The Handmaid’s Tale

O reinado da opressão | #SemSpoiler

Catalina Leite
Mídium - Comunicação em Movimento
4 min readOct 31, 2017

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Ganhadora de oito estatuetas do Emmy Awards de 2017 e aclamada em quesitos técnicos e artísticos, The Handmaid’s Tale cativou o público e a crítica (são 95% de aprovação no Rotten Tomatoes e 8,6 de nota no IMDB). Estrelando atrizes como Elizabeth Moss (protagonista da série dramática Top Of The Lake), Samira Wiley (Poussey Washington, em Orange Is The New Black), Yvonne Strzechowski (Hannah McKay, na série Dexter) e Alexis Bredel (a eterna Rory Gilmore, de Gilmore Girls), a produção do serviço de streaming Hulu mostra que não veio ao mundo das séries a passeio.

Fonte: Hulu/Divulgação

The Handmaid’s Tale (ou “O Conto da Aia”) é uma adaptação para TV do livro homônimo escrito por Margaret Atwood, em 1985. A história se passa em um futuro distópico não tão distante, nos Estados Unidos. O nível de poluição é tão alto que passou a afetar não somente a agricultura e a economia, mas também a fertilidade dos seres humanos. Com isso, o planeta passa a viver uma crise populacional, já que a taxa de mortalidade infantil se torna maior que a natalidade. Eis, então, que surge um grupo decidido a mudar o sistema de governo para uma teocracia, que tem como base a subjugação de mulheres férteis.

Parece bem improvável que eles chegassem ao poder, não é? Mas a grande jogada do grupo é tomar o governo aos poucos, usando ataques terroristas forjados por eles mesmos como desculpa. Em dado momento, o dinheiro de todas as mulheres é retirado de suas contas e transferido para as dos maridos ou parente homem mais próximo e elas são impedidas de trabalhar, sendo praticamente expulsas de seus escritórios. Como num flash, as mulheres férteis são capturadas e levadas para a servidão. Perdem seus nomes e passam a ser chamadas pelo nome de seu respectivo “comandante”, como “Offred”, o que, no inglês, quer dizer “(propriedade) de Fred”. Daí em diante, só assistindo à série para descobrir.

É possível que digam que se trata de uma premonição em relação ao governo Trump, mas a série vai muito além de prever o futuro: ela é a alegoria de uma realidade e da condição da mulher como cidadã, como indivíduo em uma sociedade patriarcal e machista. The Handmaid’s Tale traz personagens complexas, diferentes em todos os aspectos, como cor, orientação sexual, condição econômica e status social. São também muito humanas, sendo mulheres com medos e ambições diferentes, experiências de vida que as tornaram o que são, como são e como agem no contexto em que acabaram sendo inseridas.

A personagem principal, June (Offred), é uma mulher branca e hétero, casada e mãe. Ela representa a superfície do que é ser vista como mulher: apenas diferente de homem, mas, de resto, bem normativa, com boas condições financeiras, sem grandes questões sobre sua sexualidade. A partir dela, conhecemos outras mulheres. Temos Emilly (Ofglen), que traz consigo o contexto da sua homossexualidade. Moira, com boas condições de vida, mas negra e lésbica, o que a torna uma mulher “durona” desde o começo, acostumada com as opressões que a vida lhe traz. Temos até mesmo Ofglen 2 (nunca descobrimos seu nome), negra, mas ex-moradora de rua, diferente de Moira. Isso faz com que ela agradeça pelo novo sistema de governo, pois, como ela mesma diz, pelo menos tem comida e uma cama em que dormir.

Todas forçadas a serem aias

Não pense, entretanto, que só as aias sofrem opressões. A série consegue mostrar que até mesmo as mulheres dos comandantes do governo eram oprimidas, apesar de numa escala muito menor. É aqui que se apresenta Serena Joy, esposa do Comandante principal, Fred. É ela a responsável pela organização de todo esse sistema de governo. Foi ela quem escreveu os artigos científicos e colaborou na criação das leis. Por outro lado, foi também ela que nunca recebeu os créditos por isso, tendo todos seus esforços vistos como do marido, e, por ele, foi silenciada e humilhada.

E os quesitos técnicos só ressaltam cada detalhe. A fotografia é genial: focado no rosto das personagens e desfocando os arredores, o enquadramento não permite a fuga de nenhuma expressão facial, que, junto com expressões corporais, por exemplo, é uma das várias maneiras de entender os sentimentos de pessoas silenciadas. As cores dos figurinos e das paisagens têm uma saturação única, uma sensação de esmaecimento e calmaria quase utópicos, transmitindo um ar de paz infectado por claustrofobia. A sonoplastia contrasta entre o completo silêncio e o caos total, acompanhando o presente e o passado das personagens, mexendo com cada sentido do espectador.

A série é assustadora para qualquer um, mas muito mais aterrorizante para as mulheres. Os olhares das atrizes espelham terror, as cenas fazem você querer gritar por socorro, gritar de ódio, chorar de desespero. Ela é a mistura de muitos dos sentimentos vivenciados em diversas camadas da sociedade feminina euroamericana. The Handmaid’s Tale é sobre a mulher na política, sobre a necessidade de um movimento. É pura realidade fantasiada de ficção.

Fonte: Hulu/Divulgação

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Catalina Leite
Mídium - Comunicação em Movimento

artista por necessidade, comunicadora por opção / Jornalista pela UFC / Repórter no O POVO