui. Então a gente deposita muitas expectativas em quando a gente vai se ver, e querendo ou não isso dá um pouquinho de problema. ”

Os mecanismos digitais disponíveis, de modo geral, são eficientes para os namorados estarem presentes nas vidas um do outro. No entanto, Gabriela diz sentir falta de uma plataforma que envolvesse os dois em algum lazer em conjunto, semelhante a um encontro. Além disso, expressa o desejo de que suas contas no serviço de streaming Netflix fossem associadas de forma que assistissem ao mesmo filme ou seriado exatamente ao mesmo tempo.

Gabriela em chamada de vídeo com o namorado Sijmen | Fotos: Equipe Mídium/ Mariana Lemos

Quando comparadas com às vivências no mundo pré-internet, parece ter se tornado mais fácil manter relações a distância. No entanto, para Gabriela, as diferenças entre relacionamentos convencionais e aqueles com separações espaciais ainda são visíveis. Ela afirma que como a base do relacionamento são as conversas, o lado emotivo no seu namoro foi desenvolvido de forma intensa e rápida, pois as emoções descobertas a todo momento, por meio da interação digital, evidenciam tanto os pontos negativos como os positivos de um relacionamento.

‘’A gente não pode se tocar, não pode se ver. Então como a única coisa que a gente tem é a conversa, essa parte do relacionamento a gente desenvolveu de um modo absurdo. Por exemplo, quando uma pessoa é cega, ela desenvolve muito mais as outras partes do corpo. Então, como tem uma falta em uma parte do nosso relacionamento, a gente desenvolve muitos mais as outras.’’

Amizade

Na maioria dos momentos que está conectada, Glória Castro, 17 anos, também estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza e natural de Fortaleza, se comunica com seus amigos de outros países. Ela mantém amizades no Estados Unidos, México, Alemanha, Bélgica, Finlândia e em outros estados do Brasil. A maioria desses relações se iniciaram através de seu intercâmbio cultural, realizado em 2016, quando passou um ano morando no México. Além disso, conheceu muitos estrangeiros que realizaram intercâmbio para o Brasil pela mesma empresa que ela.

Da esquerda para a direita. Foto 1: Glória e seus amigos durante seu intercâmbio no México. Da esquerda para direita: Renne (EUA), Clara (BE), Ilenia (ITA), Ana Flávia (BR) e Glória. Foto 2: Captura de tela de vídeo chamada de Glória e suas amigas | Fotos: Acervo pessoal da entrevistada

Segundo a estudante, a facilidade da comunicação através de plataformas digitais ajudou também no aproveitamento de seu intercâmbio. Ela participa de um grupo no Facebook que abrange a maioria das pessoas que fizeram ou vão fazer intercâmbio cultural durante o ensino médio. Além disso, meses antes de chegar ao México, Glória já conversava com seus companheiros de escola e outros intercambistas que iriam para o mesmo destino, o que tornou a experiência mais proveitosa no que diz respeito a criação de laços.

“No Facebook tem um grupo com todas as pessoas que já fizeram intercâmbio e com todo mundo que vai fazer. De todas as empresas. Eles todos se ajudem, e perguntam ‘Quem vai pra tal país em tal ano? Alguém tem uma casa disponível na Holanda?’ Quando eu pretender viajar, eu vou perguntar se alguém tem casa. A pessoa oferece a casa e você se sente se identificando com aquela pessoa. Porque ela passou pela mesma situação que você.”

Família

Outra motivação constante para o desenvolvimento de relacionamentos a distância é a necessidade ou desejo de trabalhar ou estudar fora do seu local de origem. A experiência de fazer uma graduação longe de casa foi proporcionada pelo Ministério da Educação, através da adoção do Sistema de Seleção Unificada, o SISU, para viabilizar o ingresso a uma das 61 universidades federais que adotam o ENEM como processo seletivo. Na primeira etapa do processo de 2018, segundo dados do MEC, 130 instituições do país disponibilizaram 239.601 vagas.

Gustavo Bonfim, 18 anos, é natural de Jataí (Goiás) e mudou-se para Fortaleza no começo de 2017 para se preparar para o vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Entretanto, seus planos de vida se modificaram e hoje o jovem cursa Engenharia Civil na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Por meio da internet, Gustavo relaciona-se com sua família e amigos. Dentre as redes sociais que possibilitam essa comunicação, Gustavo usa, principalmente, o FaceTime, pois, por ele, é possível ver quem está do outro lado. Apesar disso, ele não o utiliza todos os dias, em virtude da correria cotidiana. O Whatsapp, outra ferramenta que o auxilia nesse contato, é o meio mais usado no dia-a-dia.

Para Gustavo é muito difícil a pessoa ter um apoio em um lugar longe e não poder ter essa conexão proporcionada pela internet| Fotos: Equipe Mídium / Clarice Nascimento

Para Gustavo, o vínculo entre a família se tornou mais forte após sua vinda para o Ceará. Apesar da distância física, a internet o ajuda a ter essa segurança do contato com a família. Segundo ele, no início, imaginava como seria difícil se não tivesse o recurso das redes sociais para se comunicar.

“Depois que mudei, eu fiquei mais próximo deles [pais] ainda, por incrível que pareça. Quando a gente está morando com eles, não damos tanto valor ao que eles fazem pela gente. E quando a gente está fora, percebe o quanto eles foram bons pra gente desde sempre e passa a dar mais valor nisso. É interessante que a gente tenta retribuir, perguntando saber como que está, sempre se importando. Por mais que exista essa distância espacial, a gente tenta se manter por perto.”

Entretanto, com seus amigos, ele se sentiu bastante diferença. O distanciamento, para ele, era inevitável e entendível, pois você passa a conhecer novas pessoas e o contato acaba se esvaindo com o tempo.

“É normal isso, acho que faz parte da vida. Mas acho que o que não deve acontecer é encarar isso como uma distância pra sempre, [como] ‘ah acabou aqui a amizade, eu não falo mais’. Quando a gente se encontra, é como se a gente tivesse se vendo todo dia. É interessante, acho que faz parte do amadurecimento.”

A mudança teria sido mais complicada se ele não tivesse o apoio e a segurança dos pais, que, segundo ele, até hoje dão esse suporte emocional. Após Gustavo chegar na cidade, ele notou o quão diferente sua vida tinha se tornado. Apesar das atribulações, Gustavo afirma que essa metamorfose o fez muito bem em termos de amadurecimento, de compreender o funcionamento da vida. Até nisso a internet colaborou, principalmente em relação a questões de casa, como tarefas domésticas.

Natural de Fortaleza, Regina Carvalho, jornalista e editora do jornal Diário do Nordeste há 22 anos, destaca dois momentos em que as ferramentas tecnológicas possibilitaram o contato com sua família. Um desses momentos foi quando Gabriel, seu filho mais velho, foi estudar no Canadá durante um ano. Segundo ela, os dois quase não utilizavam o telefone da forma tradicional, priorizavam mensagens de texto e vídeos. Com o outro filho, Tiago, que está estudando em Porto Alegre, a rotina do contato por meio dos aplicativos é a mesma.

“Os celulares praticamente são apêndices das pessoas e quando se tem parentes diretos distantes realmente não dá para deixar de contar com eles. A internet é a teia que abriu todo esse mundo novo.”

Regina utiliza, com frequência, o Whatsapp para se comunicar com os filhos. Além dele, o Messenger, ferramenta de bate-papo do Facebook, e o Skype são outros aliados. Para ela, a escolha desses aplicativos se dá em virtude da facilidade de diálogo que eles proporcionam.

Regina e sua família. Da esquerda para direita: O marido da jornalista, Tiago, Regina e Gabriel, seu filho mais velho | Foto: Acervo pessoal da entrevistada

“Eles permitem mensagens de texto, vídeo chamadas, fotos e diminuem distâncias, dão a possibilidade de participar da rotina do outro que está longe, mesmo que por pouco tempo nos sentimos de fato conectados.”

Para a família, a conexão pela internet deve ser voltada para o estar sempre em contato com a família, compartilhar experiências e “matar a saudade”, afirma Regina. Isso, inclusive, tem sido cada vez mais fácil desde o advento dos smartphones. De acordo com a jornalista, atualmente, os aparelhos celulares são como extensões das pessoas e, quando ligado ao campo do trabalho e do estudo, passam a ser tão usuais que se imaginar sem esse artifício tecnológico é irreal.

‘’As pessoas evoluem e crescem. A internet pode ser aliada ou vilã. Pais, mestres, familiares devem orientar sempre. Ficou ainda mais importante saber discernir o que é válido e o que deve ser excluído da vida. É um aprendizado constante. Procuro sempre o aspecto mais positivo. Deve-se também abrir mão desse mundo um pouco sempre e ficar em família, que nunca deixará de ser a mais importante forma de interação e comunicação.”

Dica de documentário: Conectifai

Cubanos têm se comunicado com parentes por meio das conexões wi-fi gratuitas instaladas em praças de Havana — a cidade não possuía internet de banda larga disponível para a população. Isso está ajudando a criar uma cultura de relações a distância sem precedentes.

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