Relações a um deslizar de distância

Plataformas como o Tinder auxiliam no despertar da sexualidade LGBTQ+ e na busca por uma companhia

Equipe Mídium
Mídium - Comunicação em Movimento
10 min readSep 14, 2018

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Por Guilherme Gomes e Marília Freitas

Com colaboração externa de Hellen Vasconcelos

Ativistas fazem beijaço em protesto ao governo Trump em frente à Trump Tower, em Nova York / Foto: Rachel Kober

Diante dos avanços tecnológicos atuais, tornou-se quase impossível se desgrudar das novidades que chegam a todo tempo. Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2016, cerca de 116 milhões de brasileiros estão conectados à internet, o que corresponde à 64,7% da população acima dos dez anos. A conexão está principalmente nos aparelhos celulares, onde a mesma pesquisa afirma que cerca de 94,6% dos internautas a utilizam em aplicativos de trocas de mensagens, dentre outros.

Os aplicativos invadiram o cenário atual para oferecer facilidades em atividades do cotidiano, como checar a previsão do tempo, realizar transações bancárias, dispor de um serviço de entrega de comida, acessar as notícias de última hora ou ter perfis em redes sociais. O que está ganhando espaço, a ponto de gerar mais de 26 milhões de matches por dia ao redor do mundo, é a busca por relacionamentos na web.

Partindo da premissa de que há a possibilidade de encontrar um par ideal que compatibilize com vários pontos de sua personalidade, esses aplicativos oferecem uma gama de ferramentas que facilitam a escolha da pessoa desejada. A manutenção de um perfil conta com a expressão do indivíduo, contribuindo com a proximidade física da pessoa que possa estar no momento em que seu perfil foi visto.

A década de 1990 marcou o início das operações da internet em caráter comercial e a forma com a qual enxergamos os relacionamentos atualmente. A plataforma pioneira nesta área foi o Match.com que, lançado em 1995, ajudou a criar a indústria de relacionamentos online. Com a facilidade dos smartphones, os sites de relacionamento moldaram-se nos aplicativos. A estreia do Tinder no Brasil, em 2012, trouxe um marco para os encontros casuais, que rapidamente podem ser marcados de acordo com a sua geolocalização e com os interesses em comum nas redes sociais, como o Facebook e, mais recentemente, o Spotify.

As facilidades da web permitem que diversas plataformas se fundam com um único objetivo: o da interação | Fonte: TinderBlog

Os anos 90 também tiveram outro marco histórico: o fortalecimento dos grupos LGBTQ+. O interesse pelo exercício e pela visibilização da sexualidade cresceu nos últimos anos, assim como a expansão do capitalismo, que tenta abarcar tal público por meio de produtos e iniciativas que sejam de seu interesse. Os sites de relacionamento, em seu início, não se preocupavam em incluir as relações homoafetivas. Já nos últimos anos, os aplicativos tem se adaptado para abranger o maior número de pessoas possível, contribuindo assim no processo de descoberta e construção do indivíduo LGBTQ+ em sociedade — seja esse processo digital ou não.

É possível para um LGBTQ+ se relacionar nessas plataformas?

Ao mesmo tempo em que um grande espaço foi conquistado pelos LGBTQ+ para se sentirem aptos e seguros a expressar sua sexualidade, os aplicativos também se tornaram um grande e poderoso aliado na autoafirmação e manutenção do “eu”. Nos perfis online, o indivíduo pode se sentir no controle para construir a imagem de si que deseja repassar aos outros. Os aplicativos de relacionamento entregam ao usuário o poder de construir em seu perfil aquilo que poderá interessar o futuro parceiro ou parceira.

Segundo a IstoÉ, até 2014, cerca de dez milhões de brasileiros já estavam conectados ao Tinder, aplicativo de relacionamentos mais conhecido do país. A ferramenta conquistou o público devido à simplicidade em seu uso e à forma como o sistema de emparelhamento de casais evita constrangimentos como o de levar um fora, por exemplo. Seu funcionamento consiste na apresentação dos perfis, que dispõem de nome, idade, fotos, descrição e preferências pessoais, e combinação entre pessoas que mutuamente gostaram dos perfis uma da outra. Somente depois do match, os perfis são direcionados à uma tela de bate-papo onde poderão conversar.

Legenda da foto do Tinder: Ao se inscrever no aplicativo hospeado no Brasil, ele possibilita apenas a escolha de dois gêneros, o que pode trazer desconforto para alguns usuários LGBTQ+ / Foto: Reprodução

O Tinder possibilita que pessoas LGBTQ+ façam uso de seu serviço ao informar o seu sexo (masculino ou feminino) e o sexo que as interessa (ou sexos, caso a pessoa seja bissexual). Entretanto, o sistema falha ao não incluir pessoas transexuais, transgêneros, genderqueer ou não-binárias. Devido à escolha limitada, tanto para se identificar quanto pelo que se procura, usuários que não se encaixam nas categorias predefinidas se veem forçados a escolher qual delas é a mais “aceitável” para si. Situações assim podem causar um grande desconforto, além da preocupação em esclarecer sua identidade de gênero em algum momento da experiência. Segundo o portal Business Insider, já houve casos em que pessoas transexuais e transgêneros foram denunciadas e banidas da plataforma por serem transexuais e transgêneros, mesmo após a atualização da versão americana que permite a escolha de outros gêneros além do masculino e do feminino. Situações como essa poderiam ser evitadas caso a plataforma não só ampliasse as opções de identificação de gênero e de preferência sexual, como também permitissem evitar que aparecessem o que os usuários não desejam ver, a fim de evitar ocasionais casos de LGBTfobia.

Além do Tinder, existem outros aplicativos de relacionamento que servem como alternativa ao Tinder na web. Estes são direcionados especificamente ao público LGBTQ+, o que pode garantir maior segurança e conforto para os usuários. O Femme, voltado especificamente para mulheres lésbicas e bissexuais, criado pela empresa responsável pelo Tinder, a Match Group, apresenta similaridades com este aplicativo como a possibilidade de apresentar perfis geograficamente próximos ao da usuária além de dispor de filtros que facilitam a busca de acordo com as suas preferências. Além dele, há também o Her, também voltado ao público feminino. Esse aplicativo dispõe de um feed semelhante ao do Facebook que traz notícias voltadas ao público LGBTQ+ e uma programação com assuntos relevantes, onde é possível não só encontrar um relacionamento como também fazer novas amizades.

O Her permite que o usuário escolha e poste em suas comunidades de interesse, que podem ser desde relacionamentos até esportes / Foto: Reprodução

Para o público gay, há o Grindr, em que é possível encontrar seu par baseando-se na geolocalização e nos filtros de busca feitos em seu próprio perfil. Além disso, a plataforma é adaptada com mais sugestões de gênero, se tornando inclusiva ao público trans. Já o Hornet facilita o encontro com pessoas próximas, também dispõe da facilidade de procurar por pessoas em qualquer parte do mundo e com uma seção com notícias e outras dicas que interessem à comunidade gay.

Com tantas opções e facilidades, encontrar uma companhia acaba se tornando uma tarefa que resulta em grandes aventuras e aproximação de pessoas novas. E no meio desse processo limitado nas interações, onde laços fracos são criados e logo depois desfeitos, o amor ainda está disponível em plataformas digitais. Algumas delas ficam juntas. Outras, por outro lado, aproveitam máximo da experiência para fazer amizades enquanto a suposta paixão está por vir.

O aplicativo Grindr (à esquerda) permite que o usuário tenha mais opções de identidade de gênero, enquanto o Hornet dispõe de dicas e novidades que envolvem o universo LGBTQ+ / Foto: Reprodução

“E no meio de tanta gente, eu encontrei você
Entre tanta gente chata, sem nenhuma graça”

Entre as dificuldades de encontrar, confiar e se relacionar com pessoas por meio de aplicativos de namoro, encontramos histórias que provam que é possível achar o amor nessas plataformas digitais. Samuel Braz, 22 anos, construiu um agradável relacionamento em sua segunda experiência no aplicativo Tinder. O primeiro contato típico de aplicativos de relacionamento gera sempre receio por parte de quem está interagindo.

“Eu sempre fico receoso em relação aos aplicativos, você sempre tem dúvidas, porque com certeza a pessoa não está falando só com você e escolher você pra namorar é na sorte, parece mais uma pequena batalha de quem escolhe”, relata Samuel

Seu parceiro, Matheus Barboza, 19 anos, concorda que é necessária sorte para encontrar, entre tantos perfis disponíveis, um que consolide um relacionamento sério. “É muito difícil por conta que alguns só querem um fica e nada mais, eu posso falar que eu tive muita sorte em encontrar o Samuel”, conta. Dessa serendipidade concedida ao casal, eles contam detalhes, mostrando que relações duradouras podem ser construídas a partir de aplicativos de relacionamentos.

De forma descontraída, Samuel revela que o início da interação entre os dois foi como qualquer outra. “Ele demorava horas pra responder, aí depois peguei o WhatsApp dele e começamos a conversar por lá. Ele ficou me enrolando por 15 dias para nos vermos, mas um dia deu certo se ver”, relembra.
O encontro foi determinante para impressões mais reais quanto ao outro. Os aplicativos fornecem noções básicas, mas talvez insuficientes para construção de um relacionamento. Fora da tela do celular, eles contam o que chamou atenção no outro.

Samuel e Matheus se conheceram no Tinder e mantém um namoro há 4 meses / Foto: Arquivo pessoal do casal

Para Samuel, as características físicas parecidas entre eles são importantes junto do fato de Matheus ser “de mente aberta, uma pessoa aberta para as coisas”. Já Matheus admira o jeito meigo do parceiro, diferente de outras pessoas que conheceu no aplicativo. “No primeiro encontro eu já tive a certeza que ele era o garoto que eu queria pra minha vida inteira”, conta.

“Na estação do acaso, eu encontrei o meu bem.
E tudo foi desbotando, até desaparecer”

Em meio às vozes melancólicas da rotina do dia a dia, P., 19 anos, se encontra sentada em um dos bancos da Universidade Federal do Ceará (UFC). Atenta nos movimentos ao seu redor, ela nos relatou sua experiência no Tinder como uma mulher — e lésbica.

A jovem teve seu processo de descoberta influenciado pela cultura cibernética: usuária assídua de plataformas como o Tumblr, teve a primeira percepção de sua sexualidade ao observar um shipping — definido como um relacionamento amoroso em alguma obra de ficção — entre personagens da série Once Upon a Time. “Eu comecei achando que era normal, do tipo ‘tudo bem, eu não preciso ser gay para gostar disso’. Mas passei a me interessar por vários outros ‘ships’, e comecei a prestar mais atenção em mim”, relembra.

Pôster do filme Carol / Foto: Reprodução

Dos 15 aos 16 anos, P. começou a se interessar por livros e filmes que abordavam a temática, mesmo que ainda retraída. “Tem sempre esse problema quando você vive numa vida onde você não aceita quem você é. Mas após assistir Carol, gostei muito da obra e descobri que era baseada em um livro chamado O Preço do Sal”, conta. O romance de Patricia Highsmith marcou a estudante por ser uma história que se passa na década de 50, em um período opressor para as mulheres e para as pessoas LGBT. “Ambos tem um final feliz, então, foi muito importante para mim, como adolescente LGBT, saber que eu também poderia ter um”, afirma. A concretização de sua sexualidade veio com uma paixão platônica, aos 17.

P. nos conta sua experiência com o aplicativo Tinder, o qual tinha voltado a utilizar uma semana antes da entrevista concedida ao Mídium. A entrevistada se declara como sendo uma pessoa que não tem a autoestima elevada, e diz ter procurado fotos nas quais se sentia bonita, já influenciada pelo amadurecimento de sua sexualidade. “Eu cheguei a colocar uma [foto] com algumas bebidas em uma festa que fui, algo não corriqueiro para mim. Mas as pessoas poderiam vir a pensar ‘olha só, ela tá sempre saindo, ela bebe.’ e dessa forma, se interessarem.” O processo de construção da imagem em tais plataformas é facilitado por conta da escolha pessoal de decidir mostrar o que lhe interessa. O Tinder também ajudou P. no processo de descoberta de sua orientação sexual:

“No começo, eu utilizava com a opção de interesse em homens e mulheres. Mas logo depois, percebi que não escolhia nenhum dos homens. Passava todos, nenhum desses caras me interessava. E percebi que isso também acontecia na vida real”, relata.

Entretanto, continua sendo difícil, principalmente para pessoas do nicho LGBTQ+, que infelizmente já são estigmatizadas na sociedade em que vivem — incluindo a dessas plataformas. “Uma coisa que me incomoda um pouco é: eu coloco que tenho interesse em mulheres, mas ainda continuam aparecendo muitos homens. Será que eles não sabem usar ou será que é porque eles configuraram para ver mulheres que gostam de mulheres?”, questiona a jovem. O Tinder não é um aplicativo especializado para o público LGBTQ+, como o próprio CEO Sean Rad admitiu: “O aplicativo funciona para a comunidade gay, mas precisamos fazer um trabalho melhor para se adequar”.

Apesar dos pesares, P. continua utilizando o Tinder. “Eu não gosto desse tipo de aplicativo, o instalo quando estou entediada. Acredito que, para muita gente LGBTQ+ como eu, essas plataformas facilitam a busca por alguém. Mas conheço casos em que, para existir um relacionamento, precisa haver uma conexão, e essas pessoas não são tão boas se comunicando virtualmente, e sim no dia a dia.” A usuária diz estar no aplicativo por pura diversão: “Eu acho difícil, como uma pessoa introvertida como eu, conseguir uma conexão com outra pessoa através de mensagens, principalmente quando você não conhece aquela pessoa, e tem que conhecê-la a partir de tais mensagens. Eu sinto que é um pouco mecanizado.”

P. continua com o perfil ativo; não em busca de seu grande amor, mas de uma boa conversa.

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