Aquela conversa desagradável sobre cosméticos
Contexto: Quando terminei o meu curso na faculdade, há uns quantos e bons anos, vivi momentos de muita ansiedade. A crise económica tinha chegado nesse ano e todas as fantásticas perspectivas (e até promessas) de trabalho foram por água abaixo com os pânicos gerais que se criam nessas situações e os despedimentos em massa que aconteceram em 2008. Surgiu aí o hábito de contratar estagiários sem lhes pagar, durante três meses (os chamados estágios curriculares) e assim se foram mantendo abertas as empresas e baixando o nível da qualidade de tudo o que se fez durante um bom período, ou mau período, em Portugal. Foi como uma onda, num mar aparentemente calmo. A água pelo joelho, olho para a areia pelo ombro e quando enfrento o horizonte de novo, já estou a ser levada e enrolada, no meio de espuma e mais espuma, tento respirar quando ela passa mas logo vem outra e outra e outra até deixar de as contar. Por dois ou três meses, foi assim que me senti. Depois entrei numa pós-graduação em Cuba e a minha vida mudou para sempre. E para melhor.
Nesses meses, tive a minha primeira queda de cabelo. Vivia em Benfica, numa casa que não gostava, num turbilhão de mudança, numa insegurança (literalmente, a rua era perigosa) e inconstância tremendas. Tomava banho, agarrava mechas inteiras que me escorregavam por entre os dedos e chorava. Passou. E passaram os anos.
Depois, ele morreu. Não interessa, não vou afundar-me na tragédia da morte de quem nos é próximo. Interessa o choque, o luto, o corpo reagir por todas as lágrimas que, forte, não deitava. Que disparate, como se não chorar fosse sinal de força. E o cabelo caía até ter chegado a 2013 com um pequeno rabo de cavalo, fininho, diferente do cabelo brilhante, robusto e vigoroso que me caracterizava.
O princípio da pesquisa:
A única forma que encontrei, ao longo deste tempo, para recuperar aquilo que é hoje o meu cabelo, foi eliminar as agressões ao meu couro cabeludo. Comecei por pesquisar produtos naturais, champô em barra, sem sulfatos nem agentes de limpeza extrema: quis que o couro cabeludo voltasse a funcionar com uma certa naturalidade, sem quase-artificialmente criar uma camada de oleosidade para compensar aqueles milhões de mini funcionários da limpeza que deixam a pele da cabeça num brinco e sem qualquer barreira natural. Esta pesquisa levou-me a outra pesquisa: a dos produtos não testados em animais. E à dos produtos biológicos e/ou orgânicos. E à do comércio justo. E às compras online, às escolhas conscientes, às tentativas-erro, às decisões (mais) informadas.
Não sou nenhuma fundamentalista. Por exemplo, compreendo perfeitamente que há cinquenta anos não havia muito conhecimento sobre a forma como eram mortos os animais para se fazerem casacos de peles. Há cinquenta anos não era estranho, porque há cinquenta anos não havia youtube para ver como as coisas acontecem. Há cinquenta anos achava-se que os animais iam durar para sempre e que ninguém lhes estava a fazer mal e que a pele vinha dos animais que comíamos mais tarde, ao jantar. E por isso, não tenho problema em usar um casaco de pêlo herdado com, vá, cem anos de idade, mas não é por isso que compro hoje um. Porque saber mais é isso mesmo: aprender, evoluir.
Ora, dito isto, e extrapolando para a evolução da indústria de cosméticos, alguém consegue justificar-me porque ainda fazem testes em animais? E vocês respondem: por causa da lei na China.
Para compreendermos um pouco melhor sobre o que se passa na China, fui roubar uma infografia muitíssimo bem feita aqui:
daqui: ethicalelephant
Realmente, a China está a estragar todo o progresso positivo no que diz respeito aos animais e à nossa consciência ambiental. E a China é não só um país cheio de consumidores, mas uma potência gigante com um crescente poder de compra e poder de decisão. Traduzindo, nos mercados a China é igual a muito dinheiro. E as empresas querem dinheiro. E os consumidores querem produtos. Tudo bem, até aí. Mas eu, que não considero que o dinheiro possa comprar tudo, vou refazer as minhas pesquisas sobre produtos vendidos em condições que não me agradam e vou refazer as minhas escolhas. Só para agitar aquilo que achamos que sabemos, façam lá esta pesquisa !
Chato, não é? Logo eu que sou (era?) tão fã de Shu Uemura.
E ainda vi isto, sobre microbeads !
CONTUDO, a minha pesquisa não se ficou por aqui. Como em qualquer história, há pelo menos duas versões. São cada vez mais os artigos que encontramos na internet acerca do carimbo “cruelty free” e do quanto as etiquetas que supostamente nos deviam assegurar confiança nas marcas são carregadas de controvérsia.
Aqui vão quatro links interessantes para dar uma vista de olhos:
Massachusetts Society for the Prevention of Cruelty to Animals
L’Oreal Sustainability Questions
Assim, se pensarmos na criação dos produtos de cosmética (e não só) como uma cadeia que se inicia nos ingredientes-base (por exemplo, aloe vera, rosas ou abacate) e termina nos corantes e conservantes, a marca pode facilmente anunciar que não testa o seu produto em animais, omitindo que todo o processo de criação do produto pode ter sido testado por terceiros. Se o produto for comercializado na China, também é testado em animais pela China. De facto, a marca x pode não testar em animais, mas há muita gente que faz isso por eles. A isso, chama-se tapar o sol com a peneira. Na minha terra, pelo menos. Entretanto, nesta sequência de trabalho, os produtos podem ser de origens duvidosas, como abacates cultivados por trabalhadores menores, sem condições ou mão-de-obra escrava ou ainda de campos de cultivo absolutamente insustentáveis e danosos para o planeta. Desde o primeiro ingrediente do meu creme anti-rugas até à sua embalagem chamativa, há muitas possibilidades de coisas realmente feias acontecerem.
Sobre o comércio justo, não menos importante na minha singela opinião, do que os testes em animais, encontrei links que valem a pena ler, guardar e partilhar! São realmente muito interessantes:
SlaveryFootPrint (assustador!)
Primeira conclusão:
Numa vida de utopia, viveria certamente no extremo bom das coisas: só consumiria produtos orgânicos e biológicos, os meus bens materiais seriam apenas os necessários, reduziria ao mínimo os plásticos, não compraria nada que pudesse remotamente ter uma história feia na sua concepção, não comeria carne, não usaria carro, não falharia a reciclagem, não usaria tampões, protestaria contra fraldas descartáveis, pensos descartáveis, materiais descartáveis, viveria numa casa de produtos reutilizados, todos os meus medicamentos seriam de origem vegetal ou ainda chás criados por mim, na minha casa, em vasos de barro moldados pelas minhas mãos e regados com a água que sobraria de todos os meus outros afazeres domésticos. Infelizmente, essa não é a minha vida. E não porque ela não seja possível, é, é possível fazer uma vida assim. Mas não seria a minha. Porque na minha eu como carne, faço a minha limonada numa liquidificadora fabricada na China e leio os meus guiões no ipad. MAS a carne eu sei de onde vem e tento que seja sempre de origem biológica e proveniente de animais felizes, a limonada é feita com limões comprados a pequenos produtores e as centenas de páginas de guião estão no ipad para que não as imprima em papel branco e gaste tinteiros sem fim.
Com isto, quero dizer que podemos e devemos investigar sobre o que se passa no mundo, ter consciência de que as calças compradas na Zara não foram fabricadas nas condições que gostaríamos e fazer escolhas cada vez mais conscientes dentro do que é o nosso estilo de vida. Prefiro comprar português, prefiro comprar ao produtor, prefiro comprar sem testar em animais, prefiro comprar sem patrocinar a escravatura ou o trabalho infantil, prefiro comprar sem estragar o meu planeta. Consigo sempre? Não. Mas vou fazendo por isso. Porque há cem ou cinquenta anos ninguém se importava com os animais dos casacos de peles e, no dia em que alguém se começou realmente a informar sobre o assunto, todos começámos a salvar os animais, as crianças e o mundo. Informação e amor, é o que faz a roda girar.
©lakechamplainchocolates.com
Enviei recentemente um email a elogiar a Lush, por exemplo, pelo seu excelente trabalho. E tornou-se uma das minhas marcas de eleição, por todas as razões acima descritas e mais algumas. Não posso, ainda, deixar de recomendar a loja portuguesa Organii, que também visito de vez em quando, nem terminar este texto sem uns links maravilhosos para compras online, como o site da Caudalie, onde compro os meus cremes de rosto anti-rugas. Porque aqui podem encontrar tudo o que precisam nesta área e ainda contribuir, sem tretas, para um mundo melhor:
#togetherwecanmakeadifference