O esporte tem sido a peça chave para trazer meu filho de volta

Rede Nacional do Esporte
Rede Nacional do Esporte
11 min readNov 5, 2015

Por Mariana Magalhães, da página O Meu Mundo é Azul

Minha aventura como mãe começou no dia 21/04/2010 às 7h30 em Vitória/ES. Nasceu meu pequeno príncipe Douglas, enorme e muito saudável. Naquele momento tive a certeza que tinha uma força dentro de mim tão grande, que enfrentaria qualquer coisa para cuidar daquela pessoinha tão especial. Só não imaginava que teria de ter muito mais força do que imaginava. Douglas iniciou sua vida esportiva aos 3 meses de vida com as aulas de natação. Adorava entrar na água e se divertia demais, desde que fosse no meu colo. Todos amavam a Zizi, professora de natação, mas ele não ia com ela de jeito nenhum. Tudo era o máximo, desde que fosse comigo.

Com 1 aninho eu já tinha praticamente um peixinho em casa. Quando percebia que estava colocando a sunga abria o sorriso banguelo mais lindo do mundo. E lá íamos nós para a aula de natação. Aos 2 anos e meio, a piscina já se tornara pequena para tanta energia, e então o Tio Fábio iniciou as aulas de surf com o Doug.

Foto: Arquivo Pessoal

O Fábio é professor de surf e meu amigo. Quando pedi a ele para dar as aulas a Doug ele de início se assustou devido a pouca idade, porém, vendo que ele já nadava bem e sabendo da sua competência como profissional, vestiu nossa camisa. E lá íamos nós! Durante a semana à natação e aos finais de semana às aulas de surf em Manguinhos, Serra/ES. Douglas parecia uma criança bem mais velha. Quando chegava no mar seus olhinhos brilhavam, e o sorriso que já não era mais banguelo se abria de uma forma pura e linda. Sempre acompanhado de seriedade e concentração inabalável.

Anotações internas

Nesse mesmo tempo, o Gabriel, pai do Doug e eu, assim como a vovó Meire, começamos a perceber que havia algo diferente. Nem melhor nem pior, mas diferente. Douglas não falava nada, não olhava nos olhos e quando o chamava ele “fingia” não escutar. Tinha alguns tiques, pavor de balões, momentos de nervosismo e se incomodava com barulhos.

Na escola, começamos a ter problemas. Acho que essa foi a fase mais difícil. Chegar na escola e encontrar meu filho brincando com um carrinho enquanto os outros estavam ouvindo uma história. Ele empurrava as crianças, o que acabava por afasta-las dele. Ele sempre foi o maior da turma e, sem dúvidas, o mais forte, afinal tínhamos um pequeno esportista ali.

Cada dia era uma situação. O tempo de roda dele era praticamente zero. Mas nas aulas de natação da escola ele se destacava sempre. Nessa época, ele iniciou as aulas de capoeira que fazem parte da grade curricular. Não preciso nem dizer o quanto ele ama até hoje. As aulas de musicalização também eram recebidas por ele de forma muito positiva.

Começamos a intensificar as conversas com a escola e com a pediatra a respeito do comportamento dele. Ao mesmo tempo que tinha momentos de agressividade também era amável, carinhoso e muito feliz. Em 2013, as vésperas dos seus 3 aninhos, a pediatra, diante do meu relato, nos encaminhou à fonoaudióloga, à psicanalista e à neurologista. Disse que, caso houvesse mesmo algo, seria diagnosticado.

A descoberta

Primeiro fui à Cláudia Pretti, psicanalista indicada pela Dra. Euzanete e simplesmente maravilhosa. Gostei dela logo de cara. Fui sem o Douglas e estava bem ansiosa. Falei sobre a história dele e já deixamos agendado um retorno. Na primeira consulta com ele entramos juntos. Nas seguintes não. Ele adorava ir lá e gosta muito até hoje. Não deu trabalho para ficar sozinho com ela. Eu aguardava do lado de fora e bem ansiosa. No final do primeiro mês, como de costume estávamos lá e ela me convidou para entrar e conversarmos. Achei ótimo e entrei correndo. Ela me contou sobre as percepções que teve, e foi então que falou com muita delicadeza: “… Mari, o comportamento dele me leva a acreditar que se trata de um autismo… um autismo leve”.

Foto: Arquivo Pessoal

Minha cabeça girou umas 10 vezes em apenas um segundo. Lembro-me de ter ficado estática. Simplesmente não sabia o que dizer. Então olhei para ele brincando, olhei pra ela e consegui dizer apenas um “aham”. E logo em seguida me veio uma paz… uma paz de Deus. Um alívio. Tirei um prédio das costas. Meu filho tinha um diagnóstico! Ela continuou falando e na minha cabeça eu só conseguia agradecer a Deus por ele ter um diagnóstico.

Eu só me lembrava das tantas mãezinhas que conheci e vi nesse mundo, desesperadas atrás de médicos sem saber o que seus filhos tinham. Famílias gastando o que não tinham para tentar descobrir o que acontecia com seus pequenos. E não estou falando apenas de síndromes; e sim de doenças em que eles se internam e tem tantas coisas e correm risco de vida e ninguém sabe o que é. Então, fui embora com meu pequeno. Meio sem chão, querendo urgente falar com minha mãe e com o alívio de ter um diagnóstico.

Eu não chorei, eu não me desesperei. Eu só tive a certeza de que mesmo sem saber o que era o autismo, Douglas iria superar aquilo com o nosso apoio e agradeci muito a Deus pelo fato de saber o que o meu filho tinha.

Desinformação x naturalidade

Foto: Arquivo Pessoal

Então tá… A ficha caiu.. ou não. Primeiro passou um filme na minha cabeça. Como eu não percebi que era autismo? Ele não me olhava nos olhos enquanto amamentava, fazia “flap’s” com as mãozinhas (chacoalhando), ficava na ponta do pé, tinha uns tiques, e não falava. Mas não porque não conseguia falar, parecia que não tinha interesse em falar e quando não o compreendíamos, ficava irritado. Peguei as fotos para ver e ele estava sempre olhando para o lado ou para longe. As que ele estava com o olhar direto para a câmera, eram sempre por acaso. Mas para mim ele apenas detestava tirar fotos.

Enfileirar os brinquedos era apenas coisa de “gente organizada”. Não sei por quê, mas eu achava isso. Ele sempre foi apaixonado pelo RAFA, o primo mais velho. Até hoje o idolatra. E eu percebia que, quando o Rafa estava perto, tudo fluía. Então, pra mim, ele só era desligado mesmo. Se tivesse algo de tão errado assim, ele não iria ter o carinho e a alegria que tinha com o Rafa.

Então fiz um comparativo bem real.. e um pouco cruel. O que eu sabia sobre o autismo? NADA! Tinha visto uma reportagem sobre o assunto anos luz antes disso tudo. Lembro bem da entrevista feita pelo Jornal Hoje com a mãe de uma criança autista. E também lembro do que eu pensei… “Nossa, viver fora desse mundo estando nele? Acho que é a pior coisa que pode acontecer a alguém!”, e nunca mais ouvi falar nisso.

Quando comecei a pesquisar sobre o autismo, só pensava… eu não vou viver para sempre. Como será a vida do meu filho? Quem vai cuidar dele quando eu não estiver mais aqui? Será que devo ter logo outro filho par cuidar dele? Mas e se tiver autismo também? Será justo ter outro filho por isso? É justo fazer uma criança crescer sabendo que tem a responsabilidade de cuidar de um irmão “doente” sem ter escolhido isso? Não, não é hora disso. É hora de colocar o pé no chão e ir à luta.

O inaceitável de engolir

Preconceito? É… talvez sofra alguns. Mas farei o impossível para que não. A única certeza que eu tinha naquele momento era de que meu filho não seria o “coitadinho”. Não seria tratado como uma criança retardada, por quem é mais fácil fazer as vontades para que fique quietinho, para que não atrapalhe. Ele não seria jamais a criança excluída, que seria inferior e que estaria com sua “sentença” assinada. Coitado do Douglas… Ele é autista! Coitados dos pais dele… Não merecíamos isso! JAMAIS!!!

Nunca aceitei essa pena, pelo simples fato de nunca termos precisado dela. Crianças especiais não são dignas de pena. São dignas de respeito, de inclusão social e de muito amor! Primeiro fomos a escola e conversamos abertamente sobre tudo. Pedi para que me pontuassem cada detalhe que achassem que fosse válido para trabalharmos em casa. Não queria que Douglas ficasse para traz em nenhum aspecto.

Alternativas

Marquei com a Dra. Francini, neuro, e ela receitou Risperdal. Uma dosagem mínima. 0,5 ml. Relutamos muito, porque minha mãe, que é quase uma árvore de tão natureba, sempre nos criou de uma forma muito natural quanto a isso. Remédio apenas em último caso. Gabriel também ficou receoso. Mas não custava fazer o teste né?! E começamos a dar. Ficamos tristes, pois percebemos que o Douglas não estava tranquilo, e sim dopado. Aos nossos olhos de adulto qualquer criança parece ficar “tranquila” tomando um remédio controlado.

Foto: Arquivo Pessoal

Voltamos à Dra. Euzanete (pediatra) que, vendo minha preocupação em dar um remédio tão forte a ele, me falou que existia um tratamento baseado na alimentação, um tratamento natural, “bem diferente” e que talvez eu pudesse me interessar. Foi nesse momento que conhecemos o PROTOCOLO DAN.

Protocolo DAN, cujo nome vem da sigla para (Defeat Autism Now) ou “Derrote o Autismo Já” é um protocolo de diversas ações para o tratamento do autismo através de métodos diferentes dos abordados pela neurologia atual, através da biomedicina. Esse movimento iniciou-se nos Estados Unidos, pelo Instituto de Pesquisas sobre Autismo (ARI, na sigla em inglês), fundado em 1967, pelo médico e cientista PhD Bernard Rimland, autoridade no assunto e pai de um garoto com autismo.

Uma das principais ações é a dieta totalmente isenta de duas proteínas: glúten e caseína — esta última presente no leite animal — conhecida como Dieta SGSC (sem glúten e sem caseína).

O esporte

Depois de ler bastante a respeito do Protocolo Dan e marcar uma consulta com o Dr Rogerio Rita (foi quase 1 ano de espera), parei para pensar… O que deixa o Douglas tranquilo, feliz e atento? O ESPORTE!

Fui relembrando todos os momentos em que ele estava praticando algum esporte. Ele estava feliz, relaxado, tranquilo, obedecia a todos os comandos, se concentrava, tinha uma disciplina absurda e era carinhoso com todos à sua volta. E mais… ele se esforçava para melhorar a cada aula. E entendi que se alimentação saudável auxiliaria, o esporte seria a peça chave para trazer meu filho de volta.

Começamos a perceber que tudo o que falávamos enquanto ele estava naquele momento de felicidade que o esporte trazia (seja qual fosse) ele absorvia. Com 3 aninhos e meio Douglas já se equilibrava com facilidade na prancha, tinha noções de equilíbrio e espaço, respeitava uma fila sem grandes problemas e um belo dia percebemos…êpa, os tiques sumiram!! Com a parceria Protocolo Dan e esporte, Douglas iniciou a fala e se transformou na criança mais alegre do mundo. Todo aquele nervosismo era reflexo da falta da fala. Ele se irritava porque as pessoas não o entendiam.

Meu filho de volta

Foto: Arquivo Pessoal

Depois disso, passou a ter muitos amigos sem qualquer problema para socializar e, dali em diante, foi só melhorando. Cada momento era uma superação, uma nova vitória às vezes diária. Os retrocessos eram tão raros que hoje quando paro para lembrar de alguma situação parece que foi em outra vida de tão distante.

Aos 5 anos Douglas iniciou as aulas de kickboxing a convite do Mestre Laécio Nunes, tricampeão mundial da modalidade. Douglas tem um porte físico de atleta. Tem 1.20 alt., calça 31, pesa 23 kg e tem uma força surreal, como consequência de uma vidinha tão ativa.

Nesse meio tempo, Douglas se tornou referência no nosso Estado. Referência de superação, de luta e de vitórias através do Esporte. Em 6 meses de aula, conseguiu passar no Exame de Faixa do Kickboxing, e hoje é a primeira criança autista do mundo a conseguir o feito. Tem alguns patrocínios e um foco admirável. Muito mais que isso, Douglas hoje está se alfabetizando em português e inglês, fala pelos cotovelos, e é considerado fora do Espectro Autista.

Repercussões positivas

No mês passado, Douglas foi convidado pelos municípios da SERRA e VITÓRIA aqui no nosso estado para participar do revezamento da Tocha Olímpica durante as Olimpíadas RIO/2016. Infelizmente pela pouca idade e as normas existentes, ele não poderá carrega-la, mas estamos lutando para que consiga a autorização de que alguém o faça, representando toda sua história. Doug é um pequeno guerreiro que encontrou através do esporte um caminho para se comunicar com o mundo.

Essa conquista, caso consigamos, será a vitória de mais de 2 milhões de famílias com diagnósticos de autismo a sua volta no Brasil. Mais que isso, uma pesquisa realizada pelo National Health Statistics Reports nos EUA em 2013, nos mostra que 1 a cada 50 crianças nascem dentro do Espectro Autista, sendo 1 em cada 31 meninos e 1 em cada 143 meninas. A título de comparação a média é de 1 em cada 798 nascimentos nascer uma criança com Síndrome de Down.

Empenho pela conscientização

O autismo é muito maior, e muito menos divulgado e entendido. Será a possibilidade de mostrar ao mundo que o Autismo é Tratável! Não estamos dizendo que o autismo tem cura, e sim que ele é tratável! Sei que a medicina convencional talvez tenha dúvidas sobre os resultados alcançados através do esporte, mas enquanto eles ficam na teoria eu mostro o resultado!

Hoje abrimos um Instituto onde nosso grande objetivo é trazer para o ES, um Centro de Esportes para Crianças Especiais. Esse é meu objetivo de vida e sei que irei alcança-lo com a ajuda de tantas pessoas guerreiras e confiantes, assim como toda mãe de criança autista é.

Fizemos uma página no Facebook “O Meu Mundo é Azul”, onde divido informações sobre tudo o que fizemos para alcançarmos esse resultado positivo, além de receitas saudáveis e de baixo custo. E, como eu disse no começo, não imaginava que precisaria ter tanta força. Mas hoje sei que a força que eu preciso é para correr atrás de meios para que possa levar a tantas famílias a informação. Informação diminui preconceito, e ajuda as famílias a se nortearem para um tratamento adequado. O caminho da melhora o Douglas já mostrou… esporte e alegria!

--

--

Rede Nacional do Esporte
Rede Nacional do Esporte

Perfil oficial do Governo Federal sobre a preparação dos atletas brasileiros rumo a Tóquio 2020.